Diplomacia

Esperamos o embaixador brasileiro de volta a Israel o quanto antes, diz cônsul em SP

Yoel Barnea, cônsul de Israel em São Paulo, comenta as polêmicas em torno da guerra contra o Hamas e diz lamentar que o Brasil tenha incentivado outros países da América Latina a expressar repúdio

Alina Souza/ GERS

Yoel Barnea durante visita ao Palácio do Piratini, no Rio Grande do Sul, em 2013

São Paulo – Yoel Barnea, cônsul-geral de Israel em São Paulo, tem história com o Brasil e com a América Latina: nascido em Buenos Aires, na Argentina, foi cônsul-geral no Rio de Janeiro entre 1994 e 1998, e retornou à região como embaixador de Israel no Uruguai entre 2005 e 2009. Ocupou, por quatro anos, a coordenação para a América Latina da Mashav, agência de cooperação internacional do estado israelense, e retornou ao Brasil, em 2013, novamente como cônsul-geral. Tanta imersão em cultura e política locais, no entanto, não foi suficiente para impedir que o diplomata se sentisse “surpreso” com a postura do Brasil perante os novos conflitos entre o estado de Israel e o Hamas, que já duram um mês e deixaram 1,8 mil mortos do lado palestino, em sua maioria civis.

O Itamaraty, pela primeira vez, emitiu nota condenando a violência “desproporcional” do Estado de Israel contra Gaza sem mencionar o Hamas, e convocou ainda seu embaixador de volta a Brasília, gesto que, na arena diplomática, pode ser interpretado como sinal de repúdio de um governo em relação a outro. Para Barnea, foi a postura brasileira que levou outros governos da região a tomar a mesma atitude.

O governo brasileiro decidiu chamar seu embaixador para consulta, e vimos nisso uma iniciativa lamentável, porque, nesse momento, foi o único país abaixo da Linha do Equador a convocar seu embaixador. Depois, outros países latino-americanos seguiram o exemplo do Brasil e chamaram seus embaixadores. Nós ficamos surpresos”, pondera, antes de destacar que, para Israel, a questão já passou. “Esperamos o embaixador de volta a Tel-Aviv o quanto antes”, diz, ao ressaltar que a trégua atual, decretada ontem (5), tem chances de tornar-se um cessar-fogo permanente.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista com o cônsul, em que ele fala ainda do protesto de jovens judeus contra a guerra realizada em frente ao consulado de São Paulo e outros temas polêmicos envolvendo o conflito.

Como o senhor vê a manifestação dos judeus brasileiros em frente ao consulado contra a guerra entre o estado de Israel e o Hamas?

Israel é um país democrático, o Brasil também, e suas populações têm pontos de vista divergentes sobre muitos temas, também a nossa comunidade tem muitos pontos de vista, e nós respeitamos os direitos de que as pessoas expressem seus pontos de vista. Nós achamos que os eventos que ocorreram em Gaza nas últimas semanas são resultado das agressões do Hamas ao estado de Israel, ao lançamento de mísseis e atos terroristas do passado, e nos vimos na necessidade, infelizmente, de tomar medidas militares muito fortes para proteger nossa população. Mas respeitamos o direito de todos, inclusive dos judeus que se sentem assim, de manifestar sua desaprovação, insatisfação ou crítica em respeito às decisões do estado de Israel. Existe uma piada que diz que onde há dois judeus, há três opiniões, então é natural.

O senhor recebeu outras manifestações de judeus em protesto à guerra?

Sim, recebemos manifestações desse tipo, mas a grande maioria das mensagens que recebemos da comunidade judaica são de apoio irrestrito ao Estado de Israel e compreensão com o que está acontecendo. Logicamente, da mesma forma que o Estado de Israel lamenta profundamente as mortes do lado palestino e do lado israelense, também a comunidade judaica lamenta as perdas de vidas. Mas há a situação em que o Hamas põe em perigo sua própria população porque os usa como escudo para proteger seus mísseis. Nós também temos mísseis, mas que usamos para proteger nossa população. Vemos no Hamas o responsável por esta situação terrível que passam os palestinos em Gaza, e que também nos trouxe muitos mortos civis e soldados.

Em julho, o Brasil emitiu nota em condenação a Israel por conta da ação militar em Gaza, e a resposta do governo israelense não foi exatamente amigável. Hoje, as relações diplomáticas estão normalizadas?

Houve um comunicado do governo brasileiro que tinha uma crítica ao Estado de Israel e nós achamos que estava incompleto. O comunicado criticava somente o lado israelense, e não mencionava o Hamas e seus mísseis. Então a reação do Estado de Israel, em comunicado, foi lamentar o teor desse comunicado brasileiro. O governo brasileiro decidiu chamar seu embaixador para consulta, e vimos nisso uma iniciativa lamentável, porque, nesse momento, foi o único país abaixo do Equador a convocar seu embaixador.

Depois, outros países latino-americanos seguiram o exemplo do Brasil e chamaram seus embaixadores. Nós ficamos surpresos, porque temos excelentes relações com o governo e o povo do Brasil. Esperamos que o embaixador do Brasil volte logo a Israel. Estamos agora em situação de trégua, acreditamos que essa trégua pode se converter em um cessar-fogo permanente, e, assim, cremos que o embaixador brasileiro pode retornar a Tel-Aviv o quanto antes. Foi um mal-entendido entre os dois países, mas isso não vai repercutir.

Não caberia a Israel, como um Estado consolidado, de instituições fortes, o esforço maior pela saída pacífica?

Para fazer a paz, você precisa de pelo menos dois. Para fazer a guerra, basta um apenas. Não estamos contra o povo palestino, de forma alguma. A solução que o governo atual aceita é o de dois Estados para dois povos, o judeu, que já tem 66 anos, e o palestino, que tem de ser construído por meio de negociações pacíficas. Agora, o Hamas tem outra solução. A solução deles é a destruição do Estado de Israel, que nós, obviamente, não aceitamos.

Eles pensam que atacando o Estado de Israel e matando nossa população – nós fomos alvo de 2 mil mísseis nas últimas quatro semanas – vão vencer. Nós não achamos que pode haver negociação assim, porque não negociaremos o nosso suicídio. Negociamos, sim, com a Autoridade Palestina e com o presidente Abbas, que são as pessoas com quem queremos seguir as negociações. O Hamas está infringindo as leis internacionais, que são para todos, inclusive Israel, e nos garantem o direito de nos defender. Quando coloca seus armamentos e realiza ataques a partir de espaços civis, como hospitais, escolas e mesquitas, o Hamas transforma esses locais em alvos militares.

Mas levando em conta o número de vítimas e o fato de que o Hamas é um grupo extraoficial, sem o tamanho, o orçamento e a organização de um Estado, é possível negar que há desproporcionalidade nas ações?

Não há desproporcionalidade de jeito nenhum. Na lei, se uma pessoa professa a intenção de matar outra, já pode ser processada, não há necessidade de esperar que ela cometa o crime. Ou seja, o Estado de Israel não tem de se desculpar pelo fato de que não tivemos tantas vítimas como o lado palestino. Isso acontece porque nós investimos, nos últimos anos, recursos humanos e materiais para proteger nossa população, para criar o “domo de ferro” sobre Israel e interceptar os mísseis do Hamas. Nesse mesmo período, o Hamas só construiu túneis para atacar Israel com cimento e combustível enviados a Gaza com fins humanitários. Então, enquanto protegíamos nossa população, todos os recursos do Hamas foram para atacar Israel. São dois os crimes graves do Hamas neste confronto: primeiramente, a utilização de sua própria população como escudo humano, e, em segundo lugar, o lançamento de mais de 2 mil mísseis contra Israel, com a intenção de matar o maior número de israelenses possível. A comunidade internacional e a opinião pública estariam mais contentes se, ao lado dos 1,8 mil mortos palestinos houvesse também 1,8 mil mortos judeus? Aí seria proporcional?

Além disso, fazemos sempre três tipos de advertência antes de ataques a locais civis: primeiro, panfletos que solicitam à população que deixe locais que serão bombardeados, mas o Hamas não permite, diz aos palestinos que fiquem. O segundo aviso são ligações telefônicas do Estado de Israel aos centros populosos para pedir que fujam desses lugares, próximos a instalações do Hamas; e o terceiro aviso é, um pouco antes do ataque, o lançamento de bombas de menor intensidade, que não ferem pessoas nem estruturas, e que avisam que iminentemente virá um bombardeio. Nós, da parte do Hamas, nunca recebemos um telefonema, nem panfleto, nem nenhum tipo de advertência que haverá ataques de mísseis. Aí, sim, há desproporcionalidade na agressão.

Há relação política entre a guerra e o acordo por um governo nacional unificado com Hamas e Fatah, firmado do lado palestino dois meses antes do início dos bombardeios?

Quando Hamas e Autoridade Palestina declararam sua intenção de criar uma aliança para um governo unificado, o estado de Israel manifestou-se publicamente sua insatisfação a esse tipo de governo. Com a AP nós tivemos, com altos e baixos, negociações e acordos, enfim, um diálogo pacífico. Mas se o Hamas entra em um governo de unidade nacional, não saberemos se a posição palestina será a postura moderada da Autoridade Palestina ou se será a postura extremista do Hamas. Como não há diálogo com o Hamas, que quer nossa destruição, vimos essa unificação de forma negativa, e concluímos que, assim, não poderíamos negociar.

Agora, o que ocorreu antes deste conflito foi o sequestro de três jovens israelenses na Cisjordânia, posteriormente encontrados mortos. Israel tinha evidências e prendeu os responsáveis pelo sequestro, que afirmaram estar trabalhando por ordem do Hamas. O resultado disso foi que extremistas judeus pegaram uma criança palestina e o assassinaram, uma ação que vimos de forma negativa e, como em todo caso de assassinato em Israel, foi encaminhado à Justiça para que os responsáveis paguem por seus crimes. Aí o Hamas começou a atirar mísseis contra o sul de Israel, aproveitando essa situação. Os mísseis, depois, começaram a cair em outras áreas. Por isso iniciamos a ação militar. Não havia vontade de atacar o Hamas ou Gaza, mas com tantos mísseis, ficou totalmente impossível não tomar as medidas que tomou.

Fala-se também que o Hamas teria sido ‘provocado’ a atacar Israel após uma onda de detenções entre os mil presos políticos que haviam sido liberados em 2011, em negociação para a liberação do soldado israelense Gilad Shalit, sequestrado pelo Hamas por cinco anos.

Um certo número de presos que foram liberados naquela ocasião, em que negociamos a liberdade em uma base de 1.000 por um, foi, mesmo, presa novamente recentemente. Mas, aqueles que foram presos foram os que se comprometeram por escrito a não voltar a se envolver em ações contra Israel, mas voltaram a se envolver com terrorismo. Eles infringiram o acordo e foram presos por isso. Mas não vejo o que uma coisa tem a ver com a outra. Não tem provocação nenhuma, nós apenas nos defendemos contra os mísseis que são atirados contra nós.

Antes da fundação do Estado de Israel, quando a região estava sob domínio do Império Britânico, grupos armados judeus também promoviam ações de guerrilha. Não há um paralelo entre essa luta pela origem de Israel e a luta do Hamas?

Eu acho que não. Nós não atacávamos, de jeito nenhum, alvos civis. Estou falando, claro, dos grupos pré-Israel, contra a potência que ocupava os territórios. Eram grupos que atacavam militares britânicos que não permitiam a entrada de judeus no território, por exemplo. Agora, neste caso, o Hamas é um grupo terrorista que não discrimina entre seus alvos. Nos últimos anos, tivemos mortos também árabes israelenses, por exemplo, em ônibus, cinemas, supermercados que foram alvo de ataques do Hamas por mísseis. Não vou dizer que os grupos pré-Israel sejam todos santos, de forma alguma, mas os alvos nunca foram civis.