desejo coletivo

Dólares da diáspora

Africanos vivendo no exterior podem ajudar a reduzir a pobreza em seus países de origem

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Cerimônia de abertura da 23ª sessão ordinária do Conselho Executivo da União Africana, em sua sede, na Etiópia

Johannesburgo – Quando El Hadji Sall deixou o Senegal ainda jovem para estudar engenharia elétrica na Universidade Howard, em Washington, DC, ele planejava voltar para casa após se graduar. Trinta anos mais tarde, Sall ainda está nos Estados Unidos e, agora, em sua condição de africano e americano, conecta dois mundos. Com dupla nacionalidade, ele é um líder religioso, engenheiro e trabalha ativamente tentando convencer os membros da grande diáspora senegalesa a investir em seu país de origem.

“O dinheiro está aqui. Existem milhares de pessoas como eu”, diz Sall, sobre o desejo coletivo, entre seus compatriotas emigrados, de incentivar o progresso em sua terra natal. “Se pudéssemos sentar e falar seriamente sobre como envolver a diáspora nesta questão, acredito que o Senegal poderia se tornar um país desenvolvido muito em breve”, complementa. Sall é apenas uma estrela na enorme constelação de africanos espalhados mundo afora que mantêm fortes vínculos com seus países de origem.

É difícil estipular com exatidão o número de africanos que vivem no exterior, parcialmente porque as definições de o que constitui a diáspora no continente variam. O Banco Mundial estima que a “população africana nascida no exterior”, em 2010, seja pouco superior a 30 milhões, mas o número inclui apenas imigrantes de primeira geração, excluindo portanto seus “filhos e netos, que também podem apresentar vínculos com o país de origem”. A União Africana (UA), no entanto, tem uma definição muito mais ampla: para ela, integram a diáspora “pessoas de origem africana que vivem fora do continente, não importando sua cidadania e nacionalidade”. Se aplicada a definição da UA, o banco estima que mais de 168 milhões de africanos vivam nas Américas e na Europa.

Mantendo laços

Qualquer que seja a definição aplicada, os expatriados africanos enviaram para o continente, em 2010, uma enorme quantidade de dinheiro: US$ 51,9 bilhões, para ajudar suas famílias e amigos com os custos diários de sobrevivência, de acordo com o Banco Mundial. Em 2012, o número atingiu US$60 bilhões, enquanto as estimativas para 2013 são de US$ 62,9 bilhões.

O envio de dinheiro não é a única maneira de contribuir com o desenvolvimento da terra natal. Muitos americanos de origem etíope vivem nos EUA, mas mantêm laços com os parentes que ainda vivem na Etiópia, diz Melaku Nagussie, engenheiro americano de origem etíope. “E eles sentem a necessidade de voltar para casa para ajudar o país de alguma maneira.”

A Etiópia de Nagussie é um país que obteve sucesso na manutenção dos laços com seus emigrantes por meio de políticas específicas e do diálogo. O governo do país africano estabeleceu sua Diretoria da Diáspora em 2002, possuindo hoje um portal on-line por meio do qual os etíopes emigrados informam-se sobre investimentos, impostos e procedimentos alfandegários. Eles também podem se candidatar  ao recebimento de um “cartão amarelo”, que permite que etíopes nascidos no exterior entrem no país sem visto, trabalhem sem necessidade de autorizações especiais e sejam donos de propriedades residenciais.

A Etiópia é um caso único, já que sua diáspora altamente educada compartilha suas habilidades, acesso a capital e experiência com inovações para criar redes de trabalho sólidas que estão “transformando a Etiópia”, diz Liesl Riddle, professor da Universidade George Washington, em Washington, DC, que estudou os investimentos desta comunidade por 20 anos.

Um exemplo é Eleni Gabre-Madhin, uma economista etíope formada nos Estados Unidos que voltou para casa em 2005 e criou a primeira bolsa de mercadorias do país, em 2008. A Bolsa de Mercadorias da Etiópia (ECX) hoje possui mais de 350 membros, que negociam café, gergelim, milho e feijão. Os negócios trouxeram US$ 20 milhões diariamente ao país em 2010, de acordo com o site da ECX.

Atenção e investimentos

Ruanda é outro país que obteve sucesso ao requisitar a ajuda de seus cidadãos que vivem no exterior. Em 2012, o governo pediu à diáspora que ajudasse a liberar o país de sua dependência em relação à ajuda externa, financiando sua nova estratégia de desenvolvimento. Foi assim que surgiu o Agaciro Fund, que obteve mais de US$ 30 milhões, de acordo com o site da organização.

O diálogo constante é crucial para que se receba as contribuições da diáspora, diz Gaetan Gatete, chefe da Rede da Diáspora Ruandesa, sediada nos Estados Unidos. O grupo organiza um encontro anual chamado Dia de Ruanda, com o presidente Paul Kagame e membros de seu gabinete, diz Gatete. “Isto faz uma grande diferença, porque mostra que eles nos levam a sério e a diáspora sente que suas opiniões contam”, complementa.

Pelo menos 32 nações africanas que precisam ampliar sua receita, investimentos e capital humano criaram organizações voltadas para a recepção dos fundos e do know-how da diáspora. Serra Leoa, África do Sul e Gana, por exemplo, organizaram encontros muito bem divulgados para atrair a atenção e os investimentos da diáspora.

No entanto, muitos desses grupos não recebem financiamento adequado e não possuem pessoal capacitado, de acordo com Gerd Junne, ex-professor da Universidade de Amsterdã que criou o Remessas para o Desenvolvimento da Comunidade, um site que compartilha resultados de pesquisas. Isso frustra muitos africanos que vivem no exterior e gostariam de contribuir com seus conhecimentos ou dólares.

Cálculos racionais

A maioria dos africanos emigrados gostaria de participar da vida política de seus países, de acordo com analistas, mas alguns governos africanos os consideram uma ameaça. Apenas 21 dos 54 países africanos permitem que seus cidadãos mantenham dupla nacionalidade, de acordo com um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI). E apenas quatro países – Quênia, Nigéria, Ruanda e África do Sul – concederam o direito de voto aos cidadãos que vivem no exterior, de acordo com o Banco Mundial.

Destes, apenas poucos cidadãos emigrados podem realmente votar, de acordo com o banco. Nas eleições de 2009 na África do Sul, apenas 16 mil dos cerca de 1,2 milhão de sul-africanos que vivem no exterior puderam registrar seu voto.

Alguns governos africanos tentaram emitir obrigações de taxa variável para a diáspora, a fim de financiar grandes projetos de infraestrutura — notavelmente, o Quênia e a Etiópia, de acordo com Plaza. Mas a falta de confiabilidade é um obstáculo. “Isto tem muito a ver, em alguns casos, com a confiança na capacidade do governo de fornecer projetos de infraestrutura”, diz Dele Meiji Fatunla, escritor britânico de origem nigeriana que trabalha na Real Sociedade Africana, no Reino Unido.

O problema é que poucos governos compreendem as motivações por trás do envolvimento da diáspora, diz Chukwu-Emeka Chikezie, cofundador da Fundação Africana para o Desenvolvimento, um grupo da diáspora sediado no Reino Unido. “É uma máxima do bom marketing que você precisa conhecer e compreender seus clientes a fim de ganhar sua confiança e poder servi-los”, diz Chikezie.

Os governos provavelmente terão mais sucesso se incorporarem seus emigrados em programas para a redução da pobreza, complementa. As reformas econômicas também são cruciais para o envolvimento da diáspora. “Apesar do vínculo emocional, as pessoas da diáspora estão tomando decisões com base em cálculos racionais. Portanto, se a economia do país não é funcional e não oferece retorno, é pouco provável que a diáspora queira se envolver com qualquer plano de crescimento”, diz Chikezie.

 

Texto originalmente publicado no site do  Good Governance Africa (GGA), organização de pesquisa e promoção para a melhoria do desempenho dos governos no continente africano. Tradução Isis Shinagawa

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