Reação

Venezuela fará diagnóstico da produção em nova ‘ofensiva econômica’

Entre as medidas, estão a visita a fábricas para detectar gargalos e mecanismo de financiamento para dinamizar investimentos

Juliana Afonso/RBA

Crise de abastecimento ajudou especuladores

Caracas – O governo de Nicolás Maduro anunciou nesta semana uma nova fase da “ofensiva econômica” – uma série de medidas para tentar incentivar a produção e reverter o cenário de escassez de produtos e alta inflação da Venezuela. Nesta segunda etapa, o foco é o estímulo à produção e o combate ao desabastecimento.

Maduro anunciou uma jornada nacional, a partir da próxima segunda-feira (28/04) de visita e inspeção a indústrias e empresas por uma equipe de ministros e funcionários para diagnóstico de problemas e de potencialidades de desenvolvimento produtivo.

“É preciso desenvolver uma metodologia de trabalho que nos permita processar em tempo real os problemas e decisões que devemos tomar em cada um dos campos da ofensiva que estamos colocando em marcha, quanto à produção, abastecimento e preços justos”, disse o vice-presidente do país, Jorge Arreaza, na quarta (23/04) , dia de apresentação do projeto. Ele afirmou que as mesas de trabalho iniciadas em fevereiro com os empresários devem ser permanentes.

Desde que protestos oposicionistas começaram em fevereiro, o governo vem realizando esses encontros com o setor privado e escutado demandas do empresariado e produtores. Cerca de 600 empresários participaram da última reunião, liderada pelo vice-presidente.

Outra medida de incentivo à produção é um novo mecanismo de financiamento, por meio de fundos estatais, para tentar dinamizar investimentos. O presidente venezuelano também afirmou que liquidará 30% das divisas devidas a setores prioritários da economia e a facilitação, até o fim do ano, de trâmites para a importação de matéria prima e produtos nos setores alimentar, de saúde, higiene e transporte de carga.

Além disso, setores automotrizes e de linha amarela (máquinas e equipamentos de construção) poderão obter divisas por meio do sistema de leilão Sicad 1 (Sistema Complementar de Administração de Divisas), no qual o dólar tem flutuado entre 10 e 12 bolívares. Até então, estes setores obtinham o dólar a 6,30 bolívares, mas com dificuldades para conseguir a moeda.

Com uma inflação anual de 59,4% no ano passado e 28% de escassez de produtos básicos, segundo os últimos dados oficiais, Maduro vem sinalizando que a economia será o foco de sua gestão. Nos últimos anos, houve queda na produção interna e diminuição da liquidez em dólares para importações, o que evidencia as distorções econômicas.

“Diálogo de surdos”

A tônica governamental mudou se comparada à do final do ano passado, quando comércios foram fiscalizados e alguns sofreram intervenção por especular, algumas vezes em mais de 1000%, segundo o governo, com o preço de produtos. Na ocasião, algumas redes terminaram sem inventários e com as prateleiras vazias, problema ainda visto em algumas lojas que se mantêm fechadas ou com poucos produtos a venda, quando abertas.

“Está se superando o diálogo de surdos que se impôs durante tantos anos, quando o governo e o setor privado não se escutavam e, portanto, não se chegavam a soluções para problemas que afetam a atividade produtiva. As reuniões passaram a ter caráter propositivo, onde predomina o desenho de soluções e medidas concretas para superar os problemas”, disse a Opera Mundi o ex-ministro venezuelano de Indústrias Básicas Víctor Álvarez.

Pesquisador do Centro Internacional Miranda, o analista considera que os primeiros anúncios indicam que o setor privado e o governo estão conseguindo chegar a uma unidade de critérios. Mas também que o governo está disposto a “escutar problemas, revisar diagnósticos, e corrigir decisões desacertadas”.

Para Álvarez, a medida de obtenção de dólar por meio do Sicad 1 pode reduzir distorções do mercado cambial e era uma demanda dos empresários, que preferem pagar mais para garantir o acesso à divisa. “Na medida em que se resolvem os gargalos, a atividade produtiva se reativa, há mais oferta, resolvendo os problemas de desabastecimento e abatendo as pressões inflacionárias”, explica.

Correção de distorções

Antes mesmo dos anúncios, diz o analista, a reforma da lei de ilícitos cambiais, que agora permite a compra e venda de divisas pelo setor privado, já apontava nesta direção. “Essa decisão começa a corrigir as distorções que estavam sendo geradas pela prolongação de um regime cambial no qual coexistia um tipo de câmbio fixo, sobrevalorizado, e múltiples tipos de câmbio. Isso gerava um perverso incentivo à corrupção e à especulação”, diz.

De fato, um dos problemas identificados pelo governo venezuelano durante as intervenções em comércios foi a venda de produtos adquiridos com dólares vendidos pelo Estado a 6,30, a preços muito superiores, com base na divisa obtida no mercado paralelo, que na época superava este valor em mais de dez vezes.

Um dos exemplos da prática especulativa foi denunciado por Luís Mota Domínguez, intendente da Proteção dos Direitos Socioeconômicos da Venezuela, na última terça, durante inspeção de um frigorífico que vendia carne importada – produtos considerados prioritários, como alimentos e remédios recebem divisas ao valor preferencial de 6,30 – a preços mais altos.

Segundo Andreina Tarazón, superintendente nacional de Preços Justos, 441 inspeções foram realizadas desde a última terça, principalmente no setor alimentar, para a aplicação da Lei Orgânica de Preços Justos decretada por Maduro no ano passado e vigente desde o final de janeiro. Motta disse hoje que seis pessoas foram detidas por “especulação com carne e estafa”. Ontem o intendente tinha anunciado a detenção de outras cinco pessoas.

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