Embates

Mujica diz que EUA não aprendem ‘nada com a história’ e pede respeito à Venezuela

Presidente do Uruguai afirma que administração Obama desconhece que imposição de sanções serve para prejudicar os mais fracos e diz que venezuelanos devem resolver seus problemas sem ingerência externa

Miguel Gutiérrez/EFE

Opositores a Maduro realizaram novo protesto na noite de ontem. São 39 mortos desde 12 de fevereiro

São Paulo – O presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, cobrou ontem (31) que os Estados Unidos tenham respeito pela Venezuela e por toda a América Latina, e exortou o governo Barack Obama a abandonar a ideia de impor sanções ao governo de Nicolás Maduro, seja diretamente, seja por meio de organismos multilaterais, como o país fez no caso de Cuba cinco décadas atrás.

“Quando o mundo inteiro pede aos EUA para arquivarem sua política de bloqueio econômico de Cuba, surgem vozes desse governo ameaçando a Venezuela com sanções. Você não aprendeu nada com a história? Será que essa atitude serviu para resolver alguma coisa que não seja impor dificuldades aos mais fracos em diferentes sociedades?”

Mujica se referiu assim às recentes declarações do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que revelou que seu governo estudava a possibilidade de impor sanções a funcionários venezuelanos caso não ocorressem avanços nos diálogos entre governo e oposição, que se enfrentam há quase dois meses em incidentes que já deixaram 39 pessoas mortas. “A Venezuela e toda a América Latina precisam é ser respeitadas. Faremos nossa história, boa ou não, mas será nossa, e cada vez que isso não for compreendido será pior.”

Desde o início da atual crise entre governo e oposição, em 12 de fevereiro, os Estados Unidos trabalham pela imposição de constrangimentos internacionais ao chavismo. A primeira tentativa de imposição de uma missão internacional para avaliar o caso falhou na Organização dos Estados Americanos (OEA). O pedido apresentadou pelo Panamá recebeu apenas três votos – além da nação centro-americana, Estados Unidos e Canadá apoiaram a medida – e resultou em irritação na gestão Maduro, que expulsou os diplomatas panamenhos sediados em Caracas.

Em seguida, a administração Obama sofreu novo revés na OEA quando se tentou promover um depoimento da deputada opositora María Corina Machado, que tem sido uma das principais líderes das mobilizações contra o chavismo. A maioria dos países conseguiu garantir que a declaração dela fosse a portas fechadas – os diplomatas brasileiros informaram que não fazia sentido transformar em um “show” aquela sessão em Washington.

Ao comentar a situação venezuelana, Mujica rejeitou qualquer ingerência externa no caso venezuelano. “É o caminho aberto do voto, no fiel cumprimento constitucional, que deverá substituir a pedra e barricada como uma alternativa política. As nossas Constituições podem ter limitações, mas o respeito é um meio necessário”, disse. “Paz, tolerância, respeito e negociação são valores para serem lembrados e cultivados para integrar a Venezuela aos povos do Sul”.

Diálogo

No plano interno, o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) confirmou ontem que María Corina Machado perdeu seu mandato por aceitar a representação alternativa do Panamá na sessão da OEA. Os magistrados avaliaram que a medida tomada pela deputada é incompatível com as funções para as quais foi eleita.

A instância máxima da Justiça venezuelana acrescentou que essa função diplomática “não só é prejudicial para a função legislativa para a qual foi previamente eleito ou eleita, mas também é uma clara contradição com seus deveres como venezuelana” e “como deputada da Assembleia Nacional”.

Para emitir sua decisão, o tribunal analisou os artigos 191 e 197 da Constituição venezuelana, que determinam que os deputados “não poderão aceitar ou exercer cargos públicos sem a perda de seu mandato, salvo em atividades docentes, acadêmicas, acidentais ou assistenciais”, e estão obrigados a cumprir sua tarefa com “dedicação exclusiva”. Além disso, o artigo 149 estabelece que “os funcionários públicos não poderão aceitar cargos, honras ou recompensas de governos estrangeiros sem a autorização da Assembleia Nacional”.

Segundo a OEA, o Panamá iniciou os trâmites para credenciar María Corina como sua representante alternativa no dia 20 de março para que ela falasse em uma sessão da entidade interamericana no dia 21, “mas administrativamente não a finalizou”, pois a missão panamenha “cancelou a solicitação” na última segunda-feira.

Após a decisão do Supremo, María Corina afirmou através do Twitter que é deputada e assume sua responsabilidade de ser a voz dos venezuelanos dentro e fora da Assembleia Nacional. “Não conseguirão nos silenciar”, afirmou a legisladora.

Também ontem, o governador de Lara, o opositor Henri Falcon, considerou necessário iniciar nesta semana um diálogo “sincero” para buscar soluções para a crise vivida na Venezuela e pôr fim à onda de violência que já tirou 39 vidas. O político falou tanto do governo de Nicolás Maduro como da aliança opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), da qual faz parte seu partido Avançada Progressista, a se sentar “o mais rápido possível” a uma mesa de negociação.

“Vamos seguir inertes” e permitir que uma minoria violenta siga tomando as ruas da Venezuela, gerando tristeza e dor”?, se perguntou em entrevista coletiva. “Já basta de tanta violência, de repressão, de posturas radicais. É hora de se sentar à mesa para dizer nossas verdades e sermos criticados, mas também (para) consertar. Essa é a aspiração da maioria dos venezuelanos”, asseverou.

O chanceler venezuelano, Elías Jaua, também reiterou a necessidade de dialogar com a oposição e pôr o fim àquilo que considera uma ameaça de uma guerra civil com a qual sonha uma minoria fiel a um setor conservador dos Estados Unidos. Jaua disse que o governo está à espera da “passagem da oposição” aglutinada na MUD para conversar com o presidente, mas ressaltou que para isso não deve haver condições.

Apesar de reconhecer que o desejo de paz é majoritário na MUD, o chanceler afirmou que faltou “coragem” para tomar distância de setores radicais que propõem a luta armada como forma de ação política.

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