Balanço

Venezuela completa um ano sem Chávez com protestos e desafios na economia

Inflação e escassez de produtos são principais problemas enfrentados pela administração de Nicolás Maduro

Santi Donaire/EFE

Sem Chávez, o governo tem de conseguir reverter dificuldades na economia que podem custar caro

Caracas – Mais do que lidar com a morte de Hugo Chávez, em 5 de março de 2013, a Venezuela enfrentou neste um ano de falecimento do presidente um acúmulo de problemas na economia, um foco de reclamação de parte da população. À frente do governo, Nicolás Maduro – eleito em 14 de abril do ano passado – procurou aplicar uma série de medidas econômicas para principalmente fortalecer o país, corrigir e equilibrar as contas, além de combater o que ele chama – assim como o próprio Chávez chamava – de “guerra econômica”.

Além das complicações, Maduro herdou o peso de governar um país com as maiores reservas de petróleo do mundo. Um tesouro que ao mesmo tempo em que significa uma confiável fonte de ingressos por mais de 100 anos, promove uma espécie de “vício”, refletido num padrão de consumo irreal e no ainda insuficiente desenvolvimento da indústria nacional. Tudo a um ritmo que a produção da indústria petroleira não consegue acompanhar.

A Venezuela ainda depende muito da importação para alimentar o consumo interno, porém, com uma moeda nacional desvalorizada frente ao dólar, o resultado final acabam sendo preços mais altos no mercado. À essa equação se acrescenta o que, de acordo com Maduro, é um dos principais combustíveis dessa “guerra”: a especulação. Tanto que ele chegou a dizer no final do ano passado que, “se não houvesse essa bolha especulativa induzida e ativada pela guerra econômica, a inflação seria negativa”.

A especulação funcionaria da seguinte forma: com os dólares preferenciais colocados à disposição pelo governo, alguns importadores, em vez de venderem no país a totalidade dos produtos que poderiam ser comprados, com uma margem de lucro justa, adquirem somente parte do carregamento. Com o resto do dinheiro, usam em atividades especulativas. E os itens comprados, como são insuficientes para a demanda, têm o valor aumentado. Pior: alguns empresários simplesmente retêm a mercadoria, de acordo com o governo, com o intuito de provocar desabastecimento. Daí então as filas quilométricas e a escassez.

Outra consequência é o dólar paralelo. Hoje calculado em até 90 bolívares – o oficial é 6,30 e Maduro prometeu manter a essa taxa todo o ano de 2014 –, o chamado “dólar negro” contribui para provocar imensas distorções na economia.  Segundo dados do Banco Central da Venezuela, 2013 fechou com a inflação mais alta dos últimos 20 anos: em 56,2%. Os indicadores de escassez e desabastecimento bateram recordes, enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) ficou em1,6% – as metas iniciais eram entre 4% e 5%.

Lei de Preços Justos e Sicads

Medidas recentemente anunciadas pelo governo têm a tarefa de reverte esse cenário. Uma é a Lei de Preços Justos, que estabeleceu um teto de 30% para o lucro de empresários. Segundo Maduro, a intenção é criar “um equilíbrio necessário entre o custo de produção, de importação, o lucro máximo de 30% e o preço justo dos produtos, para que a economia vá ganhando a equidade que precisa”. O presidente explicou que os produtos importados que tenham sido adquiridos com dólares preferenciais serão comercializados com uma etiqueta, para evitar focos de especulação.

Ainda em janeiro, um novo sistema cambial de bandas foi anunciado. Nele, setores considerados prioritários pelo governo, como o de alimentos, seguem com o dólar no valor oficial de 6,30 bolívares. Já outros setores passarão a ser atendidos de acordo com uma taxa estabelecida pelo Sistema Complementar de Administração de Divisas (Sicad), cuja variação será informada periodicamente.

O Sicad é um sistema oficial de leilão de divisas para pessoas naturais e jurídicas, no qual a moeda norte-americana estava é vendida por cerca de 12 bolívares – uma situação que demonstra que o governo acabou tomando como oficial uma tendência puxada pela moeda norte-americana no mercado negro.

Em meio à crise desatada com uma onda de violência iniciada em 12 de fevereiro, após uma marcha opositora terminar com um saldo de três mortos e dezenas de feridos, Caracas apresentou o Sicad II.

A nova medida consiste em autorizar a compra, via agentes bancários, de títulos da dívida venezuelana no exterior, cotada em dólares – o conhecido “dólar permuta”. No sistema, após o pagamento de uma comissão ao operador, o comprador pode receber o dinheiro em sua conta no exterior ou manter, se preferir, a posse dos títulos, apostando em sua valorização.

As principais diferenças para o Sicad I, é que a nova cotação realizará atividades diárias e sem limites de transação, abrindo uma brecha para a aquisição da moeda norte-americana. De fato, o Sicad II reconhece que, quando não há dólares suficientes, as prateleiras esvaziam.

Protestos

Entre as principais reclamações dos manifestantes durante os protestos que começaram na segunda semana de fevereiro, estavam a inflação e a escassez de produtos. De fato, é bastante difícil encontrar itens como farinha de milho pré-cozida, açúcar, óleo e papel higiênico nas prateleiras dos mercados da capital venezuelana. Se a oposição culpa o governo por incompetência, chavistas acusam alguns estabelecimentos de fazer especulação.

Foi o que aconteceu durante uma visita ao bairro do 23 de Janeiro, no oeste de Caracas, onde havia fila para entrar no mercado. Opera Mundi conversava com clientes do lado de fora, ao lado da Avenida Sucre, quando alguns, irritados, começaram a gritar: “São uns especuladores! Não têm vergonha de enganar o povo!”. Nervosos, os donos do mercado fecharam as portas.

María Castillo, de 55 anos, contou que estava esperando há 30 minutos para comprar alguns produtos. “Eu sei que isso não é culpa do governo, porque conheço essas pessoas aí, têm muita gente sem caráter. Eles ‘acaparan’ [retêm] para especular com o dinheiro do pobre. Se pudesse mandava fechar esse lugar”, afirmou.

E os protestos, que haviam começado com uma série de reivindicações de cunho econômico, as quais Maduro prometeu combater, inclusive com a criação de uma comissão da verdade – sugerida pelo empresário Lorenzo Mendoza –, acabaram virando focos de violência.

Com isso, perderam bastante apoio popular. De acordo com um estudo da consultoria International Consulting Services, 85,4% dos entrevistados se mostrou contra a continuação das ações violentas. Outra pesquisa, da consultoria Hinterlaces, disse que 83% está em desacordo com as barricadas.

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