Sobre conflito na Crimeia, Putin diz que EUA e aliados preferem ‘lei da pistola’

Presidente russo contextualiza história recente e aponta contradições na atuação dos EUA e Otan em crises internacionais; sanções acirram disputa

Sergei Chirikov/Pool/efe

Putin: “Parceiros ocidentais passaram a acreditar que podem decidir o destino do mundo”

São Paulo – Em discurso realizado em Moscou na terça-feira (18), o presidente russo Vladimir Putin foi contundente em relação à postura dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no conflito envolvendo Ucrânia e Crimeia.

Dirigido ao Conselho Federal da Rússia, líderes regionais e representantes da sociedade civil, o pronunciamento reforçou que o referendo votado na Crimeia no domingo (16), com objetivo de anexar a região à Rússia e que registrou 96% de aprovação popular pela anexação, ocorreu de acordo com os procedimentos democráticos e a lei internacional.

Putin destacou que a Crimeia – região ucraniana de maioria russa – “sempre foi e sempre será parte da Rússia”. Depois da fala, houve a  apresentação de uma lei que permite a anexação da Crimeia ao território russo.

Sobre o papel dos EUA na crise, Putin não poupou críticas. Baseado em uma contextualização histórica, o governante russo mencionou as contradições no modo estadunidense de atuação em conflitos internacionais. “A situação na Ucrânia reflete o que está acontecendo e o que aconteceu no mundo nas últimas décadas. Após a dissolução da bipolaridade do planeta, não temos mais estabilidade. As principais instituições internacionais não estão se fortalecendo. Infelizmente, estão degenerando. Nossos parceiros ocidentais, liderados pelos Estados Unidos da América, preferem não ser guiados pela legislação internacional, mas pela lei da pistola. Passaram a acreditar em sua exclusividade e excepcionalidade, de que podem decidir o destino do mundo”, afirmou.

O presidente comentou que se as unidades de autodefesa locais da Crimeia não tivessem controlado a situação, poderia ter havido mortes, algo que comparou com outros conflitos internacionais. “Não houve sequer um confronto armado na Crimeia e nenhuma morte. Por que vocês acham que isso se deu dessa forma? A resposta é simples: porque é muito difícil, praticamente impossível, lutar contra a vontade do povo. Eles (os EUA) ficam falando de alguma intervenção russa na Crimeia. Isso soa estranho aos meus ouvidos. Não consigo me lembrar de um único caso na história de uma intervenção sem que pelo menos um tiro fosse disparado e sem mortes”, disse.

Outra referência clara aos Estados Unidos foi sustentada em uma análise da história recente de conflitos internacionais e na recordação de situações como a da antiga Iugoslávia. “Lembramos de 1999 muito bem. Foi difícil acreditar, mesmo vendo com meus próprios olhos, que em pleno final do século 20, uma das capitais da Europa, Belgrado, ficou sob o ataque de mísseis durante semanas e então se iniciou a intervenção real. Havia uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre isso, permitindo essas ações? Nada disso”, enfatizou, recordando ainda que os EUA atacaram o Afeganistão, o Iraque e novamente violaram abertamente uma resolução do Conselho de Segurança na Líbia, quando, em vez de impor a chamada zona de exclusão aérea na região, passaram a bombardeá-la.

“Houve toda uma série de revoluções controladas por ‘cor’. Claramente, as pessoas, nesses países, onde esses eventos aconteceram, estavam fartas de tirania e pobreza, da falta de perspectivas, mas houve quem, cinicamente, tirasse proveito desses sentimentos. Foram impostos padrões para esses países que, de nenhuma forma, correspondem ao modo de vida, às tradições ou culturas desses povos. Como resultado, em vez de democracia e liberdade, houve caos, surtos de violência e uma série de levantes. A Primavera Árabe se transformou no Inverno Árabe”, prosseguiu.

O pronunciamento foi encerrado com um pedido de apoio para a criação de duas novas entidades federativas na Rússia. “Cidadãos da Rússia, habitantes da Crimeia, hoje, de acordo com a vontade do povo, envio à Assembleia Federal uma solicitação para que considerem uma lei constitucional para a criação de duas novas entidades constituintes na federação russa: a República da Crimeia e a cidade de Sevastopol, e ratificação do tratado sobre a admissão à federação russa da Crimeia e de Sevastopol, que está pronta para ser assinada. Certo de vosso apoio”.

Sanções de parte à parte

O governo da Rússia anunciou hoje (20) sanções contra os Estados Unidos em retaliação às medidas impostas pelo governo Obama e pela União Europeia a integrantes do governo russo que participaram do processo de incorporação da Crimeia à Rússia. Os EUA e a UE não aceitam a forma como a anexação ocorreu, após um referendo realizado no domingo e a incorporação assinada por Vladimir Putin na terça. “Ante cada ato hostil, responderemos de modo adequado”, indicou o Ministério das Relações Exteriores russo em um comunicado.

As sanções da Rússsia incluem nove pessoas, que são integrantes oficiais do governo e parlamentares norte-americanos. Entre os nomes na lista, segundo o governo russo, estão o de Ben Rhodes, que é assistente de Obama e integra a cúpula de Segurança Nacional, e dos senadores John McCain, Harry Rei e John Boehner, que estariam impedidos de entrar em território russo.

Barack Obama anunciou, mais cedo, sanções contra funcionários e um banco da Rússia e ameaçou a economia russa. “A Rússia deve saber que uma maior escalada só a isolará mais da comunidade internacional”, declarou, garantindo o apoio dos Estados Unidos aos países da Otan.

Na Ucrânia, discordância

O Parlamento ucraniano aprovou hoje uma resolução na qual declara que a Crimeia continua sendo parte da Ucrânia e que o país deve lutar até o fim pela região. “Em nome do povo ucraniano, a Rada (Parlamento) declara que a Crimeia foi, é e será parte da Ucrânia. O povo ucraniano nunca e em qualquer circunstância cessará a luta para libertar a Crimeia dos ocupantes, por mais dura e prolongada que esta seja.”

Proposta pelo presidente interino na Ucrânia, Oleksander Turchynov, a resolução foi aprovada com votos favoráveis de 274 deputados, entre os 303 que estavam presentes no plenário do Parlamento. Os parlamentares também apelaram para que todos os membros da comunidade internacional não reconheçam a anexação da Crimeia à Rússia, considerada ilegal, além dos Estados Unidos, por União Europeia e Japão.

Com informações da Agência Brasil e G1