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Maduro comemora declaração da OEA: ‘Acabou o tempo da intervenção ianque’

Presidente afirma que rejeição de documento contra Venezuela escreve nova história no antigo 'Ministério das Colônias'. Contra inflação, governo lança cartão eletrônico para coibir especulação

Santi Donaire/EFE

Pelo Dia Internacional da Mulher, chavistas foram até Miraflores dar apoio ao presidente

São Paulo – O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, comemorou publicamente a declaração da Organização dos Estados Americanos (OEA) cobrando respeito à democracia e à soberania do país frente a qualquer ingerência externa. Ao discursar ontem (8) durante uma série de atos pelo Dia Internacional da Mulher, ele avaliou o documento aprovado na véspera como um sinal de novos tempos no organismo regional.

“Acabou-se o tempo do intervencionismo ianque na América Latina, das ditaduras, dos golpes de Estado. Acabou-se o tempo do domínio da oligarquia sobre os nossos povos”, disse Maduro. “Isso faz uma nova história na OEA. Graças à força de lealdade que se levantou na América Latina, acabou o tempo em que a OEA purificava as ingerências. Acabou o tempo do Ministério das Colônias.”

Na sexta-feira, por 29 votos a três, os países-membros da OEA rejeitaram a possibilidade de enviar observadores internacionais para relatar a crise aberta por atos violentos iniciados no último dia 12 de fevereiro, com 20 mortes confirmadas até agora. A reunião havia sido solicitada pelo Panamá, que anseava convocar um encontro de chanceleres para emitir uma declaração contrária ao governo de Nicolás Maduro. Essa postura foi avaliada pelo chavismo como uma ingerência, e resultou na expulsão dos diplomatas panamenhos sediados em Caracas. “Pretendeu agredir a Venezuela, veio com lã e saiu tosquiado”, ironizou o presidente, que afirmou ainda que seu país tem respaldo global.

No texto, o Conselho Permanente da OEA expressou seu “reconhecimento, o apoio pleno e o incentivo às iniciativas e aos esforços do governo democraticamente eleito da Venezuela e de todos os setores políticos, econômicos e sociais para que continuem avançando no processo de diálogo nacional, para a reconciliação política e social”.

Esse diálogo deve ser realizado “com pleno respeito às garantias constitucionais de todos e por todos os atores democráticos”, acrescentou o texto, mostrando a “mais enérgica rejeição a toda forma de violência e intolerância”, com um pedido de paz, tranquilidade e respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais – incluindo os direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica, circulação, saúde e educação – a todos os setores”.

Ontem, Maduro fez um novo chamado ao diálogo por meio da Conferência Nacional de Paz instalada por ele no final de fevereiro. O presidente pediu que o movimento estudantil de oposição, que se apresenta como responsável por dar início às manifestações contra o chavismo, compareça ao Palácio de Miraflores para negociar, deixando de lado a estratégia da promoção de atos violentos.

Maduro fez um novo pedido para que opositores aceitem dialogar, mesmo que a portas fechadasEle adiantou que fará na próxima quarta-feira o anúncio de um novo plano de desenvolvimento da educação universitária. “Há muitos temas para discutir e estamos abertos a escutar, a aprender, a retificar o que se tenha de retificar e a trabalhar juntos para fortalecer a educação pública, gratuita e de qualidade.”

Maduro pediu também que atenda ao pedido de diálogo a Mesa de Unidade Democrática (MUD), que reúne os principais setores da oposição. A MUD tem convocado atos país afora e alguns de seus setores defendem abertamente a derrubada de Maduro, que tem mandato até fevereiro de 2019 e que em 2016 deve ser submetido a um referendo revogatório. “Se vocês querem, fazemos uma sessão a porta fechada para nos dizermos umas verdades e depois saímos e falamos juntos ao país.”

Integrantes da MUD, porém, disseram ontem que foram impedidos de realizar uma marcha em Caracas. Eles informaram que algumas ruas da capital e três estações de metrô amanheceram fechadas pela Guarda Nacional Bolivariana, impedindo a reunião de manifestantes para uma marcha que pretendia chegar até o Ministério de Alimentação para protestar contra o desabastecimento de produtos básicos.

“Todo este esquema militar demonstra o enorme medo de Nicolás e seu governo frente ao protesto com conteúdo, contra os graves problemas que hoje vivem os venezuelanos”, disse o líder opositor Henrique Capriles, que chegou a ir durante uns minutos à concentração para acompanhar as manifestantes. “Aposto que esse governo tem até as esposas dos militares com as panelas vazias. Em vez de escutar os venezuelanos, enviam aos funcionários e a grupos paramilitares armados, por eles mesmos, para dissolver as manifestações.”

O desabastecimento é, de fato, um dos grandes problemas enfrentados por Maduro, que assumiu o governo depois de ter sido eleito, em abril do ano passado, em eleições convocadas após a morte de Hugo Chávez, morto em 5 de março de 2013. A economia como um todo enfrenta problemas e o país entrou em um ciclo negativo em que uma falha puxa a outra.

Com menos dólares disponíveis, o governo impôs no ano passado um novo sistema cambial que busca garantir uma saída menor de divisas, importante para segurar os preços no mercado interno, já que a Venezuela, com uma economia baseada na extração petrolífera, tem um parque industrial relativamente pequeno e se vê forçada a importar itens básicos. O problema é que isso ajudou a criar um mercado paralelo que tem alguns efeitos negativos. Em primeiro lugar, a cotação extraoficial, bastante elevada, acaba forçando ainda mais a inflação. Depois, facilita-se a ação de especuladores internacionais, interessados ou não em desestabilizar Maduro.

Além disso, é provável que muitos importadores estejam se valendo destes mecanismos cambiais para aumentar seus lucros. Tome-se como exemplo um empresário que trabalha com travesseiros. Com uma autorização para importar US$ 100, ele poderia comprar 10 unidades e revendê-las no mercado local com a margem de lucro permitida, de 30%. Ele, porém, é muito vivo, e sabe que pode adquirir cinco unidades e com os US$ 50 restantes ganhar em atividades especulativas, onde a margem de ganho pode facilmente passar de 100%. De quebra, vão faltar travesseiros no mercado local, e ele pode cobrar mais por aqueles cinco, aumentando sua margem de lucro e… a inflação.

Contra isso, o governo começou no ano passado a punir empresários que pratiquem margens de lucro consideradas abusivas, e vem denunciando que vários deles escondem alimentos na tentativa de criar insatisfações populares que culminem na queda de Maduro. Foi lançada também a Lei Orgânica de Preços Justos, que pune com até dez anos de prisão e multa equivalente a US$ 450 mil quem desrespeita os valores fixados pela Superintendência Nacional para a Defesa dos Direitos Socioeconômicos.

Para somar-se a essas medidas, Maduro anunciou ontem o lançamento de um novo cartão eletrônico para uso nos supermercados estatais que garantam o abastecimento, de modo a garantir “a satisfação das necessidades de toda a família venezuelana que trabalha e acabar com especuladores contrabandistas”.

Ele afirmou que este cartão vai garantir uma estabilização nos preços já nas próximas semanas. “Vamos criar um sistema superior, vamos organizá-lo ainda mais para que não se aproveitem de nossos sistema contrabandistas, especuladores que vão ao Mercal, ao Pdval, levam toda a loja e, quando chega a família venezuelana, temos problemas”, disse.