segundo mandato

Bachelet ‘herda’ Chile que cresce menos, mas com pleno emprego

Em comparação com seu primeiro mandato (2006-2010), Bachelet dispõe agora de um respaldo político muito mais amplo. Ministro afirma que é preciso trabalhar para recuperar tempo perdido por Piñera

Mario Ruiz/efe

Principal promessa eleitoral de Michelle Bachelet foi “terminar com a desigualdade”

Santiago – Uma economia que crescerá cerca de 4%, um nível de investimento enfraquecido e um baixo índice de desemprego é a herança que Michelle Bachelet receberá de seu antecessor Sebastián Piñera, que destacou como seu maior legado os bons números econômicos de quase todo o seu mandato na presidência do Chile.

Com preocupação, a equipe econômica de Bachelet, que assumirá amanhã (11), revisou as contas públicas e os indicadores-chave para constatar o que ficou evidente há meses: o Chile está desacelerando, e o panorama não é dos melhores.

O crescimento da economia, de apenas 1,4% em janeiro, abaixo das expectativas do mercado e o menor desde março de 2010, confirma a desaceleração da atividade econômica, comentou Alberto Arenas, futuro chefe de Finanças do novo governo de Bachelet. “O novo governo recebe uma herança de uma economia desacelerada, de um crescimento baixo, os números indicam”, alegou Arenas. “É preciso retomar desde o primeiro dia o tempo perdido. Dissemos em campanha com muita seriedade: Nós temos experiência e vamos governar desde o primeiro dia, 11 de março, para recuperar o tempo perdido em produtividade, inovação e energia.”

A visão do futuro ministro da Fazenda é compartilhada por economistas que olham com olho crítico as conquistas econômicas do governo Piñera.

Embora durante seus quatro anos de mandato o país tenha alcançado um crescimento médio de 5,3% – um dos mais altos da América Latina no período – e o índice de desemprego tenha ficado abaixo de 6%, o mérito não se atribui diretamente à gestão do governo.

O economista Alejandro Fernández, da empresa de consultoria privada Gemines, opinou que a expansão registrada, sobretudo durante os primeiros anos do governo Piñera, não é sustentável.

De fato, um dos aspectos que mais inquieta os analistas é a sequência de queda da taxa de investimento nos últimos 12 meses, com uma forte incidência em mineração e energia, que a levou a 24% do Produto Interno Bruto (PIB), o mesmo nível de 2008. E algo similar ocorre com a produtividade. “No curto prazo, o crescimento médio de 5,3% é um muito bom desempenho histórico se comparado com o resto da região”, argumentou o economista Felipe Jiménez, da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Por enquanto, um dos indicadores que vêm se mantendo mais firme é o consumo, estimulado por uma sólida demanda interna. Mas a demanda externa, a dos bens exportáveis, como o cobre, principal fonte de financiamento do fisco, apresenta uma situação complexa.

“A queda no preço da matérias-primas, como o cobre, já está tendo seu impacto, da mesma forma que a retirada dos estímulos monetários do Federal Reserve sobre a economia dos Estados Unidos, que reduzirá o investimento rumo aos países emergentes como o Chile”, disse um analista financeiro.

Por isso, a equipe econômica de Bachelet faz contas para saber com que recursos reais contará para poder cumprir seu prometido plano de reformas e as altas expectativas que criou na população, especialmente em educação, onde prometeu gratuidade em todos os níveis.

Um dos aspectos questionados é a estimativa de crescimento da economia de 4,9% para 2014, quando realmente o grosso dos analistas calcula uma expansão muito ajustada ou inferior a 4%. Para garantir a disposição de recursos fiscais, Bachelet projeta uma reforma tributária que eleve o imposto às empresas de 20% a 25%, e apesar da oposição do empresariado, o plano estará no congresso nos primeiros 100 dias do governo.

Maioria parlamentar

Além de sua proximidade com o povo, a também ex-diretora da ONU Mulheres conta a seu favor com uma cômoda maioria parlamentar em ambas as câmaras e com a experiência de já ter lidado com conflitos sociais anteriormente, como a revolta estudantil e os protestos pela implementação do sistema de transportes da capital.

Em comparação com seu primeiro mandato (2006-2010), Bachelet dispõe agora de um respaldo político muito mais amplo, a Nova Maioria, uma aliança de partidos de centro e esquerda na qual convivem formações com abordagens ideológicas muito distantes, como a Democracia Cristã e o Partido Comunista.

Pela primeira vez na história moderna do país, o Chile tem um governo disposto a introduzir mudanças substanciais no modelo neoliberal iniciado pelo regime militar (1973-1990) e que se assentou durante as administrações da Concertação (1990-2010) e de Sebastián Piñera (2010-2014).

A principal promessa eleitoral de Michelle Bachelet foi “terminar com a desigualdade” em uma sociedade que vive um crescimento sólido e uma invejável estabilidade, mas, por outro lado, com enormes brechas na distribuição de renda.

A Nova Maioria tem votos suficientes para aprovar iniciativas legislativas e cumprir com seus compromissos eleitorais, incluindo um aumento dos impostos às empresas, a educação universal gratuita e uma consistente melhora no sistema previdência e nos serviços públicos de saúde.

No entanto, para aprovar uma nova Constituição, Bachelet necessita do apoio da oposição direitista, muito dizimada e dividida após seu fracasso nas últimas eleições presidenciais e parlamentares.

A folgada representação parlamentar não significa, no entanto, que tudo o que for proposto será aprovado, dado a heterogeneidade política dos partidos que integram a Nova Maioria e a necessidade de alcançar os acordos internos primeiro, especifica Jorge Rodríguez, economista de Corporação de Estudos para América Latina.

Se o ritmo de expansão da economia chilena se desacelerar consideravelmente, o segundo mandato de Michelle Bachelet não terá clima de lua-de-mel. Os protestos sociais detonados em 2011 com as reivindicações estudantis se estenderam por todo o tecido social.

O principal desafio que Bachelet tem pela frente é saber como lidar com os novos movimentos sociais que ganharam voz nestes quatro anos, desde os estudantes até os ecologistas, passando pelos cidadãos de regiões isoladas.

As altas expectativas de melhoras econômicas e sociais para os setores mais desfavorecidos geradas com seu triunfo eleitoral poderiam ser traduzidas em uma maior expansão fiscal e uma redução do déficit das contas públicas, adverte o economista Alejandro Micco, próximo à equipe da governante.

Em matéria de relações exteriores, Bachelet terá de enfrentar o processo interposta pela Bolívia perante a Corte Internacional de Justiça de Haia, no qual as autoridades bolivianas exigem que o Chile negocie uma saída soberana ao mar.

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