Geopolítica

Eleições marcadas para 2014 na América Latina não devem mudar conjuntura da região

Sete países escolherão seus presidentes. Pesquisas de opinião indicam que continuísmo deve prevalecer. Bom desempenho e oposição fragilizada sustentam previsões

EFE/STR

Primeiro presidente de esquerda de El Salvador, Funes tentará eleger seu sucessor, Sánchez Cerén

São Paulo – Além do Brasil, outros seis países da América Latina passarão por eleições presidenciais em 2014: Costa Rica e El Salvador, em fevereiro, Panamá e Colômbia, em maio, e Bolívia e Uruguai, em outubro. Quatro deles são governados por partidos da chamada “esquerda” latino-americana. Os demais, com destaque para os colombianos, com o maior exército e a terceira maior economia do continente, estão mais alinhados aos Estados Unidos e caminham para eleger candidatos conservadores. Os resultados das urnas poderão mudar seriamente o contexto geopolítico da região. Mas só se houver surpresas, porque a tendência é que tudo permaneça como está.

“Os atuais governos têm tido bom desempenho e obtido êxito social, com índices de popularidade alta”, pontua Tullo Vigevani, especialista do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint), ligado ao Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). “Cada país tem razões diferentes para optar pelo continuísmo. Na maioria dos casos, isso se deve à inexistência de uma oposição consistente. Por isso, no essencial, os pleitos deste ano não terão capacidade de mudar a conjuntura, embora haja muitas interrogações.”

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País mais importante do continente, o Brasil deverá assistir a um dos pleitos mais acirrados desde a redemocratização. A favorita na peleja é a presidenta Dilma Rousseff, do PT, partido que ocupa o Palácio do Planalto há onze anos. As jornadas de junho desgastaram sua administração, mas pesquisa realizada pelo Ibope em dezembro, seis meses após os protestos, indica que a sucessora de Lula tem 56% de aprovação popular – e seu governo, 43%. Seus adversários mais competitivos serão Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), caso o pernambucano consiga se sobrepor às ambições da ex-ministra Marina Silva, recém incorporada à sigla. Em novembro, levantamento conjunto da Globo com o jornal O Estado de S. Paulo revelou que Dilma venceria as eleições já no primeiro turno – algo que não acontece no Brasil desde 1998, quando da reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A Colômbia também deve reeleger sem dificuldades seu presidente, Juan Manuel Santos, do Partido Social de Unidade Nacional, também conhecido como Partido de la U. Num país em guerra civil há 50 anos, Santos ascendeu politicamente como ministro de Defesa durante a gestão do presidente Álvaro Uribe, quem esteve à frente do Palácio de Nariño entre 2002 e 2010. Nesse período, Uribe estabeleceu uma política de tolerância zero às guerrilhas que disputam com Bogotá o controle do país: as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN). Festejado pela opinião pública, Uribe tentaria mudar a Constituição para concorrer a um terceiro mandato, mas acabou sendo impedido pela suprema corte colombiana. Então, apoiou o nome de Santos, cabeça visível de uma política aprovada pela maioria dos cidadãos.

Ataques do exército que resultaram no assassinato de alguns cabeças das Farc, como Manuel Marulanda e Raúl Reyes, em 2008, Mono Jojoy, em 2010, e Alfonso Cano, em 2011, ajudaram a construir sua popularidade. No entanto, a maior conquista do presidente é o restabelecimento das negociações de paz com a guerrilha. Depois de dez anos de silêncio, o diálogo recomeçou em Havana, Cuba, em novembro de 2012. Desde então, governo e rebeldes chegaram a acordos sobre política agrária e participação política dos guerrilheiros após o desarmamento. As conversas já foram retomadas em 2014, agora com foco no tráfico de drogas, uma das maiores fontes de recursos das Farc. Ao longo do ano, ainda se discutirão temas como desmobilização dos sublevados e reparação das vítimas do conflito. No final, os cidadãos decidirão, em referendo, se aceitam ou não os termos do tratado. Na última segunda-feira (13), Santos se declarou “otimista” com o avanço das negociações e sugeriu a possibilidade de que as conversas com as Farc se concluam nos próximos meses.

Assim como ocorre em praticamente todos os países latino-americanos, os indicadores econômicos também ajudarão Santos em sua campanha de reeleição. Entre 2010 e 2013, o PIB colombiano cresceu 4%, 6,6%, 4,2% e 4%. A taxa de desemprego é de 8,5%, quase quatro pontos percentuais a menos que no começo do mandato. Os números têm lhe rendido bons resultados nas pesquisas. Em dezembro, levantamento do instituto Gallup revelou que o presidente possui 36% da preferência popular, frente aos 14% de seu principal adversário, Óscar Zuluaga, que foi ministro da Fazenda e Crédito Público no governo de Álvaro Uribe. Zuluaga, porém, manteve sua lealdade ao ex-presidente, enquanto Santos rompeu com Uribe pouco tempo depois de vencer as eleições. E concorre ao Palácio de Nariño pelo partido Uribe Centro Democrático, formado por dissidentes do Partido de la U. Os colombianos vão às urnas em 25 de maio.

O continuísmo também deve pautar as eleições uruguaias. Administrada por José Mujica desde 2010, a pequena República Oriental de apenas 3,5 milhões de habitantes escolherá seu novo governante em 26 de outubro. Apesar de toda sua popularidade, o ex-tupamaro de 79 anos, celebrado como “presidente mais pobre do mundo”, não poderá se reeleger. A legislação do Uruguai não permite que um mandatário cumpra dois mandatos consecutivos, mas deixa que ex-presidentes se candidatem novamente depois de quatro anos fora do cargo. Por isso, a sigla de Mujica, uma coalizão de partidos de esquerda conhecida como Frente Ampla, tentará manter-se no poder lançando um velho conhecido dos uruguaios, Tabaré Vázquez, quem já ocupou a Presidência entre 2005 e 2010. Foi o primeiro esquerdista a fazê-lo desde a redemocratização do país.

Aos olhos do eleitorado, Vázquez pode não parecer tão progressista quanto Mujica. Médico, o ex-presidente não se entusiasmou com algumas das principais medidas impulsionadas por seu sucessor, como a legalização do aborto e da maconha, que, somadas à legalização do casamento homossexual, colocaram o país na vanguarda das liberdades individuais na América Latina. Com o ex-guerrilheiro, o Uruguai foi o primeiro da região a regulamentar o uso da cannabis – e o fez de uma maneira inédita no mundo: estatizando toda a cadeia produtiva da planta, desde o cultivo à comercialização. A ideia é “quebrar” o tráfico pela via econômica, colocando à disposição um produto mais barato e de melhor qualidade do que o oferecido pelo crime organizado, e com segurança aos usuários. Após quase dois anos de debate público, o projeto foi aprovado em dezembro pelo Congresso e sancionado pela Presidência.

A economia também ajuda o governo em sua campanha pela reeleição. Nos últimos dez anos, o desemprego no Uruguai foi reduzido de 17% para 6%, enquanto as exportações subiram de US$ 3 bilhões para US$ 13 bilhões ao ano. A pobreza caiu de 38% para 13%. Há certa inquietação no país pelo crescimento dos índices de violência e por escândalos envolvendo quadros do partido na falência da estatal aérea Pluna. Ainda assim, pesquisa realizada pelo instituto Factum em 27 de dezembro mostra que o candidato da Frente Ampla possui 41% da preferência eleitoral. Levantamento da empresa Equipos Mori, publicado dez dias antes, apontou vitória da situação com 44% dos votos. Atrás aparecem os conservadores Partido Nacional, com 25%, e Partido Colorado, com 14%.

Com eleições marcadas para 5 de outubro, também os bolivianos devem reeleger o presidente Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), primeiro indígena a ocupar o Palácio Quemado. Morales ascendeu ao poder em 2006, na esteira de um processo de mobilização popular que derrubara dois presidentes: Gonzalo Sánchez de Losada, em 2003, e Carlos Mesa, em 2005. Ao vencer as eleições, tardou apenas quatro meses para nacionalizar a produção de gás e petróleo, alçando instantaneamente sua popularidade entre os bolivianos e causando a ira das elites sul-americanas, sobretudo da brasileira. Em 2009, atendendo a reivindicações históricas dos movimentos sociais e indígenas, impulsionou a aprovação de uma nova Constituição, referendada por 90% da população. A partir de então, as leis bolivianas passariam a reconhecer a plurinacionalidade do país.

Evo Morales, eleito pela primeira vez em 2006, compete por seu último mandato na BolíviaNo mesmo ano, Morales seria eleito novamente, agora segundo as regras do novo ordenamento jurídico da Bolívia. Seu primeiro mandato, portanto, teve uma duração menor do que estava estipulado na Constituição anterior. Por isso, agora, o líder aimará tem direito à reeleição – única e última. A depender das pesquisas, deve garantir mais quatro anos no poder. As sondagens mais recentes, realizadas em novembro, dão mais de 30% das intenções de voto ao candidato do MAS, que forma chapa com o vice Álvaro García Linera. Em 2005, Morales recebeu 54% de apoio popular e, em 2009, 64%. Em declarações públicas, o presidente afirmou que desta vez pretende obter 74% dos votos. Seus adversários aparecem bem atrás: Ruben Costas, governador de Santa Cruz, tem 13%, Samuel Medina, empresário do ramo industrial, 9%, e Juan del Granado, ex-prefeito de La Paz, 6%.

Sob a égide de Morales, a Bolívia deixou de ser o país mais pobre da América do Sul, passando o infame bastão ao Paraguai. Entre 2005 e 2013, seu PIB triplicou. Passou de US$ 9,547 bilhões para US$ 28,704 bilhões, um recorde histórico. De acordo com dados do Ministério de Economia e Finanças, o desemprego urbano no país é o mais baixo da região: 3,2%. As estatísticas gerais colocam o nível de desocupação em 8%. Morales também deu início a programas de transferência de renda que ajudaram a reduzir os índices de pobreza. Entre 2001 e 2012, a miséria caiu 17%, o que significa que 860 mil bolivianos deixaram de passar fome. Isso não impediu que o governo do MAS enfrentasse problemas. O mais grave deles foi quando povos da Terra Indígena Parque Nacional Isidoro Sécure (Tipnis) se opuseram à construção de uma estrada que cruzaria seu território. Morales tentou dar prosseguimento à obra pela força, mas, após fortes protestos, teve que voltar atrás.

“Sempre pode haver surpresas quando o povo vai às urnas e se expressa livremente. As pesquisas de opinião muitas vezes acabam se equivocando. Porém, o mais provável é que os pleitos de 2014 apontem para a continuidade”, analisa Carlos Malamud, pesquisador em América Latina do Real Instituto Elcano, em Madri, Espanha. “As eleições mais imprevisíveis, até agora, são as salvadorenhas, panamenhas e as costarriquenhas, porque nem mesmo as pesquisas de opinião estão conseguindo apontar antecipadamente um vencedor.”

Em 2 de fevereiro, os salvadorenhos abrem a temporada eleitoral latino-americana escolhendo se mantêm no poder os herdeiros da guerrilha Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). Em 2009, El Salvador elegeu pela primeira vez um governo de esquerda, encabeçado pelo jornalista Maurício Funes. Como não existe reeleição no país, seu partido tentará continuar na Presidência com Salvador Sánchez Cerén, atual vice-presidente. Cerén foi um dos comandantes das Forças Populares de Libertação Farabundo Martí e um dos responsáveis pelo acordo de paz que acabou com a guerra civil em El Salvador no início dos anos 1990. De acordo com as últimas pesquisas, o candidato da situação possui cerca de 40% dos votos. Em outros levantamentos, porém, aparece com 30%, revezando a liderança com Norman Quijano, da ultraconservadora Aliança Republicana Nacionalista (Arena).

De acordo com o professor da divisão de estudos políticos do Centro de Investigação e Docência Econômicas (Cide) do México, Gabriel Negretto, a disputa mais acirrada em El Salvador e Costa Rica se explica principalmente pela força da oposição. “Ao contrário do que ocorreu nos demais países que irão às urnas em 2014, as oposições salvadorenha e costarriquenha não desapareceram nem colapsaram. Isso faz com que o jogo político seja mais fluido”, avalia. Negretto lembra que a existência de uma oposição consistente, que consiga se apresentar ao eleitorado como alternativa de governo, é uma das principais razões que possibilitam a alternância de poderes na região. Apesar das diferentes correntes ideológicas que norteiam seus governos, essa situação não se observa no Brasil, Bolívia, Uruguai e Colômbia. Por diferentes motivos.

Para o professor do Cide, MAS, Frente Ampla e Partido de la U conseguiram desarticular o sistema partidário que regia a política boliviana, uruguaia e colombiana, tornando-se hegemônicos. No Brasil, o PT não conseguiu tamanha dominação, uma vez que tem de governar com base numa ampla aliança com partidos tradicionais, mas vem conseguindo se vender como “melhor opção” aos cidadãos, que agora deverão dar-lhe a chance de permanecer 16 anos na Presidência. “Com as oposições divididas e desorganizadas, a tendência é que os grupos que surgiram como alternativa no começo do século 21 se mantenham no poder”, pontua. “Até porque, quando a economia vai bem, como está indo, dificilmente os eleitores latino-americanos se arriscam a mudar.”

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