Oriente Médio

Brasil defende que destino da Síria não sofra interferência estrangeira

Abertura de conferência para buscar paz na nação do Oriente Médio tem acusações sobre ingerência externa. Brasil critica fornecimento de armas e dinheiro a opositores de Assad e recusa saída militar

Arnd Wiegmann/Pool/EFE

Os debates na Suíça foram abertos em alta temperatura, com acusações entre governo e oposição sírios

São Paulo – A interferência externa foi o tema central dos debates na abertura da Conferência de Paz para a Síria, na Suíça. Entre os 39 países convidados, alguns, entre eles o Brasil, se colocaram contra a ingerência em temas que devem ser definidos pelos sírios, fazendo menção especial ao fornecimento de armas e dinheiro aos lados envolvidos na guerra civil, que já dura quase três anos e deixou 130 mil mortos, além de provocar a fuga de milhões de pessoas.

“Não pode haver uma solução para o conflito se as partes que se enfrentam continuam recebendo recursos financeiros e armas a partir do estrangeiro”, acusou o secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil, o embaixador Eduardo dos Santos, em uma referência tanto a Arábia Saudita e Catar, que colaboram com os opositores do governo, como ao Irã, suspeito de ajudar Bashar al-Assad.

“Só as negociações podem levá-los a um compromisso aceitável que conduza a uma paz substancial”, afirmou Eduardo dos Santos. Ele cobrou as partes a iniciar um “diálogo urgente e indispensável” para poder avançar em uma “reconciliação nacional” que ponha fim à violência e aos abusos dos direitos humanos.

O secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil pediu ainda que a transição política seja conduzida “unicamente por sírios” para cumprir com as legítimas aspirações de seu povo, “sem intervenção estrangeira nem a militarização do conflito”. “Esta conferência precisa impulsionar o processo sírio com o apoio da comunidade internacional, o que não é o mesmo que um processo internacional que conte com a participação dos sírios”, ressaltou.

Mais cedo, o chanceler sírio, Walid al Muallem, afirmou que ninguém tem o direito de tirar a legitimidade da Constituição, do presidente ou da lei de seu país. Foi uma resposta às declarações do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, que havia dito que Bashar al-Assad não pode ter qualquer participação em um governo de transição.

“Somente os sírios podem decidir quem é seu presidente”, reforçou o ministro das Relações Exteriores sírio a Kerry. “Eu e o povo da Síria lamentamos que a esta mesa, junto conosco, estejam sentados os representantes dos países que têm as mãos manchadas de sangue do povo sírio, os países que têm exportado o terrorismo, justificando sua atuação porque seu Deus lhes teria dado um direito de enviar essa pessoa para o inferno e aquela para o paraíso.”

A tensão entre Estados Unidos e opositores de Assad, de um lado, e do governo sírio, de outro, foi a principal deste primeiro dia de conferência. Esta é a primeira vez que o presidente aceita participar de uma negociação em que a oposição interna é vista como um interlocutor legítimo. A transição política parece objetivo difícil de alcançar, mas existe a expectativa de avançar em outros pontos para tentar colocar fim à guerra e garantir a libertação de prisioneiros.

O discurso do ministro foi emblemático do ponto de vista das dificuldades de se chegar a um acordo. Muallem negou a existência de uma “oposição moderada” e acusou os membros do Exército Livre da Síria de serem “mercenários, que sequestram civis em troca de resgates, extorquem os pobres e os usam como escudos humanos”. “Tudo isto se faz com as armas fornecidas por países representados aqui, que apoiam supostos grupos moderados”, disse o chefe da delegação síria.

Ele chegou a protagonizar uma leve discussão com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que o interrompeu quando seu discurso já durava mais de 20 minutos e pediu para encerrá-lo. Muallem se negou dizendo tinha feito uma longa viagem em avião, de doze horas, e pediu mais tempo, mas Ban Ki-moon respondeu afirmando que sua atitude não era construtiva.

De outro lado, a Coalizão Nacional Síria (CNFROS), a aliança que representa a oposição no processo de paz, pediu que o governo assine um compromisso para aceitar as negociações destinadas a formar um governo transitório. “Queremos saber se temos um interlocutor nesta sala e, neste caso, pedimos que assinem o Comunicado de Genebra que estabelece que todas as competências de Assad (Bashar al Assad, presidente sírio), executivas, militares e jurídicas, devem ser transferidas para um órgão transitório de governo”, disse o presidente da CNFROS, Ahmad Yarba.

O dirigente opositor considerou que este é o principal resultado que deve ser esperado da conferência de paz para a Síria: “colocar de lado Assad e todos os símbolos de seu regime”. Diante das delegações presentes no centro de conferências de Montreux, Yarba lembrou que o documento também pede o fim das hostilidades. O Comunicado de Genebra foi estipulado há um ano e meio pelos Estados Unidos e Rússia, com o respaldo da ONU.

Além disso, o presidente da CNFROS disse que não podem existir negociações sérias sem resolver questões fundamentais desse tipo e sem um calendário rígido, o que deve ser definido “nesta primeira rodada” negociadora.

Com informações da Agência EFE.