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Noruega: famílias dizem ter sido separadas por governo

Cidadãos do Brasil, da Rússia e da Índia reclamam que conselho tutelar do país usa métodos arbitrários para guarda de crianças

divulgação

Brasileiras protestaram ontem (7) em Oslo contra conselho tutelar do país. No cartaz: “Vítimas da impiedade!!!”

Recife – Histórias de famílias que passam por problemas semelhantes ao da pernambucana Vitória Alves Jesumary, de 37 anos, com o Barnevernet – serviço de proteção à criança e ao adolescente da Noruega – se multiplicam. Mas, ao contrário de Vitória, que se refugiou na embaixada em Oslo para não perder a guarda da filha Sofia, de três anos, muitas mães têm seus filhos recolhidos e levados a famílias adotivas. Na sexta-feira (6), a curitibana Daiana Alves Lopes, de 21 anos, perdeu a guarda do segundo filho, Mateus, de cinco meses.

O Barnevernet alegou que, enquanto casada, Daiane e o ex-companheiro, um iraquiano, discutiam e, por isso, ela, mesmo separada, poderia fugir do país com o filho, que nasceu na Suécia. Mateus havia sido levado pelo Conselho Tutelar da cidade de Trondheim (a 500 quilômetros ao norte de Oslo) há duas semanas. Ao ser recolhida, a criança não é levada a uma instituição, mas a uma família adotiva norueguesa.

Vivendo há dois anos na Noruega, Daiane passou pelo mesmo drama poucos meses após chegar ao país, quando o serviço social recolheu sua primeira filha, Beatriz, hoje com dois anos. “Eu tive depressão pós-parto e disseram que eu não poderia cuidar da minha filha. Acharam melhor pegá-la do que me ajudar com psicólogos”, conta Daiane. Ela só pode ver a filha seis vezes ao ano.

A curitibana comenta que está no país acompanhada pela mãe, que está tentando reaver os netos. No entanto, o Conselho Tutelar diz que a avó não tem direito de ficar com os netos. “Minha ex-advogada afirmou que tem uma máfia”, declara Daiane. Procurado, o Barnevernet não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Divórcio

Vivendo há 11 anos no país nórdico, a cearense Solange Monteiro, 31, começou a ter problemas com o Barnevernet após se divorciar do marido norueguês, há cinco. Solange, que é mãe de três filhos, conta que o serviço social de Mandal, onde ela mora, levou a filha Camille, de cinco anos, e está com os outros dois filhos – Kira, de sete anos, e Daniel, de oito meses – provisoriamente, aguardando o julgamento previsto para janeiro de 2014.

“Eles dizem que minha situação financeira não é boa o suficiente e que eu não posso dar aos meus filhos um futuro que eles merecem”, afirma Solange, que só pode ver a filha uma vez por semana com acompanhamento do Conselho. Ela está atualmente desempregada e estudando enfermagem. O ex-marido paga pensão aos filhos.

O embaixador brasileiro em Oslo, Flávio Helmold Macieira, confirmou que há registro de casos pregressos, “igualmente lamentáveis, envolvendo guarda de menores com nacionalidade brasileira”. “Mas inexistem meios legais de influenciar as decisões de autoridades judiciais deste ou de qualquer outro país. Cada caso apresenta características próprias”, explicou Macieira ao Opera Mundi.

Na manhã de ontem (7), cerca de 20 brasileiras com cartazes protestaram contra o Barnevernet. O ato, organizado pelo Conselho de Cidadãos Brasileiros na Noruega (CCBN), se concentrou em frente à embaixada brasileira e seguiu pelas ruas de Oslo até o Stortinget, o parlamento do país. Elas criticavam a política do órgão de retirar os filhos das famílias biológicas e levá-los a famílias norueguesas adotivas, além da situação da brasileira Vitória.

Outras nacionalidades

Contudo, os casos não ocorrem apenas contra brasileiros. Há relatos de famílias de outras nacionalidades, inclusive norueguesas, que tiveram o mesmo problema com o Barnevernet. O órgão tem como função garantir o bem-estar de crianças e adolescentes, mas, segundo relatos de pessoas e jornais mundo afora, costuma utilizar métodos arbitrários.

Duas famílias russas teriam perdido as guardas dos seus filhos. A família Bendikene perdeu as três filhas neste ano – de 13, de cinco e de três anos –, mas conseguiram recuperá-las. A razão da remoção teria sido uma declaração, com teor não divulgado, dada por um ex-colega da filha mais velha do casal.

Já a família Kasayeva, que, em 2002, perdeu a guarda de um filho e relatou aos jornais, à época, um fato curioso. “Durante as audiências, o juiz me disse: ‘Damos-lhe autorização de residência, e você nos dá o seu filho’. Recusei-me. Em seguida, começou a repressão”, declarou Maya Kasayeva.

Em 2011, a família indiana Bhattacharya perdeu a guarda de dois filhos – de três e de um ano – porque os alimentava com as mãos e por dormirem na mesma cama que os pais. As autoridades locais concluíram que o comportamento era inapropriado. Após oito meses de batalhas judiciais, com intervenção do governo da Índia – através do Ministério das Relações Exteriores –, conseguiram reavê-los.

No ano passado, a professora de linguística na Universidade de Bergen Marianne Haslev Skånland, escreveu um artigo para o jornal indiano The Hindu explicando que o Barnevernet está “se transformando em uma indústria, que paga quantidades incríveis especialmente para psicólogos, por relatórios”, além de pagar 30 mil euros aos pais adotivos. A acadêmica afirmou também, no mesmo artigo, que o negócio proporciona renda extra e postos de trabalho para assistentes sociais.

Reunião

O embaixador brasileiro se reuniu na sexta-feira (6) com o diretor-geral do Ministério da Criança, Igualdade e Inclusão Social da Noruega, Oddbjorn Hauge, e assessores para buscar uma solução para o caso de Vitória e Sofia, refugiadas na representação diplomática desde o último dia 28. Porém, não houve acordo.

Macieira explicou que a embaixada está prestando toda assistência a Vitória, mas a situação exige cautela, porque o Estado brasileiro não pode interferir nas práticas legais dos outros países. “A Noruega vive em regime de Estado de Direito, democrático, tal como o Brasil. É sob o regime de Estado de Direito que a solução será encontrada”, afirmou, por e-mail.

“Tratamos o caso com toda cautela e atenção, pois se trata da segurança de uma menor de idade, brasileira e dos direitos de sua mãe também brasileira. Acreditamos que é do interesse dessas cidadãs que o caso seja tratado discretamente, para evitar acirramento de posições, o que poderia dificultar uma solução”, acrescentou Macieira.

A vice-chefe de Comunicação do Ministério da Criança, Igualdade e Inclusão Social norueguês, Anne Nordskog, afirmou que “o ministério não tem autoridade para comentar ou intervir em casos de bem-estar infantil individuais”. Anne explicou que o ministério é responsável pela aplicação da Lei de Bem-Estar Infantil e esta se aplica a todas as crianças no país nórdico, independente da sua origem, nacionalidade ou cidadania.

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