'Missão oficial'

Deputado gaúcho vai ao Uruguai convencer senadores a frear legalização da maconha

Autor de projeto de lei que legaliza internação involuntária de viciados, Osmar Terra diz em Montevidéu que produção estatal de cannabis no Uruguai acabará sendo vendida no Rio Grande do Sul

Iván Franco/EFE

A delegação brasileira tentou frear a tramitação de projeto que visa a legalizar o consumo no vizinho

São Paulo – Não contente em defender o endurecimento das leis sobre consumo e venda de drogas atualmente ilícitas no Brasil, o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) viajou ontem (5) a Montevidéu para tentar convencer os senadores uruguaios a derrubarem o projeto de regulamentação da maconha impulsionado pelo governo do país. De acordo com o parlamentar, a visita foi uma “missão oficial” do Congresso brasileiro.O diário El País informa que Terra esteve acompanhado do subprocurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Marcelo Dorneles, e do psiquiatra Sérgio de Paula Ramos, da Associação Brasileira sobre Álcool e Drogas.

O texto em discussão no Uruguai entende que a única maneira efetiva para combater o poderio do narcotráfico é pela via econômica. A repressão não tem funcionado: um terço da população carcerária do país está presa por crimes relativos à venda de drogas – e nem por isso o consumo diminuiu. Portanto, a ideia é que o Estado assuma o cultivo, produção, distribuição e venda da cannabis em todo o território nacional. A proposta prevê que os cidadãos uruguaios terão direito a comprar 40 gramas de maconha por mês em estabelecimentos credenciados pelo preço de US$ 1 por grama. O governo acredita que, assim, afastará os usuários das bocas de fumo, onde acabam sendo expostos a outras substâncias, como crack e cocaína.

O projeto de lei foi aprovado na Câmara do Uruguai em agosto e agora espera votação no Senado, onde deve ser ratificado exatamente como foi elaborado pelos deputados: o presidente José Mujica, do partido Frente Amplio, tem maioria na Casa. O texto uruguaio permitirá ainda o cultivo doméstico da erva. Enquanto isso, os deputados brasileiros aprovaram, em maio, uma proposta de Terra que vai na direção contrária. O PL 7.663, de 2010, prevê penas mais duras para traficantes de drogas e autoriza a internação involuntária de usuários – apontada por especialistas como atitude “contraproducente” no tratamento de dependentes químicos. O texto aguarda votação no Senado.

Ontem, Terra afirmou aos senadores uruguaios que sua proposta tem apoio da administração Dilma Rousseff. “A presidenta apoiou o projeto. Se o governo não tivesse apoiado, não teria sido aprovado”, disse, de acordo com o El País. O deputado gaúcho advertiu para os riscos de brasileiros e uruguaios estarem seguindo caminhos diferentes em relação às suas políticas de drogas. O problema estaria na longa fronteira entre os países. “Teremos duas leis muito díspares. O Brasil aumentará o rigor e o Uruguai liberará e legalizará a maconha. Por isso, queremos saber se existe outro caminho”, apelou.

De acordo com Terra, “tudo o que acontece num país afetará o outro”. Em entrevista ao diário Zero Hora, de Porto Alegre, o deputado desconsiderou que será o Estado uruguaio quem se encarregará de controlar a cadeia produtiva da maconha e reforçou a tese de que a cannabis acabará sendo enviada para o lado de cá da fronteira. Mais que isso, comparou a futura situação do Uruguai com a maconha, com a da Bolívia, onde não existe qualquer monopólio estatal da produção da folha de coca. “Será grave, principalmente no Rio Grande do Sul”, alertou. “O mercado da droga uruguaia será o Brasil. O Uruguai tem população equivalente à da capital do estado. Vão produzir lá e o tráfico trará a droga para cá, será difícil controlar as fronteiras.”

Osmar Terra disse ainda aos senadores uruguaios que a maconha é “porta de entrada” para outras substâncias – outra ideia radicalmente combatida por especialistas. E informou que, no Brasil, prova disso é que 2,5 milhões de pessoas usam maconha e crack ao mesmo tempo. “A liberação é um risco elevado, principalmente para a juventude. Para quem luta contra a dependência, cada dia da abstinência é uma vitória. O projeto vai aumentar a oferta e vai aumentar a dependência”, afirmou, tergiversando: “Não existe experiência no mundo em que se verificou redução no consumo de drogas após a liberação”.

O deputado desconsidera a experiência de Portugal, que descriminalizou o consumo de todas as drogas em 2001. De acordo João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência luso, em entrevista ao jornal Diário de Notícias, verificou-se uma “descida do consumo de substâncias ilícitas nos jovens com idades entre os 15 e os 19 anos”. O álcool não entra nessa contabilidade, precisou a autoridade, apenas os estupefacientes como cannabis, cocaína, heroína, LSD ou outros.

Os esforços do parlamentar gaúcho, porém, foram em vão: Terra conseguiu convencer apenas os legisladores uruguaios que já são contrários à proposta. Um deles é Alfredo Solari, do Partido Colorado, médico e presidente da Comissão de Saúde do Senado. De acordo com a Agência Efe, Solari afirmou que a exposição da delegação brasileira foi “excelente” e destacou sua esperança de que “sirva para a reflexão e para evitar que se cometa um erro”, em referência à provável aprovação do projeto.

Já o vice-presidente da Comissão de Saúde, o também médico e legislador governista, Lius Gallo, favorável à proposta, disse que a comissão “escutou com atenção” a experiência brasileira na luta contra as drogas. Mas não levará em consideração as teses de Osmar Terra. “Está claro que elegemos caminhos diferentes. O Uruguai apostará na legalização e na educação e vai tentar combater o narcotráfico, enquanto que o Brasil prefere endurecer penas, algo que está provado não funciona”, acrescentou.

Apesar de ainda estar em debate na Comissão de Saúde e não ter chegado ao plenário do Senado, Gallo afirma que o projeto de lei deve ser submetido à votação dos parlamentares “sem modificações e como veio da Câmara dos Deputados”. A matéria deve passar pelo crivo dos senadores entre fim de novembro e início de dezembro.