Argentina

Após eleições, adversários de Cristina oscilam entre euforia e cautela

Enquanto chefe de governo da Cidade de Buenos Aires diz que ciclo kirchnerista está encerrado, integrante do peronismo dissidente evita críticas à presidenta, que se mantém em silêncio por recuperação

Leonardo Idoria/EFE

Macri aposta em dizer que o kirchnerismo acabou. Quem o fez em 2009 se arrependeu em 2011

São Paulo – O dia seguinte às eleições legislativas argentinas se manteve previsível, à medida que opositores de Cristina Fernández de Kirchner oscilaram entre a euforia e a cautela nas declarações sobre os resultados de ontem à noite. Da proclamação do fim do kirchnerismo à visão de que começou uma nova etapa dentro do peronismo, não faltaram palpites para interpretar a manutenção, na Câmara, de 132 assentos para a coalizão governista Frente para a Vitória, e da perda de duas cadeiras da base aliada no Senado, agora com 37, ainda maioria.

O chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Maurício Macri, apressou-se em afirmar que “claramente se assiste ao fim de um ciclo, depois de mais de uma década em que se construiu um relato que vai fazendo água por todos lados”. Durante entrevista coletiva na capital, ele reiterou o que havia dito na véspera, que já tem a cabeça em 2015, quando disputará as eleições presidenciais – em 2011, com Cristina como ampla favorita, ele abriu mão da candidatura federal para se reeleger na cidade.

Macri, conservador próximo de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), voltou a evocar um discurso à moda de Marina Silva (PSB) ao pregar a criação de uma nova política. “Não vamos fazer aliança com cúpulas partidárias, mas com o povo”, afirmou, acrescentando que as propostas para o pleito presidencial serão feitas “debaixo para cima”. Ele pregou ainda que os que tenham participado de governos nas últimas décadas não serão bem-vindos em sua coalizão porque “hoje é tempo de outras pessoas” e de uma “renovação a sério” na política.

Neste sentido, Macri já atirou em um de seus principais opositores na futura disputa, o prefeito da cidade de Tigre, Sérgio Massa, que ontem saiu vencedor na eleição para a Câmara na província de Buenos Aires. O chefe de governo da capital acusou Massa de ser uma “renovação dentro do peronismo”, e não uma mudança mais profunda. A tentativa de se diferenciar do até ontem aliado eleitoral passou ainda por dizer que “se está avançando no fim de um ciclo para aqueles que governaram sistematicamente nos últimos 30 anos e que sempre querem mudar alguma pessoa para que sigam os mesmos”.

Massa, que cresceu bastante na reta final, diz que não tem a cabeça posta em 2015Já Massa adotou o discurso previsível, de que está com a cabeça voltada a continuar seu governo. Ele obteve quase 12 pontos a mais que seu adversário, o governista Martín Insaurralde, da Frente para a Vitória, que conquistou 32,18% dos votos. A oposição venceu também nos outros quatro grandes distritos do país, a cidade de Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé e Mendoza, mas o governo mantém a maioria nas duas casas do Congresso. O kirchnerismo se impôs em grande parte do norte e o oeste do país, com vitórias muito amplas em Santiago del Estero (75,72%), Chaco (58,95%) e Formosa (55,22%). Para Massa, o resultado da véspera foi um recado da população contra a soberba. “Ontem falou o povo e deu uma mensagem do que quer. Há coisas que não quer mais. O povo quer que termine essa política da divisão, da briga, da confrontação”, avaliou, em clara referência a Cristina, de quem foi chefe de gabinete.

Dentro do próprio kirchnerismo há dúvidas sobre a futura candidatura presidencial. Existe a possibilidade de que se apresente uma proposta de emenda constitucional que permita uma nova candidatura de Cristina, embora o desgaste de dez anos de governo e a maioria apertada no Legislativo levem a crer que este não seja um caminho interessante neste momento.

Entre aliado e oponente, o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, manteve o discurso cauteloso ao comentar os resultados. “A de ontem foi uma eleição parlamentar”, disse, atenuando a importância dos resultados em nível presidencial. “É uma eleição parlamentar como outras tantas que podem ter resultados que não coincicem com o que se vota nas executivas.” Ele acrescentou que é preciso interpretar a vontade popular e argumentou que até 2015 “vai passar muita água debaixo da ponte”.

A relativização promovida por Massa é mais confiável que a euforia de Macri, mostram a história e a política argentinas. Em 2009, a Frente para a Vitória obteve 30% dos votos totais nas eleições legislativas de meio de mandato, menos que ontem, e com Néstor Kirchner como candidato. Na ocasião, a dianteira foi dividida com o Acordo Cívico e Social, de Elisa Carrió, que dois anos mais tarde acabou lanterna na disputa presidencial – esta vez, de novo, Carrió teve bom desempenho, eleita deputada pela cidade de Buenos Aires.

Ontem, o kirchnerismo fez 48 deputados, contra 40 em 2009. O Pro, de Macri, ganhou 20 cadeiras naquela ocasião, e agora conquistou 13. O grande crescimento se deu no heterogêneo bloco formado por União Cívica Radical e Partido Socialista, com 31 assentos. Vencedor em Santa Fé, o socialista Hermes Binner, ex-governador e futuro deputado, foi outro que pediu “deixar andar” o barco antes de tirar conclusões sobre o impacto das eleições de ontem na disputa de 2015. Binner, segundo colocado na disputa contra Cristina em 2011, admitiu enxergar um “avanço da polarização” por conta dos cinco distritos vencidos pela oposição.

Scioli relativiza o crescimento de opositores em grandes distritos do país e afirma que a disputa do Executivo é diferenteEspera-se, agora, pela manifestação da presidenta, e mais uma vez a mídia tradicional chegou a aventar seu afastamento definitivo do poder, como já havia feito depois das eleições legislativas de 2009, quando a oposição chegou a pedir que ela renunciasse ao cargo em meio a uma crise com os grandes produtores rurais.

O ministro da Defesa, Agustín Rossi, considerou “temerárias” essas versões e declarou hoje a uma rádio que Cristina “está se recuperando e vai voltar a se reintegrar sem nenhum tipo de inconveniente assim que terminar o período de recuperação” da operação que realizou no último dia 8.

Scioli foi outro a cobrar “prudência”. “A melhor homenagem nestes 30 anos de democracia que podemos fazer os três poderes do Estado, todas as forças políticas, os meios de comunicação, é ter prudência pensando no país e no futuro de todos”, disse, em declarações à rádio “La Red”.

Se tudo sair como previsto, a chefe de Estado retomará suas atividades em meados de novembro, embora, de acordo com as orientações médicas, provavelmente, terá de ajustar sua agenda oficial, pelo menos durante as primeiras semanas.

Leia também

Últimas notícias