Caso NSA

Governo classifica espionagem de Dilma como ‘inadmissível’ e cobra EUA

Após reunião com presidenta, ministros afirmam esperar resposta da Casa Branca por escrito para definir quais medidas serão adotadas, e reiteram que vão buscar ONU para garantir regras de governança

Joel Rodrigues/Frame/Folhapress

Cardozo (e) e Machado garantiram que a conversa com o embaixador dos EUA foi clara

São Paulo – O governo brasileiro adotou publicamente tom de cautela em relação à denúncia de que os Estados Unidos espionaram Dilma Rousseff, mas adiantou que, se comprovadas as informações reveladas ontem pelo programa Fantástico, da Rede Globo, estará configurada uma violação de soberania “inadmissível”. O dia foi de muitas reuniões no Palácio do Planalto entre os ministros envolvidos na área para definir qual rumo seguir, mas a conclusão é de que medidas concretas serão adotadas após a resposta oficial dos Estados Unidos.

“Agora vêm informações que, se confirmadas, são muito graves. Violam a soberania do país. São violações à privacidade de nossa chefe de Estado e dos cidadãos brasileiros, que deve ser defendida de forma intransigente pelo Estado brasileiro”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, durante entrevista coletiva ao lado do chanceler Luiz Alberto Figueiredo Machado. “Se confirmado, isto revelará uma violação inaceitável e inadmissível à nossa soberania. A violação da soberania não pode acontecer sob nenhum pretexto, mesmo para investigação de atos ilícitos. Agora, quando a violação se dá para uma dimensão política, uma dimensão empresarial, do ponto de vista normativo a situação fica, sem sombra de dúvidas, piorada.”

Segundo documentos vazados pelo ex-analista da NSA Edward Snowden, Dilma e o presidente do México, Enrique Peña Nieto, foram espionados pelo órgão de inteligência. Os sistemas utilizados permitiram aos serviços de inteligência dos Estados Unidos conhecer o conteúdo de conversas telefônicas e e-mails trocados por Dilma com dezenas de assessores.

Cardozo acaba de retornar dos Estados Unidos, para onde viajou na última semana justamente para conversar com autoridades norte-americanas a respeito do esquema revelado este ano, de que a Casa Branca mantém um órgão oficial de espionagem, a NSA, responsável por manter ainda um escritório em Brasília, que funcionou ao menos até 2002. Na viagem, encerrada na sexta-feira, o ministro da Justiça esteve com o vice-presidente, Joe Biden, com a assessora de assuntos contra Terrorismo, Lisa Mónaco, e com o chefe do Departamento de Justiça, Eric Holder. Todos disseram que o esquema de espionagem se limitava a questões de segurança. Após a visita, Cardozo disse que as explicações não foram “suficientes”.

Em Washington, ele apresentou a proposta de firmar um protocolo bilateral para garantir o respeito à soberania no sentido de que os Estados Unidos respeitavam a legislação brasileira, que garante interceptação de dados apenas em casos em que haja autorização judicial. Isso seria suficiente, na visão do governo Dilma, para garantir que a diplomacia norte-americana acessasse informações em casos em que houvesse comprovação de práticas criminosas, supostamente o único interesse daquele país.

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Com a negativa norte-americana, o Brasil parte agora para uma intensificação da articulação para assegurar a aprovação de regras pelo sistema das Nações Unidas. Segundo o ministro das Relações Exteriores, a diplomacia esteve hoje em contato com representantes dos BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul) e de nações desenvolvidas para abordar a questão, que já havia sido levantada quando da revelação da existência de uma central de espionagem dos Estados Unidos em Brasília.

A denúncia de ontem levou o embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon, a ser convocado para uma audiência realizada na manhã de hoje no Itamaraty. No diálogo, segundo Figueiredo Machado, Shannon se comprometeu a levar ainda hoje à Casa Branca o desejo brasileiro de uma resposta formal sobre o esquema que atingiu Dilma. “Foi uma conversa em que ele entendeu o que foi dito porque foi dito em termos muito claros.

Muitas vezes se acha que diplomacia é dar um jeito de explicar as coisas de forma sinuosa. Não é, não. As coisas, quando têm de ser ditas de forma muito clara, são ditas de forma muito clara”, explicou. “O tipo de reação dependerá do tipo de resposta que for dado. Por isso queremos uma resposta formal, por escrito, para que seja avaliada, e a partir daí vamos ver com o governo qual vai ser o tipo de reação que adotaremos.”

Legislativo

A denúncia feita ontem ecoou no Congresso. O presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Nelson Pellegrino (PT-BA), afirmou que vai colocar o tema em discussão na próxima reunião. “Se confirmado que a presidente foi espionada, estaremos diante de um episódio inaceitável de violação da soberania nacional”, disse.

O tema volta à tona no momento em que o Senado prepara a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Espionagem, que será aberta amanhã. Segundo a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), autora do requerimento que levou à criação da CPI, uma das linhas de investigação é expandir o conhecimento sobre as ações da NSA no Brasil. “Sabemos até agora que é muita coisa e que tem muito mais a ser divulgado, temos que reunir o máximo de informações”, afirma. “É uma fonte só, mas podemos buscar outras. Uma medida urgente é o Estado brasileiro proteger muito esse jornalista. Vamos cobrar medidas nesse sentido”, disse, referindo-se a Glenn Greenwald, autor de diversas reportagens, publicadas no The Guardian, a respeito de programas de ciberespionagem.

“O governo britânico poderia ser outra, já que apreendeu o pen-drive e o HD externo do rapaz”, ironizou, lembrando a detenção do brasileiro David Miranda, parceiro do jornalista britânico Glenn Greenwald, no aeroporto de Heathrow, em Londres. Miranda passou nove horas detido e teve todos seus equipamentos eletrônicos confiscados, incluindo celular, laptop, câmera, cartões de memória, DVDs e consoles de videogames.

Para Vanessa, as denúncias de espionagem fortalecem a proposta de criação de um fórum multilateral de governança da Internet, proposta já defendida pelo Brasil em fóruns internacionais. “Hoje toda a internet esta sujeita às leis do estado da Califórnia. O Brasil não vai resolver esse problema sozinho, mas podemos colaborar”, afirma, em referência à Icann, sociedade norte-americana sem fins lucrativos responsável tão somente por gerenciar os nomes de domínios usados na rede e administrar os servidores raiz, com sede na Califórnia.

Outra linha de atuação da CPI será analisar o impacto das informações vazadas em decisões de governo e empresas tanto no Brasil quanto em fóruns multilaterais. “É muito preocupante. Tudo que a gente já tinha ideia está sendo provado por documentos. Sabemos que tem setor específico na NSA para espionagem internacional e industrial, de negócios e temos que investigar o quanto isso interferiu”, afirma.

Como exemplo, ela cita uma carta do embaixador Thomas Shannon agradecendo à NSA por informações que teriam sido fundamentais para o sucesso dos EUA na 5ª Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, em abril de 2009. No documento secreto, noticiado pela revista Época, no início de agosto, Shannon parabeniza o diretor do órgão de espionagem, general Keith Alexander, pelas “excepcionais” informações obtidas numa ação de vigilância de outros países do continente.

Outro foco da CPI será analisar a capacidade do Estado brasileiro para enfrentar a guerra na era da informação. “Precisamos fazer esse diagnóstico. A arma hoje não é mais o canhão, ela é sobretudo inteligente. Até que ponto podemos controlar isso?”, afirma. “Já sabemos que eles têm agentes de informação em todos os países relevantes, mas queremos saber como atuam, qual o vínculo com as empresas de comunicação e internet que atuam no Brasil”, disse. “Temos informação de que os parlamentos europeu e russo têm investigações em curso a respeito e vamos buscar trocar informações.”

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