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Para ex-aliado de Correa, exploração de petróleo em reserva ambiental é ‘frustrante’

Economista Alberto Acosta diz que o maior responsável pelo fracasso da política de preservação é o próprio presidente

Acosta diz que país perdeu oportunidade de cristalizar proposta ‘revolucionária’ de pós-extravismo

São Paulo – Ex-ministro de Energia e Minas, ex-presidente da Assembleia Constituinte que escreveu a atual Constituição do Equador e ex-candidato à presidência da República, o economista Alberto Acosta, ligado ao movimento político Montecristi Vive, acredita que o fracasso da Iniciativa Yasuní-ITT, anunciado na última quinta-feira (15) pelo governo, é um fracasso pessoal do presidente Rafael Correa. O país está oficialmente desistindo de renunciar à exploração do petróleo encontrado há cerca de oito anos numa região amazônica conhecida como Yasuní-ITT, patrimônio da biosfera tombado pela Unesco.

A ideia era que a comunidade internacional contribuísse financeiramente para manter a jazida intocada – e a floresta em pé. Sete anos depois, o dinheiro não veio, e as autoridades decidiram explorar as reservas, estimadas em 920 milhões barris. “Não era apenas um projeto econômico”, avalia Acosta, um dos maiores entusiastas da Iniciativa Yasuní-ITT dentro e fora do governo. “Era um passo gigante na trilha do pós-extrativismo e, sobretudo, era um projeto ético, politicamente ético, no qual se envolviam os direitos de grupos vulneráveis e os direitos da natureza, previstos na Constituição, e que têm sido minimizados pelo presidente da República.”

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O economista conversou com a RBA por e-mail um dia depois do anúncio feito em cadeia nacional pelo presidente Rafael Correa, seu ex-amigo e aliado político. “Esperei até o último momento que o governo mantivesse a Iniciativa Yasuní-ITT, introduzindo ajustes indispensáveis para sua realização”, revela. “Mas, isso não ocorreu e, ainda por cima, o presidente priorizou a visão de um ‘mercador de petrodólares’ em vez de revelar-se um lúcido estadista.”

Como recebeu a notícia?

Foi uma notícia desagradável e frustrante. O Equador e o mundo perderam uma oportunidade de cristalizar uma iniciativa revolucionária. E é lamentável que, para piorar, a iniciativa tenha fracassado por puro cálculo econômico, medido apenas pelos recursos financeiros, quando na realidade há outros aspectos mais potentes a serem valorizados, inclusive economicamente. Não era apenas um projeto econômico. Era um passo gigante na trilha do pós-extrativismo e, sobretudo, era um projeto ético, politicamente ético, no qual se envolviam os direitos de grupos vulneráveis e os direitos da natureza, previstos na Constituição, e que têm sido minimizados pelo presidente da República.

O senhor se surpreendeu com a desistência do governo?

Esperei até o último momento que o governo mantivesse a Iniciativa Yasuní-ITT introduzindo ajustes indispensáveis para sua realização. Mas, não, e ainda por cima, o presidente priorizou a visão de um “mercador de petrodólares” em vez de revelar-se um lúcido estadista.

Quais serão os danos ao país provocados pela exploração do Yasuní-ITT?

Sabemos quais as consequências da atividade petrolífera, ainda mais numa região tão frágil como o Yasuní. Acreditar que não haverá efeitos negativos e que eles poderão ser minimizados com tecnologia de ponta é como achar que o Conde Drácula ressuscitou vegetariano e encarregá-lo da administração de um banco de sangue. Por outro lado, perdemos uma oportunidade histórica para impulsionar uma transformação no mundo. Seria um passo gigantesco.

Quais os benefícios que virão com a exploração do Yasuní?

Temos que ver quanto dinheiro realmente será arrecadado com a venda do petróleo, descontando os passivos ambientais. Depois, teremos que averiguar como esses recursos financeiros serão utilizados. A renda petrolífera, como já vimos em vários lugares do mundo, não só no Equador, pode produzir bem-estar social no curto prazo, mas frequentemente ocasiona fenômenos econômicos complexos, como a chamada “doença holandesa”, além de múltiplos conflitos socioambientais. Há outras opções mais eficientes para financiar a economia. Por exemplo, alentar uma reforma tributária para que os que ganham mais paguem mais impostos. Isso implicaria revisar o contrato com as empresas de comunicação, sobretudo telefônicas, que obtêm benefícios superiores a 38% em relação a seu patrimônio líquido. Outra opção seria eliminar com inteligência e criatividade a maior parte dos subsídios aos combustíveis sem prejudicar os mais pobres.

Por que a Iniciativa-ITT fracassou?

O principal responsável foi o presidente Rafael Correa, que acertou ao posicionar a proposta em nível internacional, mas, com suas idas e vindas, com suas vacilações, produziu um ambiente pouco propício à confiança e à credibilidade. Em especial, a última equipe negociadora não teve ideias claras: só procurava arrecadar dinheiro como em programas de tevê do tipo Teletom. Isso foi consequência da ausência de um conceito definido sobre o que significava a Iniciativa Yasuní-ITT. Assim ficou difícil estabelecer uma estratégia adequada. Teria sido bom fazer uma avaliação adequada do dinheiro recebido e da gestão empregada. Definitivamente, não é verdade, como disse o presidente, que “a iniciativa se adiantou aos tempos, e não foi compreendida”. A verdade é que Correa não a compreendeu e não esteve à altura do desafio proposto ao mundo pelo Equador.

O fracasso da iniciativa é mais uma derrota do ambientalismo frente o capitalismo?

O fracasso foi do governo. O próprio presidente havia dito que a Iniciativa Yasuní-ITT era o “projeto estrela” da revolução cidadã, nome que dá à sua gestão. É lamentável que a iniciativa tenha servido apenas para alimentar boas notícias sobre o Equador na imprensa internacional – notícias que agora vieram abaixo. No entanto, a comunidade internacional, sem dúvida, tem parte da responsabilidade pelo fracasso da proposta. Porém, a maior parcela da culpa recai sobre o governo. O presidente não conseguiu transformar esta Iniciativa tão potente numa proposta crível.

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