violência policial

Denúncia sobre uso de balas de borracha na Espanha chega a instância internacional

Segundo ONG, o país registrou ao menos 12 casos de danos graves provocados por disparos nos últimos quatro anos

stop/divulgação

Manifestação em Barcelona contra o uso de balas de borracha por policiais. Desde 2009, foram 12 casos graves

Barcelona – Na manhã do dia 17 de julho de 2001, Carlos Guillot recebeu uma ligação. Era um conhecido, dizendo que o centro social no qual se encontravam alguns amigos seus seria desocupado pela polícia dentro de algumas horas. Chamado para ajudar a transportar os móveis e alguns pertences dos moradores do local, Guillot se dirigiu ao centro acompanhado de duas amigas.

Ao chegar, os três presenciaram o início de um confronto entre a polícia de Barcelona e um grupo que se encontrava no local. Enquanto observava a confusão de longe, Guillot recebeu um disparo de bala de borracha na cara. A violência do golpe do projétil fraturou seu nariz e o deixou sem a visão do olho direito. Em julho deste ano, exatos 12 anos após o ocorrido, ele decidiu entrar com uma ação contra o Estado espanhol no Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo, na França.

O caso de Guillot não é o único envolvendo balas de borracha na Espanha. Segundo a ONG Stop Balas de Borracha, o país registrou ao menos 12 casos de danos graves provocados por disparos deste tipo de projétil nos últimos quatro anos. A maioria dos episódios resultou na perda da visão das vítimas e em um deles, o disparo foi responsável pela morte de Iñigo Cabacas, um jovem basco de 28 anos. “Queremos começar a documentar mais casos. Existem outras pessoas afetadas em órgãos importantes”, afirma aOpera MundiMar Rubiralta, integrante da Stop Balas de Borracha.

A ONG, formada em 2010 por algumas vítimas deste tipo de projétil,  luta pela proibição do uso de balas de borracha na Espanha. Mar conta que o grupo já organizou diversas campanhas e manifestações, porém, devido à falta de integrantes, as ações não são tão frequentes. Atualmente, a ONG trabalha na arrecadação de fundos para financiar os advogados que trabalham no caso de Guillot em sua demanda no Tribunal de Estrasburgo.

“Decidimos entrar em Estrasburgo porque é a última via que resta e porque acreditamos que ficou claro que foram vulnerados alguns artigos do Convênio Europeu de Direitos Humanos”, afirma Anaïs Franquesa, advogada de Guillot. Segundo ela, quando uma pessoa sofre um dano igual ao de seu cliente deve entrar com uma ação criminal contra a pessoa que efetuou o disparo.

“O primeiro problema que encontramos é que não sabemos qual foi o agente (que disparou). Então, o objetivo da investigação é identificar o agente policial. Qual é o problema? Para saber quem foi, necessitamos da colaboração do departamento correspondente da polícia. Quando eles recebem a ordem do juiz…, normalmente respondem com respostas evasivas ou não dão toda a informação solicitada”, conta Anaïs.

Caso o culpado não seja identificado, a advogada afirma que a vítima pode entrar com uma ação administrativa contra o Estado. Entretanto, a maioria dos casos na Espanha é contestada pela administração pública. “O que o Estado costuma dizer, em resumo, é que você estava no lugar errado no momento equivocado. Ou também, se você estava lá é porque algo havia feito. Há uma criminalização do fato de uma pessoa estar em uma manifestação”, diz a representante de Guillot.

Catalunha discute proibição

A maioria dos casos identificados pela Stop Balas de Borracha ocorreu na comunidade autônoma da Catalunha, onde uma comissão parlamentar foi criada para discutir o uso deste tipo de armamento. “Esta comissão esteve a ponto de ser criada em 2012, … mas os deputados do PP (Partido Popular) e do CiU (Convergência e União) votaram contra dizendo que não era necessário. Depois, com o caso de Esther Quintana… houve um grande escândalo que fez que por fim se pudesse criar esta comissão sobre os meios antidistúrbios e as balas de borracha”, diz o deputado do Iniciativa para Catalunha Verde (ICV) Jaume Bosch. Ele cita o caso da espanhola Esther Quintana, que perdeu um olho ao ser atingida por uma bala de borracha durante a greve geral de 14 de novembro de 2012.

“Esther é um caso particular por ser a primeira mulher. Também existe a questão da idade. Ela não é uma adolescente, é uma senhora de 42 anos. Além do mais, ocorre em um contexto social e político bastante delicado”, analisa Mar, que segue os trabalhos da Comissão para a Stop Balas de Borracha.

Segundo o deputado do ICV, o caso Esther marcou um antes e um depois para a questão do uso de balas de borracha inclusive para o seu partido, que fez parte do governo em uma época em que se registraram alguns casos. “Não negamos a responsabilidade que nos corresponde pela etapa em que estivemos no governo, mas também é verdade que nesta etapa a opinião pública relacionada ao uso das balas de borracha não chegava aos níveis de reprovação dos últimos anos”, defende Bosch.

Para ele, dificilmente o Parlamento catalão irá proibir o uso das balas de borracha. Entretanto, ele acredita que seja possível um acordo para compensar as vítimas mais recentes. “Eu acho que é possível que se aprove um acordo no Parlamento catalão instando ao governo a reparar os danos causados às vítimas e a reconhecer o que ocorreu”, sugere.

Enquanto a comissão não define o conteúdo do relatório final que deve apresentar no final de outubro, Guillot segue esperando por uma resposta do Tribunal de Estrasburgo. Segundo sua advogada, apenas 90% das demandas são aceitos. “Carles já está esperando há 12 anos e ainda não recebeu nem uma desculpa do Estado”, lamenta Mar, amiga de Guillot e uma das únicas vozes ativas contra o uso das balas de borracha na Espanha.