Política Externa

Itamaraty fez menos do que podia para propor soluções à crise, diz analista

Em debate no ABC, Adhemar Mineiro afirma que Brasil está perdendo oportunidade de agir internacionalmente para construção de saídas efetivas à recessão

Sergei Ilnitsky/EFE

Líderes de Brasil, Rússia, China e Índia participam de cúpula dos Bric em 2009

São Paulo – As soluções apresentadas pelo Brasil no cenário internacional para combater os efeitos da crise financeira ficaram aquém das possibilidades do país, avaliou na última terça-feira (16) o economista Adhemar Mineiro, analista do Dieese, em debate que discutiu a atuação do Itamaraty nos fóruns econômicos multilaterais durante os anos iniciais da recessão. O seminário integrou a Conferência Nacional “2003-2013: Uma Nova Política Externa”, realizada na Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). “Houve retrocesso”, classificou Mineiro. “Não se apostou em alternativas.”

O analista do Dieese defende que o governo federal assumiu posições divergentes, por vezes contraditórias, no plano interno e internacional para responder às ameaças da crise. “Entre 2003 e 2008, o Brasil tentava se defender do ponto de vista econômico, mas num quadro criativo da política externa”, comenta. Mineiro se refere aos anos iniciais da administração Lula, quando o país adotou posturas mais “ortodoxas” no plano doméstico – como juros altos, superávit primário e inflação baixa – com soluções “criativas” para além das fronteiras.

Leia também:
>> Para Amorim, oposição brasileira à Alca mudou agenda da América do Sul
>> Ovacionado no ABC, Amorim diz que Brasil precisa se preparar para ‘guerra do futuro’
>> ‘América do Sul está encerrando primeiro ciclo de integração’, diz Marco Aurélio Garcia
>> Lula e Dilma tiraram Brasil da submissão mundial, diz Patriota
>> Patriota reitera que os esclarecimentos dos EUA sobre espionagem são insuficientes

Entre essas medidas inovadoras, o economista destaca as alianças sul-sul estabelecidas nos primeiros anos da gestão petista: formação dos grupos Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), em 2003; Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), em 2006; e G20, que fora criado em 1999, mas que ganharia maior relevância anos mais tarde, quando a crise já batia à porta dos países centrais do capitalismo. “Gerou-se mecanismos e fatos em política externa que contribuíram inclusive para reduzir a vulnerabilidade do país na economia”, avalia Mineiro. “Apesar da defensiva no plano interno, havia capacidade de movimento ofensivo internacionalmente.”

O analista do Dieese observa que essa situação começou a se inverter após os primeiros anos da crise. Dentro de suas fronteiras, o Brasil adotou uma política econômica totalmente oposta às implementadas pelos países mais atingidos pela recessão: aumentou gastos públicos, reduziu a taxa de juros, colocou à disposição mais linhas de crédito e estimulou o consumo interno. No entanto, iniciativas que se mostravam promissoras, sobretudo no âmbito sul-americano, não prosperaram tão rapidamente. Uma delas é o Banco do Sul, que se pretendia uma espécie de fundo monetário do continente, mas que só teve sua primeira reunião em 2013. As trocas comerciais em moedas locais entre os países da região tampouco avançaram.

“A partir de 2010, vemos que esse espaço de criatividade, que estava aberto no cenário internacional, não foi ocupado”, continua Mineiro. “Foi-se reenquadrando a política econômica em termos mais conservadores. Quando o país estava na defensiva internamente, foi criativo no exterior. Quando abriu possibilidade de ser criativo e ofensivo internacionalmente, voltou-se a comportamento padrão. Estamos perdendo oportunidade histórica de disputar alternativas e saídas à crise dentro de perspectiva diferente de desenvolvimento.”

Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda entre 2006 e 2010, Luiz Eduardo Melin não discorda das observações de Adhemar Mineiro, mas faz alguns reparos à análise do economista como alguém que acompanhou por dentro todo esse processo. “Brigamos muito para ter o direito de dizer que enxergávamos outro caminho possível e virtuoso à crise”, explicou o economista, hoje responsável pela área de comércio exterior do BNDES. “Passamos a postular voz mais ativa na OMC, FMI e Banco Mundial. Até então, apenas os países do G7 tinham liberdade para pautar as discussões.”

De acordo com Melin, o país se esforçou para construir uma agenda afirmativa e defender uma maior participação dos países do sul nos fóruns multilaterais de decisão econômica. Apesar de os resultados não terem sido os melhores, uma vez que os países europeus acabaram preferindo os pacotes de austeridade ao invés das medidas anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro, o economista do BNDES afirma que Brasília só conseguiu pautar essas discussões porque, até então imune da recessão que afogava a Europa, tinha conseguida uma certa “moral” aos olhos do mundo.

“A crise pega o Brasil quando vinha se estruturando para recalibrar sua política econômica em prol do crescimento, aumento da renda e inclusão social. Prosperidade estava na agenda do governo há alguns anos quando a crise eclode”, analisa Melin. “O país estava estimulando seu mercado com os investimentos públicos do PAC, que puxaram investimentos privados, e abrindo espaço para o crescimento do consumo interno, com Bolsa Família e valorização do salario mínimo. A maior componente do aumento da renda do trabalhador se deu pelo aumento do salário minimo.”

Sobre a lentidão com que se avançou nas negociações do Banco do Sul, o economista aponta para resistência não tanto dos países parceiros do Brasil, mas da correlação de forças políticas dentro do país. Havia ideias divergentes sobre qual seria a vocação da entidade – se fundo monetário, banco de desenvolvimento ou instituição de crédito. Só que a classe política brasileira avaliava o projeto como uma ideia da Venezuela e não se mostrou entusiasmada em integrá-lo.

“Houve vozes do pensamento conservador, contrario à participação do Brasil e até mesmo à nossa participação em bases igualitárias”, reconhece. “Mas também havia opiniões contrárias. Na época, fui sabatinado no Congresso para discutir porquê não estávamos tendo atitude ainda mais concessiva, para ir na direção do que propunham os países de economia mais frágil. Ao final, o desenho de ‘um país, um voto’ foi uma vitória. Foi uma solução negociada, em que nem as opiniões mais progressistas nem as conservadoras prevaleceram.”

Leia também

Últimas notícias