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Brasil condena ameaça de golpe de Estado no Egito

Protestos, que começaram há três dias, intensificaram-se por todo o país. Simpatizantes do presidente Mursi argumentam que ele foi eleito democraticamente, enquanto os opositores alegam que é autoritário

© Khaled Elfiqi/Efe

Manifestantes carregam bandeira gigante com as cores do Egito em protesto em frente ao palácio presidencial, na cidade do Cairo

Brasília – A perspectiva de golpe de Estado no Egito é rechaçada pelo governo brasileiro, que defende a busca de uma solução negociada e respaldada pela sociedade egípcia, e está atento aos episódios de violência registrados nos protestos dos últimos dias. O emissário do Brasil para o Oriente Médio mais a Turquia e o Irã, embaixador Cesário Melantonio Neto, ressaltou hoje (3) que a expectativa é que os egípcios, “acostumados a conflitos”, obtenham uma “acomodação negociada” entre o governo, a oposição e as Forças Armadas.

“Estamos acompanhando atentamente os acontecimentos no Egito, por intermédio da nossa embaixada no Cairo e também pelas informações divulgadas. É um momento de tensão, sobretudo porque os egípcios querem resultados rápidos de uma revolução que ainda vai completar três anos, é preciso ter paciência”, disse Melantonio.

O chefe das Forças Armadas do Egito, Abdel Fatah Al Sisi, promoveu hoje reuniões fechadas com militares e também com integrantes da oposição. As conversas ocorreram nos momentos finais do ultimato dado pelos militares para que o presidente Mohamed Mursi renuncie. As indicações preliminares eram de um possível golpe de Estado no país.

Em entrevista à Agência Brasil, Melantonio descartou a possibilidade de fechamento da Embaixada do Brasil no Egito e de retirada do embaixador Marco Antônio Brandão e dos funcionários brasileiros que trabalham na representação diplomática. “Não há necessidade disso. Não é o caso. Não somos alvo de atentados, nem de ataques. É importante manter a embaixada em funcionamento para acompanhar os acontecimentos que mudam a todo tempo.”

Na noite de ontem (2), houve confrontos entre manifestantes e policiais. Os protestos, que começaram há três dias, intensificaram-se por todo o país. Simpatizantes do presidente Mursi argumentam que ele foi eleito democraticamente, enquanto os opositores alegam que é autoritário. Oficialmente, seis ministros deixaram o governo e dois porta-vozes pediram demissão. Em maio, Melantonio conversou com Mursi, em Brasília, e disse que ele sabia que seria alvo de protestos no último dia 30. “O que não se pode saber é a dimensão que o movimento toma”, ressaltou o embaixador.

De acordo com especialistas, a crise no Egito é causada por fatores como o agravamento da situação econômica interna, com inflação elevada, o aumento do número de desempregados, a pressão dos militares por mais espaço e o isolamento político de Mursi. Melantonio lembrou ainda que há setores insatisfeitos na sociedade egípcia, que perderam espaço com a queda do ex-presidente Hosni Mubarak em fevereiro de 2011.

“Para avaliar a situação no Egito é preciso considerar o processo democrático e a história política do país. Há pelo menos seis décadas, os militares têm poder e estão diretamente ligados aos governos. A democracia não é caracterizada pela submissão de civis a militares”, destacou o embaixador. “É importante também considerar que fatores envolvendo os vizinhos do Egito também interferem, como as tensões em Israel, na Síria, na Líbia e na Tunísia, assim como no Iêmen.”

O governo Mursi tem o apoio de vizinhos considerados importantes na região, como o Catar, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, conversou por telefone com Mursi e sugeriu que ele tente um acordo com a oposição e os militares no esforço de encerrar o impasse.

Legitimidade

Mursi afirmou hoje que a legitimidade “é a única garantia para a estabilidade e contra violência”, reiterando sua chamada à formação de um governo de união nacional capaz de organizar as eleições legislativas.

Em um comunicado divulgado no Facebook, a Presidência explicou que sua proposta está baseada na “legitimidade constitucional que os egípcios construíram juntos” e que esta “responde às demandas do povo”.

Mursi fez esse pronunciamento antes de o Exército emitir um comunicado elaborado após uma reunião com distintas forças políticas, religiosas e juvenis para abordar a crise, quando o ultimato que os militares lhe deram para “atender às reivindicações do povo” já havia expirado.

O líder explicou que sua iniciativa procura estabelecer um governo de coalizão nos próximos meses até a realização de eleições parlamentares e a definição de um primeiro-ministro de consenso.

Além disso, Mursi acusou a maioria das forças da oposição de boicotar as tentativas de diálogo propostas pela Presidência.

“Cometem um erro ao acreditarem que podem se impor sobre a legitimidade da força deste povo que provou o sabor da liberdade”, assegurou Mursi, que fez um alerta com base na destruição da revolução de 2011, na qual o presidente Mubarak foi deposto após quase 30 anos no poder.

Para Mursi, “a falta de respeito à legitimidade constitucional ameaça a prática democrática com um desvio de seu caminho correto e a liberdade de expressão que o Egito viveu após a revolução”.

Neste contexto de indefinição, centenas de milhares de pessoas aguardam o comunicado que os militares divulgarão em breve na Praça Tahrir.

Violência contra mulheres

Pelo menos 91 mulheres foram assediadas sexualmente e até estupradas na praça Tahrir, no centro do Cairo, cenário dos protestos, segundo denunciou hoje o grupo Human Rights Watch (HRW).

Os abusos têm ocorrido desde o início das manifestações, no domingo (30), em um clima de impunidade, apesar da ação dos voluntários que estão na praça e que tentam evitá-los, apontou a organização em comunicado.

O HRW pediu às autoridades e líderes políticos a condenação do nível “espantoso” que a violência sexual contra as mulheres chegou em Tahrir.

“Esses crimes estão impedindo as mulheres de participar plenamente da vida pública do Egito no momento crítico que o país atravessa”, afirmou o subdiretor da Human Rights Watch para o Oriente Médio, Joe Stork, que criticou o fracasso do governo e as forças políticas em enfrentar esse problema.

A iniciativa egípcia chamada Operação Anti-Assédio Sexual colocou à disposição das vítimas uma linha de telefone e confirmou que no domingo passado foi o dia que mais recebeu denúncias, com 46 agressões.

Em alguns casos, as mulheres foram atacadas com facas, correntes metálicas, paus e até cadeiras. Outras vezes, sofreram o assédio sexual durante 45 minutos antes de conseguir fugir.

O fenômeno da violência sexual é uma praga no Egito há anos. Segundo relatório de 2010 do Centro Nacional para os Direitos das Mulheres, 83% das mulheres egípcias foram vítimas de assédio sexual e só 12% delas denunciaram a agressão à polícia.

Com agências Brasil e EFE

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