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Vitória na OMC coroa política externa iniciada em 2003 por mudança na ordem mundial

Avaliação é de que eleição de Roberto Azevêdo, primeiro americano a comandar organização, reflete fortalecimento do Brasil iniciado no governo Lula, com pressão para romper barreira EUA-Europa

Azevêdo, negociador hábil, foi um nome bem escolhido pela diplomacia brasileira (Martin Alipaz. EFE)

São Paulo – A eleição do diplomata Roberto Azevêdo como diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma vitória da política internacional adotada pelo Brasil a partir de 2003. O novo diretor da OMC foi escolhido mediante consulta aos 159 países membros da organização. Nove candidatos se apresentaram para a sucessão do francês Pascal Lamy, restando na etapa final apenas Azevêdo e o mexicano Hermínio Blanco.

A presidenta Dilma Rousseff emitiu nota em que agradece o apoio recebido pelo candidato do país de governos de todo o mundo nas três rodadas de votação. “Ainda sofrendo os efeitos da crise mundial iniciada em 2008, caberá à OMC nos próximos anos dar um novo, equilibrado e vigoroso impulso ao comércio mundial, fundamental para que a economia global entre em novo período de crescimento e justiça social”, diz o comunicado. “Ao apresentar o nome do Embaixador Azevêdo para esta alta função, o Brasil tinha claro que, por sua experiência e compromisso, ele poderia conduzir a Organização na direção de um ordenamento econômico mundial mais dinâmico e justo. (…) Essa não é uma vitória do Brasil, nem de um grupo de países, mas da Organização Mundial do Comércio.”

“Toda a estratégia implementada desde 2003 pelos governos de Lula e Dilma visava colar a imagem do Brasil numa política mais ampla de reforma das instituições multilaterais, com foco no desenvolvimento dos países”, lembra o professor Giorgio Romano Schutte, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ele destaca que posições fortes defendidas pela diplomacia brasileira no período deram lastro à candidatura, como a proposta de incluir na pauta da OMC a intensa desvalorização cambial que vem sendo praticada por vários países do mundo como forma de enfrentar a crise internacional. “Não foi um país com uma candidatura em cima do muro. Teve posições fortes e, ao contrario do que se falava aqui, ganhou respeito e confiança, principalmente dos países em desenvolvimento”, diz.

Um dos primeiros passos nessa direção ocorreu já em 2003, durante reunião da OMC em Cancún para dar continuidade à Rodada de Doha, processo de negociação que visa a derrubar barreiras e promover o comércio internacional. “Normalmente, o acordo era feito entre Estados Unidos, Europa e Japão, eles vinham com o pacote pronto. Nessa ocasião, o Brasil e outros países articularam o grupo, que ficou conhecido como G20 Comercial, e reunia países que não necessariamente tinham as mesmas visões, mas queriam quebrar a hegemonia desse grupo pequeno de países-membros”, lembra Romano. O Brasil manteve postura firme nas negociações cobrando o fim das barreiras e subsídios agrícolas praticados pelos países desenvolvidos. “Isso emperrou a negociação. Articulou conjuntamente com a Índia e chegou perto de acordo, mas impasse continua”, afirma.

No sentido da redistribuição de forças, a eleição de Azevêdo também é simbólica porque atraiu todos os votos dos Brics, bloco formado pelas economias emergentes Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil. O diplomata será o primeiro americano a comandar a OMC.

A especialista em comércio exterior Marília Castañon Pena Valle, ex-coordenadora-geral do Departamento de Defesa Comercial, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, afirmou à Agência Brasil que a vitória deve ser observada como resultado de uma atuação “séria e correta”. “É muito importante o significado para o Brasil do embaixador Azevêdo [na direção-geral da OMC]. É o primeiro latino-americano, brasileiro, e que tem uma longa trajetória nas negociações comerciais internacionais”, destacou. “Ele terá pela frente um grande desafio: destravar as negociações que estão paralisadas, principalmente devido às crises econômicas.”

Neymar

A indicação de Roberto Azevêdo como candidato também foi um fator relevante. Diplomata de carreira especializado em assuntos econômicos, desde 2008 ele é o representante do Brasil na OMC e um dos principais negociadores do conjunto dos países em desenvolvimento. Antes, ocupou diversos cargos relacionados a assuntos econômicos no Ministério das Relações Exteriores, tendo atuado em contenciosos como os casos de subsídios ao algodão (iniciado pelo Brasil contra os Estados Unidos), subsídios à exportação de açúcar (iniciado pelo Brasil contra as Comunidades Europeias) bloqueios à importação de pneus reformados (litígio iniciado pelas Comunidades Europeias), além de chefiar a delegação brasileira na Rodada de Doha.

Lula e Amorim deram início a uma agenda de reforma das instituições multilaterais

“Ele está há muitos anos liderando a representação brasileira em Genebra. Não é alguém que inventaram para ficar encostado, mas o negociador que o Brasil entende ser o melhor nessa área. Escalaram o Neymar em campo”, brinca Romano. Em coletiva, o chanceler Antonio Patriota também recorreu a uma metáfora futebolística para elogiar o eleito. “Um dos aspectos que influenciou o apoio ao embaixador Roberto de Azevêdo foi o sentimento que ele não precisava ser treinado para o cargo: estava treinando para o jogo e para chutar ao gol”, disse. “É um resultado muito importante que reflete uma ordem internacional em transformação, que é de países emergentes que demonstram uma liderança.”

Em funcionamento desde 1995, quando substituiu o Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, na sigla em inglês), a OMC é responsável por mediar as transações comerciais em todo o mundo. É um dos principais organismos internacionais, ao lado do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e da própria Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Romano, a OMC se destaca por ter poder de intervenção de fato. “É uma instituição com dentes. Suas decisões são vinculantes, criam jurisprudência que se soma aos acordos internacionais existentes. Ela tem poder de permitir retaliação, como fez na recente vitória do Brasil sobre os EUA no caso do algodão”, explica o professor.

Empresários

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) declarou em nota receber com “entusiasmo” a vitória do brasileiro e afirma ter contribuído decisivamente para a escolha, “ao defender junto a diversas delegações internacionais a candidatura de Azevêdo como hábil negociador”. “Além de fortalecer ainda mais o sistema multilateral de comércio, a eleição de Roberto Azevêdo é prova da importância crescente que o Brasil vem assumindo no cenário internacional”, afirma o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. “É motivo de orgulho para o país ter um brasileiro no comando de uma organização tão importante como a OMC.”

Também em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou que se trata de um reconhecimento da qualidade da diplomacia brasileira. A CNI informou ter expectativa de que Azevêdo “resgate a relevância do principal órgão de administração do comércio internacional”. “O fortalecimento da OMC é importante para a construção de regras claras que deem estabilidade jurídica para os fluxos comerciais, atendam aos compromissos assumidos entre os países e combatam as práticas desleais como subsídios à exportação e dumping”, diz o comunicado.

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