Contra Michelle Bachelet

Presidenciável critica sistema eleitoral chileno e pede relação mais próxima ao Brasil

Marco Enríquez Ominami defende a ideia de plebiscitos para reformar a Constituição do país e discutir temas polêmicos

 

Santiago – Há quatro anos, ele estava sozinho. Sem partido, sem o apoio de candidatos ao Congresso, com pouco dinheiro e um objetivo: ser presidente do Chile, vencendo um sistema eleitoral que favorecia o bipartidarismo que ele mesmo havia rechaçado. Em 2009, o publicitário e cineasta chileno Marco Enríquez Ominami fracassou, embora tenha conseguido algumas façanhas.

Foi o primeiro candidato independente a obter mais de um milhão de votos, e também o único a conseguir tantos votos sem concorrer por nenhum dos dois grandes grupos políticos do país – a Aliança, de direita, que atualmente governa o país com Sebastián Piñera, e a Concertação, de centro-esquerda, onde ele militou durante dez anos. Ainda assim, seus 20,14% quase o levaram ao segundo turno.

A meta de Ominami para as eleições presidenciais de novembro de 2013 é justamente essa, chegar ao segundo turno. Segundo as últimas pesquisas, ele tem 8% das intenções de voto e está em segundo lugar, empatado tecnicamente com outros dois candidatos, todos muito atrás da ex-presidente Michelle Bachelet, que com seus 49% luta para vencer em turno único.

Mas desta vez ele já não está só. Junto com outros dissidentes da Concertação, ele formou o PRO (Partido Progressista), que estreou nas eleições do ano passado elegendo dois prefeitos no norte do país. A campanha será, novamente, a mais barata entre os presidenciáveis, mas pelo menos permite ao partido oferecer um café da manhã para alguns correspondentes estrangeiros, no qual Opera Mundi esteve presente.

Entre um copo de suco aqui e um sanduichinho ali, que frearam um pouco o seu tradicional ritmo acelerado de falar, Ominami abordou as propostas que pretende defender em sua campanha. Prometeu um Chile Federal, com mais autonomia para as províncias, comentou a crise educacional e defendeu medidas consideradas polêmicas, como o matrimônio homossexual e a regulação da maconha.

Falou ainda sobre o Chile que pretende projetar ao mundo, com maior presença nos organismos internacionais e com prioridade às alianças estratégicas, entre as quais citou o Brasil, e lembrou-se de Lula, quem ele considera “a grande referência da política sul-americana hoje”.

Eleições primárias

“É irônico ver que alguns líderes da Concertação hoje me critiquem porque meu partido ainda não tem estrutura para fazer primárias, sendo que em 2009 eu tive de sair do partido porque insisti em fazer primárias e eles preferiram eleger um candidato entre quatro paredes (o democrata cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle, que perdeu para  Sebastián Piñera)”.

“A campanha publicitária do governo para convocar os eleitores a participar nas primárias é a síntese do duopólio político que existe no Chile hoje. No comercial, você vê alguns dos jornalistas e apresentadores de televisão mais famosos do país sentenciando: ‘o seu candidato não existe se você não vota nele nas primárias’. Ou seja, nós que somos candidatos de outras frentes menores, que não temos condições estruturais para fazer primárias, que estamos fora do duopólio, não existimos? Iremos à Justiça Eleitoral questionar se uma campanha com dinheiro público pode fazer esse tipo de discriminação”.

Crise na Educação

“O governo tenta omitir o tema da gratuidade no ensino público com essa demagogia sobre a ‘qualidade’. Aristóteles dizia que a qualidade é algo inerente: a qualidade da zebra é ter listras. A qualidade da educação pública é ser gratuita e universal, porque é um dever do Estado para com todas as suas crianças e jovens”.

“Me incomoda ver Michelle Bachelet dizer que ‘quem pode pagar pela educação que pague’, porque eu sei que ela não pensava assim antes. Para nós, o filho do rico não é rico, quem é rico é o seu pai, e se ele pode pagar, que pague impostos, proporcionais à sua renda, para financiar educação gratuita para todos os chilenos”.

“Não sou contra as parcerias público-privadas na educação, sou contra a forma como isso se dá hoje, porque ela beneficia o lucro com dinheiro. Hoje o Estado dá uma subvenção para um ente privado que administra uma escola e cobre os seus gastos básicos, mas depois esse ente privado também cobra uma mensalidade. Mesmo que seja muito mais barata, por que está cobrando, se o Estado está bancando seu funcionamento? Isso nos parece errado. E a falta de regulação desses estabelecimentos gera outro problema, que é a discriminação, porque esse ente privado pode escolher ao bel prazer que alunos vai aceitar ou rejeitar, e essa segregação alimenta a desigualdade. O Estado não pode ser conivente com essa prática”.

Temas controversos

“O Chile de hoje tem um debate muito mais aberto em temas que eram tabu político. Hoje até mesmo alguns conservadores históricos aceitam deliberar sobre o matrimônio homossexual, mesmo que propondo soluções conservadoras, como o acordo de vida em casal, que somente dá direito a herança. Nós acreditamos que se pode avançar mais, e defender o matrimônio civil homossexual. Acreditamos, no caso das drogas, que é fundamental romper o vínculo dos consumidores de maconha com o narcotráfico, através de um Estado que assuma a produção e a distribuição da cannabis. O caso do aborto já é mais complexo, mas vamos promover um grande debate social a respeito desses e de outros temas”.

Chile Federal

“Se sou eleito presidente, no dia seguinte à posse eu convoco eleições diretas para intendentes regionais e assembleias regionais no Chile inteiro (no Chile atual, não existem assembleias regionais, e os intendentes são designados pelo presidente). Defendemos uma democracia mais participativa, e os movimentos mais fortes que lutam por essa participação popular nas decisões políticas do país são os regionalistas, que são tão fortes quanto o movimento estudantil, mas repercutem menos na capital. Esses movimentos lutam por mais autonomia regional e contra essa demagogia histórica dos partidos, que falam tanto em regionalismo durante as eleições, e depois passam quatro anos pensando que o país não passa de Santiago”.

Assembleia Constituinte

“Algumas diferenças que tenho com a Bachelet são de visão de sociedade. Ela está sendo assessorada pelos arquitetos da transição, e no plebiscito que marcou a transição nós dissemos ‘não ao Pinochet’, mas não dissemos que tipo de democracia queríamos. O Chile vive a lógica do ‘não’ desde aquele plebiscito. A Concertação fala ‘não à constituição de Pinochet’ (a constituição vigente no Chile ainda é a imposta pela ditadura, em 1980) mas não fala em ‘assembleia constituinte’. Temos que derrubar esse paradigma.

 

“A melhor maneira de se criar uma assembleia constituinte é através de um plebiscito vinculante. Eu não sei por que os conservadores tanto da direita quanto da Concertação satanizam tanto essa ideia, se até a Constituição da ditadura prevê a figura do plebiscito e o próprio Pinochet organizou dois, e um deles o derrubou do poder”.

Política exterior

“A política exterior do Chile é insuficiente. Para começar, precisamos levar o país de volta à América Latina. Nosso projeto de país não tem que ser igual ao do Brasil ou da Venezuela, mas é importante estar integrado aos dois e a todos da região, além de ter um maior protagonismo em instâncias internacionais como a União das Nações Sul-Americanas e Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos.

“Queremos apostar nossas relações também com os BRICS. Hoje somos um parceiro comercial menor da China, essa relação poderia ser melhor, e com a Índia também. Mas, sobretudo, devemos fortalecer nossos laços com o Brasil, que cresce a passos agigantados e tem uma figura com a importância de Lula na região e no mundo. Seria um aliado estrategicamente muito importante”.

“Precisamos de uma diplomacia mais ágil. Que antecipe os problemas, não somente reaja aos que aparecem pelo caminho. Hoje, o Chile está no Tribunal da Haia por dois conflitos fronteiriços com países vizinhos (Bolívia e Peru) e temos sorte de não serem três, porque os Kirchner nunca quiseram usar politicamente os conflitos pendentes que temos com a Argentina. Somos um país que tem somente três fronteiras e as três estão em conflito permanente, isso é um fracasso retumbante”.

“Os demais países da região nos olham com desconfiança, temos que mudar essa imagem. Quando defendo uma saída ao mar para a Bolívia, não falo só de uma política de Estado, mas de uma visão de sociedade, de um país diferente com outros valores e relação com os seus iguais”.

 

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