oriente médio

Israel: pressão étnica e social coloca democracia em xeque

Proposta de reforma política poderia dificultar presença de partidos árabes e de esquerda no parlamento

CC/Takver

Israelenses protestam contra política externa do país em relação à Palestina. Democracia em xeque na potência do Oriente Médio

Jerusalém – Os integrantes do Knesset, o parlamento de Israel, pareciam tomados de surpresa quando o deputado David Rotem (do partido Likud Beytenu, o principal da coalizão governista), presidente da Comissão de Leis, subiu na tribuna para defender sua proposta de reforma política. Até aliados, naquela tarde de maio, foram pegos de calças curtas.

Os três principais itens de sua emenda afetam a estrutura institucional. O primeiro amplia de 45 para 100 dias o tempo que a administração possui para aprovar o orçamento nacional, estendendo a margem de manobra para aplicação de medidas governamentais sem chancela legislativa.

O segundo estabelece mínimo de 61 assinaturas, em um total de 120 representantes, para que seja levado a plenário qualquer moção de desconfiança contra o primeiro-ministro. Na prática, retira da minoria o poder de discutir, em pleno regime parlamentarista, a continuidade ou não da administração.

O terceiro aumenta de 2% para 4% a cláusula de barreira, isto é, o piso de votos que um partido deve ter para ocupar cadeiras parlamentares. A aplicação dessa regra tiraria todos os partidos árabes e de esquerda do Knesset, por exemplo, pois nenhum deles historicamente atinge o patamar indicado. Mesmo pequenas agremiações de direita seriam afetadas.

Os discursos irados e reclamações de correligionários não dobraram a disposição de Rotem, amparado por outras legendas pró-governo. Por 51 a 43 votos, em primeira leitura, a reforma foi aprovada. Para que passe a vigorar, no entanto, terá que ser referendada no comitê presidido pelo proponente e votada mais duas vezes em plenário.  O que Rotem parece buscar, afinal, é aprofundar mecanismos de estabilidade em um país cortado por tensões étnicas e sociais. Mas muitos ficaram assustados.

Reações

“Esta reforma é uma marca de Caim na testa do Likud”, afirmou o ex-presidente do Knesset Reuven Rivlin, ele próprio um dos membros da agremiação governista que violaram a disciplina partidária para votar contra a medida. “Esse projeto representa a destruição da democracia. A minoria ficará sem direito de ação e vozes da sociedade estarão expulsas do Knesset.”

A reação mais dura, no entanto, veio da oposição. “Esta proposta é brutal, hipócrita, ditatorial”, declarou a líder do Partido Trabalhista, Shelly Yacimovich. “Isso é uma piada? Se tivéssemos 61 parlamentares do nosso lado, formaríamos nosso próprio governo!”.

O Meretz, partido da esquerda sionista, que também poderia ser decepado após a reforma, tampouco deixou barato e reagiu através de sua líder, a deputada Zehava Gal-On: “O gabinete de Netanyahu está dando o sopro da morte na democracia israelense.”

Quem arrisca explicação mais abrangente sobre as medidas propostas pela maioria da coalizão Likud Beytenu é o comunista Dov Khenin, de origem judaica, um dos quatro membros do Knesset eleitos pela lista do Haddash (Frente Democrática pela Paz e a Igualdade, liderada pelo Maki, o PC israelense). “A direita sionista está amedrontada com o crescimento dos protestos sociais e os riscos de maior resistência palestina, em Israel e nos territórios ocupados”, analisa. “As minorias precisam perder expressão institucional para não serem desaguadouro de lutas populares e nacionais.”

As últimas eleições de Tel Aviv, em 2008, animaram a possibilidade deste fortalecimento da esquerda não-sionista e sua aliança com setores dissidentes do judaísmo oficial. O próprio Khenin foi candidato a prefeito e conquistou 34,3% dos votos, sendo derrotado por Ron Huldai, com 50,3% dos sufrágios, que teve apoio de todos os partidos da direita e do centro. Apesar desse resultado não afetar a hegemonia nacional do Likud e de seus parceiros, novamente vitoriosos em 2009 e 2013, o parlamentar comunista não perdeu o otimismo.

“Estamos vivendo as contradições de um Estado que se constituiu como democracia apenas para os judeus, não para todos os cidadãos”, declara. “A escalada nacionalista e até discriminatória contra palestinos-israelenses não é sinal de força, mas tentativa de utilizar o discurso de defesa étnica-nacional para driblar a insatisfação social entre os trabalhadores judeus.”

Questão palestina

A análise de Khenin incorpora também os reflexos da política para os territórios ocupados. Defensor da solução dos dois Estados, um de maioria judaica e outro de soberania palestina, com a retirada imediata de Israel para as fronteiras anteriores a 1967, o deputado considera que a situação atual pode ser classificada como “colonialista”.

A permanência desse modelo, em sua opinião, exerce forte pressão sobre a democracia.“Os palestinos que são cidadãos israelenses têm direito ao voto, mas não os da Cisjordânia, que vivem em regime de apartheid”, acusa. “Se não houver retirada das tropas e dos assentamentos, com a entrega da região para a Autoridade Palestina, o sistema político será cada vez mais autoritário, pois quase a metade da população, entre a costa ocidental do rio Jordão e o Mediterrâneo, é composta por palestinos.”

O governo rechaça essa interpretação. Os parlamentares da direita não poupam esforço para argumentar que seus movimentos respondem apenas às questões de segurança ou estabilidade administrativa, não a uma doutrina de segregação ou à ruptura paulatina da concepção que o Estado de Israel deva ser judeu e democrático.

O que Khenin e outros questionam, no entanto, é se essa dupla condição pode sobreviver sem o reconhecimento pleno dos direitos coletivos das minorias nacionais e sem um acordo definitivo que leve à criação do Estado palestino. “As ameaças são evidentes, mas iremos defender cada polegada de nosso espaço nas instituições”, ressalta o deputado do Hadash. “O direito à autodeterminação judaica não pode se converter em uma caixa de ferramentas contra outros povos e contra a própria democracia”, protesta.