Depois de atropelar adversários, Correa deve atingir ampla maioria no congresso

Apuração será concluída na semana que vem, mas, com 90% dos votos contabilizados, tendência praticamente irreversível garantirá dois terços da Assembleia para o partido do presidente

Partido de Rafael Correa, Alianza País deve conseguir maioria na Assembleia Nacional e aprofundar sua revolução cidadã (Foto: Tadeu Breda/RBA)

Quito – Reeleito no último domingo (17) com cerca de 57% dos votos válidos, o presidente equatoriano, Rafael Correa, está prestes a conseguir ampla maioria também na Assembleia Nacional. A apuração ainda não foi concluída. Apesar de ter um território pouco maior que o estado de São Paulo, o Equador está repleto de rincões andinos e amazônicos de difícil acesso. Ademais, a contagem é parcialmente manual e não há urnas eletrônicas. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) conseguiu contabilizar até agora (23) cerca de 92% dos votos para presidente da República, 88% para assembleístas nacionais e 90% para assembleístas provinciais – que, juntos, definirão a configuração da Assembleia Nacional pelos próximos quatro anos.

Os resultados são parciais, mas já demonstram uma tendência praticamente irreversível. E a vitória do partido de Rafael Correa, Alianza País, se vislumbra ainda mais esmagadora que a reeleição do presidente no primeiro turno. A sigla deve conseguir um mínimo de 91 das 137 vagas que estarão disponíveis a partir da próxima legislatura – atualmente, existem 124 cadeiras. Isso significa que apenas o partido governista terá maioria de dois terços no congresso, com possibilidade fazer alianças eventuais com assembleístas eleitos por outras siglas de esquerda. O Avanza deve emplacar cinco deputados, e a coalizão entre Movimento Popular Democrático (MPD) e os indígenas do Pachakutik, atualmente na oposição, outros seis.

A ampla bancada governista na Assembleia daria ao presidente condições de aprovar leis que até agora não conseguiu sequer colocar em votação, como a Lei de Comunicação, alvo de intenso bombardeio da mídia tradicional e de setores que criticam um certo autoritarismo do governo. O apoio legislativo também lhe possibilitaria realizar mudanças na Constituição. Analistas ouvidos pela RBA acreditam que Rafael Correa deve, entre outras alterações, acabar com a proibição constitucional ao cultivo de organismos geneticamente modificados – os chamados transgênicos – no campo equatoriano.

O presidente também terá condições de reduzir algumas “travas” que a Constituição Plurinacional – considerada uma das mais inovadoras da América Latina em termos ambientais e direitos indígenas – coloca ao pleno desenvolvimento de atividades primárias, como a extração de petróleo e a mineração. O presidente já afirmou em diversas ocasiões que a Carta aprovada em 2008 é demasiado vanguardista e que seria perfeita para um país cuja população já tivesse todas as necessidades básicas atendidas – o que não é o caso do Equador. De acordo com a Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (Cepal), a pobreza ainda é uma realidade para 30% dos equatorianos. No campo, a situação é ainda pior.

No comício de encerramento de sua campanha, em Quito, a três dias do pleito que o reelegeria, Rafael Correa fez duas afirmações que contradizem os postulados constitucionais, sobretudo no que se refere aos direitos da natureza: “Não podemos seguir sendo pobres sentados em sacos de ouro”, ditado cunhado pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt que repete com frequência; e “A natureza deve servir primeiramente aos seres humanos”, ideia que rompe com a cosmologia indígena e que tem sido cada vez mais chamada por setores governistas de “pachamamismo” – em referência depreciativa ao conceito de Pacha Mama ou Mãe Terra.

Apesar de criticados por parte da esquerda equatoriana, as ideias propaladas por Rafael Correa calaram fundo no eleitorado. Prova disso é que o candidato que se dizia representante dos setores populares e dos movimentos sociais, Alberto Acosta, cuja principal proposta de campanha era exatamente respeitar a Constituição, teve pouco mais de 3% dos votos. Portanto, o presidente já não terá oposição à esquerda – pelo menos no terreno partidário.

À direita, seus adversários terão poder político bastante reduzido. O Creando Oportunidades (Creo) – grupo liderado pelo ex-banqueiro e adepto da Opus Dei, Guillermo Lasso, que ficou em segundo lugar na corrida presidencial com menos de 23% dos votos – terá a segunda maior bancada na Assembleia: cerca de 11 assembleístas, apenas. As outras duas legendas conservadoras com representatividade serão o Partido Social Cristiano (PSC), com sete deputados, e o Partido Sociedade Patriótica (PSP), com seis. O Partido Roldosista Equatoriano (PRE) e o Suma devem acabar com um assembleísta cada, nada mais.

Ao que parece, os eleitores entenderam e atenderam aos pedidos de Rafael Correa, que durante a campanha conclamou seus compatriotas a “sepultarem” a oposição nas urnas para que, com um congresso aliado, pudesse aprofundar e acelerar as transformações que vem implementando no país. “Não me deixem sozinho, companheiros”, rogou. Não o deixaram.

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