Renúncia do papa não deverá mudar perfil conservador da Igreja Católica

Para Frei Betto, Bento XVI será o principal cabo eleitoral no conclave da sucessão

Bento XVI atribuiu sua retirada à idade avançada; na sucessão, em março, 118 cardeais têm direito a voto (Foto: Alessandro Bianchi/Reuters)

São Paulo – A saída do papa Bento XVI e a eleição de seu sucessor não devem apontar para mudanças significativas na postura conservadora da Igreja Católica. “Ele vai ser o principal cabo eleitoral do conclave na sucessão. Então não vão eleger ninguém que não seja do seu agrado. Ele mesmo vai soprar dois ou três nomes”, avalia o teólogo e escritor Frei Betto. “Seja quem for eleito, vai depender dele enquanto ele estiver vivo. Nós só vamos conhecer o novo papa depois que Bento XVI morrer. Porque jamais o sucessor ousará desagradá-lo.”

Na opinião do professor Jorge Claudio Ribeiro, do Departamento de Ciências da Religião da PUC de São Paulo, as mudanças são uma questão de sobrevivência para a Igreja Católica. “Ou a Igreja muda ou se tornará irrelevante, por dois motivos: vai perder a credibilidade e por causa disso vai perder fiéis. Já está perdendo, mas vai perder definitivamente”, analisa Ribeiro. Para ele, especulações sobre se o papa será ou não da América do Sul, por exemplo, ser negro ou branco, são irrelevantes diante de algo mais importante. “O que precisa é alguém com olhar atento e amoroso para as pessoas. Não tem cabimento um papa reprovar a homossexualidade nos dias de hoje. Onde é que tem na Bíblia que Jesus reprovava?” 

Mas o conservadorismo, uma das marcas de Bento XVI, não abandonará o Vaticano após o conclave que elegerá o novo papa em meados de março. O papa renuncia, mas manterá o poder, acredita Frei Betto. Não haverá mudanças em questões como celibato, participação das mulheres na Igreja, reconhecimento do casamento entre homossexuais e outras. “Tudo isso vai continuar fechado enquanto Bento XVI estiver vivo. Mesmo que o novo papa esteja disposto a abrir o debate sobre essas questões”, arrisca o frade dominicano, que acha difícil apontar favoritos entre os cardeais na sucessão, à medida que o atual papa manterá sua influência. “Isso tudo é especulação. Mas eu acredito que vai ser um europeu, porque Bento XVI vai ser o principal cabo eleitoral. E a minha avaliação é que ele não escolherá um não-europeu.”

Fatores da renúncia

Para Frei Betto, embora a renúncia seja, “primeiro, um grande gesto de humildade, o que para Igreja é muito importante”, há também fortes motivações políticas para a atitude de Bento XVI. “Acho que é o resultado não só do estado de saúde dele e da idade avançada, mas de outros cinco fatores: os casos de pedofilia na Igreja, a corrupção no banco do Vaticano, o vazamento de documentos sigilosos, a traição do mordomo e o desgaste da Igreja Católica na Europa.” Como exemplo desse desgaste, o escritor diz que em países como Bélgica e Holanda, por exemplo, são realizados seminários que ficam praticamente vazios. 

Segundo o próprio papa, o motivo principal foi sua saúde e idade avançada. “Cheguei à certeza de que, pela idade avançada, já não tenho forças para exercer adequadamente o ministério petrino”, disse ele no comunicado em que tornou pública a renúncia, na última segunda-feira (11).

Entre os atuais 209 cardeais da Igreja Católica, 118 têm direito a voto (ainda não têm 80 anos). Cinco são brasileiros: Geraldo Magella, arcebispo emérito de Salvador; Raymundo Damasceno, cardeal-arcebispo de Aparecida; João Braz Avis, ex-arcebispo de Brasília, atual prefeito da Congregação para a Vida Consagrada; Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo; e Odilo Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo. Bento XVI deveria vir ao Brasil em julho, para a Jornada Mundial da Juventude.

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