Analistas reconhecem avanços de Rafael Correa, mas criticam falta de diálogo

Para especialistas, conquistas em saúde, educação, seguridade social e infraestrutura são inegáveis, mas relação com movimentos sociais contrários aos projetos extrativistas sinalizam 'conservadorismo'

Entusiastas do presidente e de seu partido, Alianza País, se concentram em Quito para assistir encerramento da campanha (Foto: Tadeu Breda/RBA)

Quito – Analistas ouvidos pela Rede Brasil Atual na capital do Equador, Quito, reconhecem avanços obtidos pelo presidente Rafael Correa – sobretudo em saúde, educação e infraestrutura pública – mas apontam falta de diálogo com setores populares e preveem conflitos sociais para o próximo mandato, caso os resultados das pesquisas se confirmem e o mandatário garanta hoje (17) mais quatro anos à frente do Palácio de Carondelet. Segundo os especialistas, a reeleição de Correa também manteria a configuração geopolítica da América do Sul e estimularia a integração regional.

São inegáveis os bons resultados colhidos pelos seis anos da revolução cidadã, nome com que o presidente batizou sua gestão. “É um governo que cumpriu a aspiração da maior parte do povo equatoriano, que queria o retorno do Estado depois de 30 anos de retrocesso, restrição orçamentária, eliminação de instituições públicas e ausência do governo nos lugares mais distantes do país”, afirma o sociólogo Pablo Ospina, professor da Universidade Andina Simón Bolívar (UASB). “Rafael Correa prometeu que acabaria com o modelo neoliberal e passou a investir os recursos arrecadados pelo Estado.”

O resultado até agora foi uma redução de 10 pontos nos índices de pobreza, que passou de 37% para 28% da população – cerca de 4 milhões de pessoas. Isso significa que 900 mil equatorianos aumentaram seus rendimentos e deixaram de viver com apenas US$ 2,4 por dia. Os destaques, porém, estão em saúde e educação. A nova Constituição, aprovada em 2008, determinava que essas duas áreas da política pública deveriam receber todos os anos uma fatia mínima de 6% e 4% do PIB equatoriano, respectivamente. Ospina sublinha que, de lá para cá, essa obrigação nem sempre se cumpriu. “Houve um estancamento a partir de 2010.”

Contudo, as cifras oficiais mostram que 600 mil crianças se incorporaram às escolas públicas durante a gestão de Rafael Correa. Atualmente, 95% delas estão matriculadas no ensino primário, graças à eliminação de taxas de matrícula e fornecimento gratuito de material didático, uniformes e merenda – que antes os alunos tinham de pagar. A revolução cidadã também ajustou o salário de 100 mil professores e estabeleceu critérios de remuneração condizentes com seu desempenho.

Os progressos na saúde também se fazem visíveis no cotidiano do país. O investimento público na área mais que triplicou nos últimos seis anos: passou de US$ 535 milhões, em 2006, para US$ 1,7 bilhão, em 2012. O número de consultas gratuitas nos hospitais e postos de saúde duplicou de US$ 16 milhões para US$ 34 milhões. A mortalidade infantil caiu de 27% para 8%. Na primeira metade de 2013, o governo deve entregar 16 novas unidades hospitalares em todo o país.

“Rafael Correa manteve certos eixos de investimento público que retomam o protagonismo do Estado que as pessoas queriam”, continua Pablo Ospina, enumerando o sistema de justiça e a Polícia Nacional como outros alvos preferenciais do dinheiro estatal. “O governo investiu quase sem restrições em segurança por causa da criminalidade, assunto pelo qual o presidente é bastante criticado.” O professor da UASB lembra ainda o empenho da revolução cidadã em melhorar a infraestrutura física do Equador. “Teve muito sucesso em construir estradas, hidrelétricas, pontes, portos e aeroportos.”

Apoio popular

Fazer um uso mais social dos recursos oriundos do petróleo – produto que sustenta a balança comercial do país – e revertê-los em benefício da maioria da população acabou fazendo com que Rafael Correa arrecadasse um tremendo apoio popular. De acordo com o instituto mexicano Consulta Mitofsky, que divulgou em setembro uma pesquisa de popularidade realizada em 20 países americanos, inclusive nos Estados Unidos, o presidente do Equador conta com o apoio de 80% da população do país – índice que o qualifica como o líder mais querido do continente.

“Apenas por ter voltado a fazer do Estado equatoriano um Estado desenvolvimentista, como acontecia nos anos 1970, Rafael Correa já terá apoio popular para muitos e muitos anos. Bastou apenas retomar os níveis de investimento público anteriores”, analisa o professor Alejandro Moreano, catedrático da Universidade Central do Equador (UCE). “Ao recuperar a capacidade redistributiva do Estado, Rafael Correa também conseguiu golpear fortemente as oligarquias políticas e partidárias que comandavam o país.”

Outro pesquisador da UCE, Alex Zapatta, lembra que a retomada dos investimentos públicos foi acompanhada de uma série de ações políticas que contribuíram – e muito – para a construção de uma imagem nacionalista e soberanista do presidente dentro e fora do Equador. “O governo não renovou o convênio com os Estados Unidos que permitia a instalação de uma base militar estrangeira em Manta”, conta. “E quando houve o bombardeio do exército colombiano em Angostura, Rafael Correa manteve uma postura de dignidade nacional que agradou bastante.”

As apostas da revolução cidadã por fortalecer a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), bloco liderado pela Venezuela de Hugo Chávez, também teriam jogado a favor da liderança internacional do líder equatoriano. “Todos essas medidas são induscutíveis avançadas com relação aos governos que tivemos nos últimos anos”, pontua Zapatta. “O governo de Rafael Correa está exercendo um papel importante como modernizador do Estado. Colocou o Equador num novo contexto. Aonde isso vai nos levar, ainda não sei. O temor é que derive numa administração com práticas de criminalização aos setores populares.”

Déficit democrático

Aqui começariam os problemas. “A revolução cidadã tem um rosto bonito se olhamos de longe, mas, ao nos aproximarmos, vemos um monte de espinhas”, ironiza Pablo Ospina. “Rafael Correa tem sido um dos presidentes mais progressistas que tivemos no que diz respeito à condução da economia, mas vem se revelando conservador em sua relação com os movimentos sociais.” O professor da UASB lembra que existem mais de 200 militantes populares – em sua maioria indígenas e camponeses – sendo processados judicialmente por terrorismo e sabotagem no país. Em geral, foram presos em manifestações contrárias à instalação de projetos desenvolvimentistas nas áreas rurais e florestais do Equador.

Os conflitos sociais ao redor do extrativismo, sobretudo da nascente mineração industrial no país, são apontados como um dos principais problemas a serem enfrentados pelo presidente em seu próximo mandato, caso efetivamente vença as eleições. “Todo mundo acreditava que o governo seguiria uma linha de fortalecimento agrário e industrial do Equador, dentro de um marco de novas relações comerciais entre as nações da América do Sul”, analisa Alejandro Moreno. “Mas não: de repente Rafael Correa optou por reforçar a política estrativista de petróleo e minérios.”

O catedrático da UCE lembra que, diante da crise financeira de 2008, o crescimento econômico dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) acabou por segurar nas alturas o preço das matérias primas e favorecer a balança comercial dos países que exportam recursos naturais – sobretudo para saciar a sedenta indústria chinesa. A desvalorização do dólar, moeda utilizada pelo Equador, aumentou ainda mais o valor das commodities no contexto equatoriano.

A conjuntura global teria influenciado a decisão do presidente, que, continua Moreano, pôde assim manter uma política de redistribuição das exportações e subsídios à população. “Economicamente, esta estratégica funciona durante um certo tempo, mas, na prática, significa manter as piores formas da dependência. Caímos novamente no erro de hipotecar todo nosso desenvolvimento aos recursos naturais e ao mercado mundial”, diagnostica. “Portanto, que desenvolvimento real pode haver em nosso país? Esse é o ponto nodal do governo – e o que faz com que se enfrente aos setores populares, que rechaçam o extrativismo, seja porque acreditam na Pacha Mama, seja porque os projetos de extração afetam diretamente seu dia a dia.”

Um divisor de águas no Equador e no continente
O Equador é um dos únicos países da América do Sul, junto com o Chile, que não faz fronteira com o Brasil. Mas também é tocado pela floresta amazônica, além de ser cruzado pela cordilheira dos Andes, banhado pelo Pacífico e ter o privilégio de administrar as Ilhas Galápagos. Essa paisagem diversificada, concentrada num território pouco maior que o estado de São Paulo (283 mil km2), faz com que o Equador seja um dos países de maior biodiversidade do mundo. 
Aqui habitam 15 milhões de pessoas. A maior cidade é Guayaquil, com 2,4 milhões, seguida pela capital Quito, com 2,2 milhões. Seis milhões de equatorianos vivem na zona rural, dos quais 40% em condições de pobreza. Os indígenas são 10% da população e suas entidades formam o movimento social mais importante do país. A economia é fortemente baseada no petróleo. Diferente do Brasil, porém, o petróleo equatoriano se encontra na região amazônica, o que tem trazido problemas ambientais à floresta e seus habitantes. De acordo com estudos geológicos, as reservas do país começarão a minguar há cerca de 25 anos. Isso fez com que o presidente Rafael Correa começasse a abrir as portas do país à mineração industrial, também prioritariamente na Amazônia.
Após seis anos de governo, Correa é favorito para ganhar nas eleições amanhã (17) mais quatro anos de mandato. Seu favoritismo se deve à aprovação de uma nova Constituição, em 2008, além de amplas reformas realizadas por sua administração nos sistemas de saúde, seguridade social, educação e infraestrutura do país. A taxa de desemprego atual beira os 6%. 
Em resumo, Correa foi o primeiro presidente em décadas a investir o dinheiro obtido com a exportação de petróleo em programas sociais e na redução das desigualdades. As eleições do domingo serão o nono processo de consulta pública, entre referendos e eleições, a que se submete o presidente e seu partido. Até agora, venceu todos.
Sua reeleição representará uma continuidade aos processos de integração na América Latina, e ganhará relevância agora que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, maior entusiasta da chamada “Pátria Grande”, ainda luta contra um câncer e não se sabe se resistirá ao tratamento que realiza em Cuba há pouco mais de dois meses. Sua vitória significa a permanência do Equador em iniciativas como a Aliança Bolivariana para as Américas, Alba, na União de Nações Sul-Americanas, Unasul, e a disposição do país em ingressar para o Mercosul.

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