Chavistas e oposição disputam sentidos da Constituição para definir futuro da Venezuela

Texto diz que presidente eleito não precisa comparecer à Assembleia Nacional para tomar posse do cargo, mas também obriga novas eleições em caso de incapacidade física para governar

Os apoiadores de Chávez dizem que o texto constitucional é claro em garantir a posse e pedem respeito ao resultado eleitoral (Foto: Carlos Garcia Rawlins. Reuters)

São Paulo – Os setores que fazem oposição ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, começaram a sinalizar com mais força hoje (7) que não pretendem reconhecer a legitimidade do próximo mandato chavista se o presidente não estiver em Caracas para a cerimônia de posse. No poder desde 1998, Chávez foi reeleito para mais um mandato de seis anos no último dia 7 de outubro. Oficialmente, sua nova gestão começa na quinta-feira (10), mas ainda não se sabe se até lá o líder venezuelano estará recuperado de sua quarta cirurgia, realizada em Havana no dia 11 de dezembro. Durante sua mais recente estadia na capital cubana, onde se trata de um câncer, a Venezuela tem sido governada pelo vice-presidente, Nicolás Maduro, que viaja frequentemente à ilha para receber instruções de seu superior.

A Conferência Episcopal Venezuelana, representante máxima da igreja católica no país, foi a público pedir mais transparência por parte do governo sobre as verdadeiras condições de saúde do presidente. “Até hoje, não recebi oficialmente nenhum boletim médico”, expressou o monsenhor Diego Padrón numa coletiva de imprensa. “O governo não disse toda a verdade ao povo. Apenas comunicou, com evidente dificuldade, sua verdade política.” Diante dessas “incertezas”, o clérigo classificou o panorama político e social do país como “obscuro”, e pontuou os riscos que podem derivar-se das interpretações dúbias que governistas e opositores vêm fazendo da Constituição. “Está claro na letra e no espírito da Constituição que no próximo 10 de janeiro expira o mandato do atual presidente e começa outro, para o qual foi reeleito”, disse Diego Padrón. “Alterar a Constituição para alcançar um objetivo político é moralmente inaceitável.”

As observações da Conferência Episcopal Venezuelana vão ao encontro das declarações concedidas pelo governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, que ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais do último 7 de outubro. “Eu insisto: no dia 10 de janeiro se acaba um período constitucional, se instala um novo Congresso e se toma o juramente do novo presidente, para um novo mandato”, pontuou. “Em 10 de janeiro começa um novo período. Temos de dar segurança ao povo, e aqui existe um governo que não governa, um governo paralisado.” O partido político de Capriles, Mesa de Unidade Democrática (MUD), também foi a público nesta segunda-feira criticar a interpretação constitucional dos chavistas, de que a cerimônia de posse é apenas uma formalidade e que o resultado eleitoral é o que mais importa. As declarações tiveram ampla repercussão nos jornais contrários ao governo, El Nacional e El Mercurio.

O vice-presidente venezuelano, Nicolás Maduro, respondeu aos ataques da oposição dizendo que a “direita” do país está disparando – com auxílio da imprensa – suas versões “improvisadas e tergiversadas” do texto constitucional. “Isso mostra duas coisas: ignorância suprema sobre a Constituição e maldade. Juntas, maldade e ignorância só levam ao caminho da manipulação”, rebateu, frisando que o o governo seguirá à risca o artigo 231 da Constituição Bolivariana da Venezuela. “Queremos dizer ao povo que se tranquilize e, se tiver dúvidas, que leia a Constituição.” O artigo 231 diz: “o candidato eleito tomará posse do cargo de presidente da República em dez de janeiro do primeiro ano de seu período constitucional, mediante juramento à Assembleia Nacional. Se por qualquer eventualidade o presidente da República não puder tomar posse ante a Assembleia Nacional, o fará ante o Tribunal Supremo de Justiça”.

Em seu artigo 233, porém, a Constituição determina que a “falta absoluta” do presidente eleito antes de sua posse obriga o país a convocar novas eleições em 30 dias, período em que governará transitoriamente o presidente da Assembleia Nacional. De acordo com o texto, “falta absoluta” significa morte, renúncia, abandono do cargo reconhecido pela Assembleia Nacional, revogação popular do mandato, destituição decretada por uma sentença do Tribunal Supremo de Justiça, e incapacidade física ou mental permanente, certificada por uma junta médica designada pelo Tribunal Supremo de Justiça e aprovada pela Assembleia Nacional.

Se por algum motivo o presidente venezuelano, depois de empossado, se vê obrigado a deixar o poder, a Constituição diz que o vice apenas poderá assumir seu lugar caso já se hajam cumprido quatro dos seis anos de mandato. Caso a saída ocorra antes, o presidente da Assembleia Nacional deve assumir o poder por 30 dias, prazo para a realização de novas eleições. Reeleito como chefe do Legislativo venezuelano, Diosdado Cabello reiterou que Chávez continua sendo o presidente do país e criticou a interpretação constitucional da oposição. “O dia 10 de janeiro nunca será um espaço para que a vontade do povo seja vulnerada”, atestou. “Não vamos dar um golpe de Estado.”

Com El Nacional, El Mercurio e agências