Cristina Kirchner tem queda na aprovação, mas opositores não fazem sombra

Dúvida no momento é se presidenta tentará terceiro mandato ou se abrirá espaço para escolha dentro dos quadros do peronismo; opositores, pautados por setor da mídia, não conseguem forjar discurso

Frente a velhos problemas econômicos, Cristina precisa buscar novas soluções e se abrir ao diálogo com apoiadores (Foto: Casa Rosada)

Buenos Aires – A presidenta da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, encerra um 2012 bem mais complicado que o ano anterior, com queda de popularidade e embates duros, mas a oposição continua distante de encontrar um caminho que possa ameaçar a continuidade no pleito de 2015.

Restrições à compra do dólar, inflação cada vez mais alta e perda de fôlego da economia em meio à crise internacional formaram um cenário negativo para a presidenta, que entrou no segundo mandato, em janeiro, fortalecida por uma das maiores vitórias eleitorais da democracia argentina, amparada por 54% dos votos totais. O ápice da insatisfação se deu em novembro, quando panelaços levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas em todo o país. 

“Algumas medidas foram tomadas com claro grau de improviso, provocando mal-estar na população, de modo que se formou um ano complicado. Não um ano catastrófico, como pinta a direita, manipulando pesquisas”, afirma o professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), Edgardo Mocca. De acordo com sondagem divulgada no começo deste mês pelo diário Clarín, 62,9% dizem reprovar as atitudes da presidenta. 

Basicamente, de esquerda ou de direita, um governo latino-americano sofre com os mesmos problemas de sempre: economia patina, aprovação declina. No caso argentino, entra uma peculiaridade nada desprezível. Há anos pesa sobre o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), equivalente ao IBGE no Brasil, a acusação de que os índices de aumento de preços são manipulados. Não é preciso recorrer a consultorias privadas para confirmar-se esta visão porque em todos os cantos, para qualquer artigo de consumo que se escolha, do básico ao supérfluo, tudo está mais caro. Em novembro, o índice básico da cesta básica avançou 0,9% frente a outubro e 9,7% na comparação com o mesmo mês de 2011. Os mais pobres sentem isso na comida. Os setores médios, na escola e nos gastos com saúde. 

Soma-se a isso um crescimento do desemprego que, ainda que longe de ser galopante, incomoda e faz os trabalhadores perderem poder de negociação na hora de recompor os salários comidos pelo aumento de preços. No terceiro trimestre, a desocupação chegou a 7,6% da população economicamente ativa, 0,4 ponto percentual a mais que no mesmo período do ano passado.

“São coisas que mudam o modo de vida e merecem uma resposta diferente”, insiste Carlos Girotti, integrante da direção da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA). Para ele, há uma conjuntura internacional desfavorável ao país, que se transformou em um “vírus”, um exemplo negativo sob o ponto de vista do capitalismo financeiro. Isso, avalia, exige da presidenta mudar a fórmula que deu certo até agora, apostando em taxação maior para os mais ricos e em retomada de impostos sobre empresas, sistema derrubado durante a ditadura (1976-83). “Temos um terço da mão de obra em condições de informalidade. Se você não resolve isso, essas pessoas vão para a fileira da frente, junto ao inimigo. Os setores médios da população, a mesma coisa. Esses setores estão em disputa. Se você não tem uma mensagem clara, precisa, para esses grupos, eles são captados pela mensagem da direita.” 

Macri enfrenta na Argentina o problema que José Serra sofreu no Brasil: como se opor a um governo popular? (Foto: Eduardo Knapp. Folhapress)

A divisão entre as centrais sindicais é um dos reflexos desta dispersão de forças antes mais próximas do kirchnerismo. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e a CTA estão rachadas: não entre si, mas dentro de si. São bases sociais historicamente importantes para a sustentação dos presidentes peronistas. Agora, parte ajuda a oposição a mobilizar os panelaços, que tiveram as edições mais numerosas em novembro, e outra parte tenta forçar o diálogo com o Executivo. “Nós que temos uma ação propositiva perante o governo. Ele não vem perguntar o que nós achamos ou queremos, ou mesmo pedir o nosso apoio. Esse é o tipo de relacionamento que nós temos e que não é bom. Fica muito difícil para a gente defender o governo perante os próprios companheiros”, lamenta Girotti. 

E a hora não é propícia a brincadeira. 2013 tem eleições legislativas. Em 2009, quando o governo enfrentou seu pior momento nestes quase dez anos, Néstor Kirchner saiu derrotado na tentativa de garantir uma bancada governista grande a partir da província de Buenos Aires, e setores da oposição chegaram a falar publicamente sobre a possibilidade de encurtar o mandato de Cristina. Mas a presidenta impôs uma agenda social e econômica positiva, reverteu as dificuldades com a aprovação de uma série de projetos de lei voltados à garantia da cidadania e saiu vencedora em 2011 sem adversário que lhe fizesse sombra.

Nada novo, de novo

Mesmo com a queda na aprovação popular, a presidenta continua sem um oponente que pareça capaz de ameaçar o kirchnerismo. Os nomes são basicamente os mesmos de 2011, incluindo aqueles que sofreram uma derrota vexatória para suas fileiras. O ex-governador de Santa Fe, Hermes Binner, foi a novidade daquele pleito, saindo com alguma projeção para 2015. Maurício Macri, que preferiu a vitória certa na chefia de governo da cidade de Buenos Aires à provável derrota no quadro nacional, continua como promessa.

Ao lado deles continuam figuras batidas. Todos os dias, os jornais de oposição ao governo, Clarín à frente, reproduzem a opinião deles sobre os mais diversos temas políticos. Elisa Carrió, da Coalizão Cívica, foi a lanterna no ano passado, com 1,81% dos votos, quase nada se comparado aos 14,05% de 2003, quando figurou como promissora, e de uns anos para cá mantém-se como uma figura caricata, enxergando maldade do governo em todos os cantos do país. Ricardo Alfonsín, com 11,14% em 2011, reflete a perda de capital político da União Cívica Radical (UCR) e o enfraquecimento da herança do pai, o ex-presidente Raúl Alfonsín. O quarteto Binner-Macri-Carrió-Alfonsín continua como porta-voz das forças opositoras.

Daniel Scioli pode ser o candidato em 2015, mas terá de saber o momento certo de se lançar à disputa (Foto: Casa Rosada)

Segundo a mesma pesquisa divulgada pelo Clarín neste mês, 65,2% discordam da maneira como atuam os opositores. Apenas 29,7% dizem nutrir boa imagem do governador de Córdoba, José de la Sota. Binner chega a 29,4%, Alfonsín atinge 28,1%, e Macri ostenta 27%. O curioso é que o maior patamar é atingido pelo governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, com 37,1%, do mesmo partido da presidenta. 

A analista política Maria Esperanza Casullo, professora das universidades de Rio Negro e Di Tella, considera que os panelaços de novembro reuniram tanta gente porque parte da sociedade está insatisfeita, e não consegue encontrar um líder que lhes represente. “Para mim o panelaço expressa sobretudo que há um grupo social na Argentina que é profundamente antikirchnerista e que não tem representação política. Se este pessoal tivesse alguém que falasse com eles, seguramente não teriam saído de casa”, avalia. 

“O interessante da Argentina é que, ainda que existam figuras relativamente novas, como Binner, acabam tragadas. Centrados em um discurso sobre temas institucionais, sobre ameaças à República. São discursos que não têm ressonância na sociedade porque a sociedade não entende que haja ameaças à República. A oposição precisa encontrar um discurso econômico, que expresse claramente uma alternativa econômica ao governo. O tema central é o econômico”, acrescenta.

El gran tragador da história é o Clarín. Todos os dias, lança temas para o debate, e os políticos da oposição apressam-se a fazer-lhe eco, aparecem nos telejornais, voltam aos diários impressos. Um círculo que basicamente não se comunica com as massas, tarefa que Cristina cumpre com folga. “Não acredito na iminência de uma força claramente opositora e alternativa. Não há liderança, estrutura ou projeto que  possa projetar uma mudança do partido que tem o governo”, afirma Mocca.

“Não há como voltar ao imaginário neoliberal em um momento em que o mundo está com uma profunda interrogação sobre a continuidade deste tipo de esquemas, que são espaços profundamente antipolíticos e antidemocráticos porque colocam na mão da tecnocracia, da burocracia financeira, temas centrais para a democracia. Outro grande problema é o que chamo de matriz midiático-cêntrica da oposição. A oposição não consegue uma matriz de desenvolvimento político, programático, social, que não dependa do livreto elaborado pelos grandes meios de comunicação.”

Com isso, aposta o professor, o futuro da Argentina está dentro do atual governo, e não fora. Falta decidir se Cristina encampará uma proposta no Legislativo que abra a possibilidade constitucional de um novo mandato ou se começará a trabalhar pela escolha de um sucessor. O problema, neste caso, é o personalismo que sempre afeta a política argentina. Quem tentou sair das asas da presidenta ou de Néstor Kirchner para lançar a sorte, no geral, não se saiu bem. O último caso é o do governador da província de Buenos Aires. Depois de muito titubear, Daniel Scioli decidiu este ano assumir-se como possível candidato do Partido Justicialista em 2015. Acabou reprimido nos bastidores pelo governo federal, que passou a lhe criar algumas dificuldades.

O vice-presidente, Amado Boudou, foi escolhido muito mais para ser uma figura agradável e que não criasse problemas do que propriamente pela projeção futura, e nenhum dos ministros parece neste momento ter como postular uma candidatura. Além disso, Cristina não tem o partido nas mãos para impor um nome facilmente. Chegou-se a cogitar que o filho do casal presidencial, Máximo, poderia se preparar para assumir a Casa Rosada, mas ele tampouco figura até agora como uma personalidade com aceitação eleitoral e com capacidade administrativa. 

“O modelo Lula-Dilma não é de aplicação fácil na Argentina. Os setores mais tradicionais do peronismo medem os tempos para uma discussão sobre a sucessão que tem muito a ver com os tempos políticos. A candidatura de algum governador mais independente frente à conduta de Cristina não seria uma sucessão natural, uma mera continuidade. Seria uma interrogação sobre o projeto político em curso”, afirma Mocca. 

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