Justiça argentina considera ilegal prender quem produz maconha em casa

Magistrados argumentam que interferir em uma decisão privada fere a Constituição

“No âmbito da autonomia privada nos encontramos com a capacidade de cada indivíduo de definir seu próprio projeto de vida”, disse o juiz autor do voto vencedor (Foto: mAiclo. Flickr)

São Paulo – A Câmara Federal de La Plata, na Argentina, considerou inconstitucional o artigo 5º da Lei 23.737, que pune com prisão quem semeie ou cultive plantas que produzem substâncias entorpecentes para consumo pessoal. A leitura feita pelos magistrados da Sala 2 na última semana é de que o cultivo se enquadra como uma ação privada, protegida, portanto, pela Constituição.

A decisão foi tomada em torno do processo contra um casal preso este ano com plantas de maconha e sementes que estavam em uma estufa dentro da propriedade, localizada na província de Buenos Aires. “A conduta tem uma única possibilidade, que é o consumo pessoal, e, em consequência, não existe outro responsável além do autor”, afirmou o juiz César Álvarez, seguido por seus colegas na decisão. “Não é, de nenhuma maneira, compatível com a letra e o objetivo da primeira frase do artigo 19 da Constituição Nacional que se imponha uma sanção por tal conduta.”

Na propriedade do casal foram encontradas nove plantas, uma embalagem de papelão que continha galhos e folhas de maconha, um frasco com sementes e alguns ramos de galhos. Ambos foram processados com base no delito previsto no artigo 5º da Lei 23.737. Os juízes consideram que houve um grave problema de avaliação na quantidade da droga apreendida. “Reside aí um profundo erro, resultante de tratar as plantas como se fossem já materiais produzidos, o que conduz o juiz a atribuir a posse de 81.745 porções, quando em realidade somente tinham uma quantidade de maconha que razoavelmente pode ser destinada para o próprio uso”, adverte a sentença.

Para o juiz Álvarez, o artigo da lei em questão é claramente inconstitucional por entrar em conflito com as liberdades privadas. “No âmbito da autonomia privada nos encontramos com a capacidade de cada indivíduo de definir seu próprio projeto de vida, de elaborar suas próprias regras de conduta, em definitivo de ser e de fazer consigo próprio o que melhor lhe pareça, sem interferências, nem de outros, nem do Estado”, argumentou. “Não o legislador como sujeito ideal equiparável ao coletivo social, nem os diferentes indivíduos integrantes deste coletivo têm atribuição para legislar sobre as ações referentes aos outros indivíduos justamente porque não existe possibilidade de que as normas assim estabelecidas se projetem sobre suas vidas.”

América do Sul

O Uruguai tem um projeto de lei em tramitação para despenalizar a posse de maconha. A ideia do texto, apresentado pelo presidente José “Pepe” Mujica, é que o Estado seja o produtor e o regulador da venda, atribuída a uma política de redução dos índices de violência. Entende-se que desta maneira será enfraquecida uma das fontes de financiamento do narcotráfico, além de garantir a redução do consumo de substâncias mais nocivas à saúde.

Em agosto, logo depois do Uruguai, o Chile ganhou um projeto no mesmo sentido. Os senadores Fulvio Rossi, do Partido Socialista (PS), e Ricardo Lagos Weber, do Partido pela Democracia (PPD) propõem a inclusão de uma cláusula na lei nacional de Tráfico Ilícito de Narcóticos que permite o cultivo domiciliar da maconha para fins de uso, autoriza seu consumo, incluindo para fins terapêuticos, e o porte em pequenas porções.

 

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