Occupy Londres faz um ano com panelaço contra a austeridade

Apartidário e sem lideranças, movimento luta contra o sistema financeiro, que responsabiliza pela crise econômica que ameaça dominar a Europa e boa parte do mundo

Cartaz chama para manifestação em prédio ocupado da British Telecom ocupado em Holborn, no centro de Londres (Roberto Almeida/ Opera Mundi)

Há um ano, 3 mil pessoas indignadas com a irresponsabilidade do mercado financeiro e a austeridade imposta pelo premiê conservador David Cameron protestaram pacificamente na praça em frente à Catedral de São Paulo, em Londres. A manifestação foi o auge de um ano de tensão e denúncias por uma crise econômica já em curso na zona do euro, mas ainda pouco perceptível. Como o pior ainda estava por vir, muitos decidiram ficar.

Neste sábado (13/10), manifestantes vão relembrar com um panelaço em frente à catedral os sucessos e insucessos do movimento, irmão mais novo do Occupy Wall Street, mas que ainda hoje continua na ativa, em ações menores mas não menos impactantes. O último prédio público a ser ocupado foi uma biblioteca em Barnet, na periferia de Londres, que seria fechada em virtude dos cortes de orçamento do governo. O resultado foi positivo. Sob pressão, a biblioteca foi reaberta para a comunidade.

“Vamos nos juntar a Itália, Portugal e Grécia e dizer: Essa não é nossa crise! Não vamos pagar! Basta, basta!”, conclama o movimento em seu site oficial. O panelaço será também o primeiro passo para a marcha do dia 20 de outubro do Sindicato dos Professores do Reino Unido.

“Junte-se a nós para para demonstrar como o 1% está destruindo o Estado de bem-estar social, escolas, universidade, o espaço público e o Sistema Nacional de Saúde”, avisa. Haverá ainda um acampamento durante dois dias em um lugar não divulgado. O Reino Unido está em recessão e anunciou recentemente um corte de 10 bilhões de libras esterlinas (cerca de R$ 32 bilhões) em benefícios sociais para reduzir o déficit do país, na casa dos 7,9% do PIB.

Os primeiros passos

O exemplo do que uma ocupação é capaz vem da primeira noite da existência do movimento Occupy Londres, em 13 de outubro do ano passado, quando cerca de 20 barracas tomaram a área em torno da catedral, a maior do Reino Unido e símbolo máximo da Igreja Anglicana. Em poucos dias, elas se multiplicaram e eram mais de 100. Uma cozinha improvisada fora instalada para atender os manifestantes. Voluntários recebiam grandes doações em dinheiro e alimentos. 

Ao mesmo tempo, em uma barraca grande, no centro da praça, formava-se o embrião da Tent City University, ou Universidade da Cidade das Barracas, em que palestrariam nos meses seguintes nomes importantes da academia. Passaram por lá os sociólogo Manuel Castells, o geógrafo David Harvey, o antropólogo David Graeber, entre outros, para promover o debate de novas ideias para desconstruir a crise. O apoio ao movimento foi imprescindível para mostrar sua relevância no cenário da crise.

A crise estava estampada na grande faixa, pintada em vermelho e verde, voltada para a Bolsa de Londres, que gritava Capitalism is Crisis (Capitalismo é Crise). Uma ordem judicial proibira os manifestantes de entrar na área da bolsa de valores. Barreiras de aço foram instaladas para mantê-los à distância. Restava gritar com a faixa e bater o pé, ocupar a cidade e mostrar a insatisfação. 

“O Occupy Londres é um movimento do povo. Ele é apartidário, sem lideranças, pelo povo e para o povo. Recebemos a todos que, de boa fé, buscam reparação do governo através da não-violência”, dizia o primeiro documento do grupo, aclamado nas escadarias da catedral no dia 13 de outubro do ano passado.

O acampamento, de fato, era um organismo vivo, sem hierarquia, como presenciou o Opera Mundi por diversas vezes ao longo dos quatro meses. Nenhum porta-voz, todos voluntários no mesmo nível, sem filiação partidária ou laços claros com agremiações políticas. Membros do Anonymous, em suas máscaras de Guy Fawkes, eram os únicos que mantinham o nome do grupo à frente do movimento Occupy. Os demais eram apenas ocupantes de uma cidade dominada pelas corporações.

As barracas estavam instalada em solo da City of London Corporation, que detém controle jurídico da área central de Londres. O território, portanto, é privado – e não público como se imagina. A reação viria quase quatro meses depois, após uma curta batalha judicial.

O acampamento principal Occupy foi removido na madrugada do dia 28 de fevereiro de 2012 sob alegação de que o movimento estava interrompendo o fluxo de pedestres, facilitando problemas de saúde pública e causando transtornos aos turistas que visitavam a catedral. A ação da polícia demorou três horas. Vinte pessoas foram presas. A outra cidade de barracas, na Finsbury Square, cairia meses depois.

 

Aprendizado e resiliência

“Assembleia geral” e “consenso” eram palavras do dia a dia no mar de barracas, à primeira vista caótico. Para o olhar atento, era clara a tentativa de construir coesão entre pessoas tão diferentes, de países diferentes e histórias diferentes. O argumento comum, anticapitalismo em busca de alternativas, sustentava grupos de trabalho. Para aprender, era apenas preciso aparecer na hora combinada nos degraus da catedral ou na Universidade das Barracas.

Enquanto isso, outros pontos da cidade também eram ocupados por membros do movimento, expandindo o alcance e o impacto da ação (veja no mapa). Na mesma velocidade em que cresceu, o Occupy Londres ganhou seus primeiros críticos ferozes. O jornal Daily Mail levou câmeras com infravermelho para “verificar” se os indignados realmente dormiam nas barracas. A reação à reportagem no acampamento foi de naturalidade. A retaliação já era esperada.

Com o passar do tempo, no entanto, houve um desgaste interno no movimento, e a homogeneidade deixou de ser regra. Sem-teto, pessoas com claros problemas psicológicos e viciados em drogas pesadas passaram a frequentar o acampamento, acolhidos em termos pelos manifestantes. “Somos parte da sociedade, e a sociedade é assim”, argumentavam. Mas uma seringa deixada para trás foi o estopim da ação judicial, que alegava que o acampamento era um perigo à saúde pública.

Hoje, uma parte do movimento ocupa um prédio abandonado de sete andares em Holborn, no centro de Londres. O proprietário é a British Telecom. Há uma semana, ele se tornou uma vitrine para jovens artistas exporem seus trabalhos e fazerem performances. Enquanto isso, hackers fizeram uma ação para expandir o alcance do Bitcoin, a moeda alternativa da internet e símbolo de uma tentativa de perverter o maior inimigo do Occupy: o sistema financeiro.

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