Entre esperança e cautela, Farc e governo definem processo de paz

Reuniões em Oslo definem detalhes para discussões mais profundas nos próximos meses, em Havana

Bogotá – Começou oficialmente hoje (17), em Oslo, a quarta tentativa de diálogo de paz desde os anos 1980 entre o governo colombiano e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Depois de um atraso, ocorrido por problemas logísticos e legais, os últimos delegados do governo e dos rebeldes chegaram ontem à capital da Noruega e começaram uma primeira reunião em lugar secreto. A intenção é pôr um fim a 50 anos de conflito interno, o mais antigo no Ocidente. Mas a tarefa não deve ser fácil, como apontam especialistas entrevistados por Opera Mundi.

Espera-se que, nessa primeira fase, seja preparado o caminho para as discussões mais profundas, a serem realizadas em Havana nos próximos dias. Noruega e Cuba carregam a responsabilidade de garantir o processo de paz, mas não são os únicos países envolvidos. Chile e Venezuela também participam, sendo o recém-reeleito presidente venezuelano, Hugo Chávez, uma peça “fundamental” para ambas as partes.

Até o momento, nenhum cessar-fogo foi definido. As FARC pediram uma suspensão das atividades bélicas, mas o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, rechaçou a ideia. “Ficou muito claro desde o começo que não seriam suspensas as atividades militares até que seja assinado o acordo definitivo”, afirmou.

Por um lado, o governo tem bastante claro que as FARC já aproveitaram historicamente os processos de paz para se reagrupar e reforçar. Por outro, sabem que é a pressão militar foi o que, provavelmente, obrigou a guerrilha a se sentar na mesa de negociação.

Mas também é sabido que, apesar de dez anos de ofensiva militar e uma superioridade, especialmente por parte do exército, as FARC estão longe de sumir definitivamente e que, somente com o poder aéreo, não é possível controlar amplas áreas do território, de difícil acesso. Por isso, se sentar para o diálogo, e ainda mais em uma posição de superioridade, é a melhor chance que existe para Santos terminar o conflito.

Até o momento, os ataques da FARC – especialmente no conflituoso sudoeste do país – diminuíram cerca de 70% desde o anúncio do processo de paz. No entanto, para Ariel Ávila, analista do think tank Nuevo Arco Iris, pode ser uma “calma antes da tempestade”, pois, para as FARC, mostrar poder militar será uma carta importante de pressão na mesa de negociação. Ou seja, enquanto em Oslo e Havana se falará de paz, é possível que na Colômbia o conflito viva uma intensificação, fato que segundo a ONG International crisis group, já ocorreu em diversos outros processos de paz no mundo.

Nessa negociação ficou definido que “nada está definido até que tudo esteja definido”, ou, até que não exista um acordo sobre os cinco pontos da agenda (terras, drogas ilícitas, vítimas, participação política dos guerrilheiros e o fim do conflito), o acordo não será válido.

Pontos-chave

Nenhuma das partes espera que a negociação seja fácil, mas o ponto crucial será provavelmente o futuro político dos chefes guerrilheiros e o tema da impunidade ou suspensão da pena para os crimes cometidos, pelas quais alguns comandantes já têm múltiplas condenações, e as violações de direitos humanos.

Enquanto esse ponto é fundamental para as FARC, para o governo será delicado explicar aos colombianos o fato de a guerrilha ingressar na vida política daqueles que, até agora, as viam como terroristas. Isso sem contar as obrigações do Estado colombiano com a comunidade internacional, a Corte Penal Internacional e as convenções de Genebra.

Justiça

Essa semana, a Human Rights Watch se pronunciou em repetidas ocasiões sobre o tema e a necessidade de garantir “os direitos das vítimas na justiça”. José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da ONG, considera a negociação positiva. “Quem se oporia a iniciativas que buscam por um fim a um conflito que produziu tantas atrocidades e mortes?”, perguntou. Mas lembrou também que, segundo estudos da HRW, nas últimas décadas “ a impunidade generalizada em casos de atrocidades tem sido um fator-chave que permitiu a continuidade das violações de direitos humanos”.

Tudo isso sem contar a população civil. De acordo com as últimas pesquisas, 70% apoia o processo de paz. No entanto, quase na mesma proporção, se opõem à anistia aos líderes guerrilheiros e seu ingresso na vida política.

A mesma sociedade civil protagonizou uma série de manifestações nos últimos dias, especialmente com a liderança da Marcha Patriótica, cujas raízes são as zonas mais afetadas pelo conflito. “Há um país inteiro afetado pelas dinâmicas da guerra, que não está representado nessa negociação”, reclamou David Flores, porta-voz do movimento.

De fato, o governo parece querer manter o processo em um diálogo fechado com as FARC, o que foi criticado por vários setores da sociedade civil – dos movimentos sociais aos estudantes e sindicatos. Para eles, a definição de uma nova Colômbia precisa ser elaborada por todos os envolvidos e não somente os dois atores principais. 

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