Emissora australiana é condenada por fazer vídeo racista de indígenas brasileiros

Reportagem viola código de televisão, ao declarar que povo Suruwaha, no Amazônas, assassina crianças

“Fantasiaram os índios como monstros cruéis e inumanos”, disse diretor de organização que defende direitos dos índios (Foto:Survival/Adriana Azevedo)

São Paulo – O órgão de regulação da mídia da Austrália declarou hoje (21) culpada a emissora australiana Channel 7 por veicular reportagem considerada racista ao retratar o povo indígena suruwaha, no Amazonas, como “assassinos de crianças”. A reportagem foi veiculada pelo programa Sunday Night, em 2011, e afirma que esses índios incentivam o assassinato de crianças recém-nascidas de mães solteiras ou com doenças, abandonando-as na selva para serem devoradas por animais selvagens ou queimando-as. 

A Survival International, uma organização internacional de defesa dos direitos dos índios, pediu à emissora que divulgasse uma correção da reportagem. Diante da recusa, a organização apresentou uma acusação à Autoridade Australiana de Comunicações e Mídia, e esta a condenou por quebrar o código de televisão do país. 

“Essa foi uma das piores matérias sobre povos indígenas contemporâneos que já vimos. Fantasiaram os índios como monstros cruéis e inumanos, no mesmo desprezo colonialista do século XIX que os considerava como selvagens primitivos”, disse Stephen Corry, o diretor da Survival. A organização declarou que os suruwaha cometiam o infanticídio antigamente e que há  anos já não o praticam e divulgou declarações de indígenas que desmentem as informações da equipe de reportagem.

“Os australianos chegaram aqui. Eles chegaram e filmaram os suruwaha. E depois, mentiram ao nosso respeito. Eles fizeram muitas filmagens. Filmaram os suruwaha e foram embora. Chegaram na terra dos estrangeiros e mentiram sobre nós”, diz Giani Suruwaha em nota emitida pela Survival. 

A pesquisadora Sarah Shenker, responsável por essa campanha, explica que a organização não luta por respeito ao infanticídio. “A Survival se opõe a práticas não consensuais, ainda que ‘tradicionais’, que machucam ou matam pessoas. Isso inclui o infanticídio. Uma criança de colo, tão nova, não poderia consentir em ser assassinada”, disse ela. 

O órgão regulador australiano considerou que a Channel 7 violou duas cláusulas do código de televisão elaborado em 2010 pelo país. Uma  delas determina que as emissoras não podem produzir materiais que possam provocar ou perpetuar intenso desgosto, sério desprezo ou severa ridicularização contra uma pessoa ou um grupo. A outra cláusula prevê que as emissoras devem veicular informações factuais e precisas. 

O locutor da reportagem comenta que uma menina suruwaha disse que queria matá-lo, pois tinha medo dele. Contudo, de acordo com a Survival, ela só havia comentado que o temia pois o jornalista estava com muito protetor solar em sua pele.

Os suruwaha estão localizados na Terra Indígena Zuruahã, e, portanto, não estão sujeitos à lei geral brasileira, o que foi alvo de crítica da reportagem, na qual o apresentador diz: “Se nós tivéssemos sido mortos ali, o governo brasileiro não teria punido esses índios”. Juntamente com a reportagem, a emissora divulgou em seu website o trabalho da ATINI – Voz pela Vida, uma organização que busca erradicar o infanticídio entre povos indígenas e que criou o texto do Projeto de Lei Muwaji,  aprovado na Câmara de Deputados. A lei prevê uma proteção do Estado brasileiro a crianças que vivem em aldeias nas quais supostamente o infanticídio é cometido. 

A Survival é contrária à criação de lei. “Ela permitiria que crianças fossem removidas das famílias indígenas, sem provas de que há qualquer problema de infanticídio”, comentou Sarah.

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