Chile aprova reforma tributária para financiar projeto educacional de Piñera

Líder estudantil chilena Camila Vallejo criticou a medida, afirmando que a crise educacional não será solucionada

Santiago – Após quatro meses de negociações e divergências que geraram problemas internos tanto na bancada governista quanto na Concertação (principal coligação opositora, de centro-esquerda), foi aprovado na Câmara dos Deputados chilena ontem (4), a reforma tributária que permite ao presidente Sebastián Piñera transformar em decreto o projeto de reforma educacional anunciado em abril pelo ministro da Educação, Harald Beyer.

Embora a reforma tributária careça de aprovação também no Senado, que deverá ser ratificada hoje (5), o Executivo chileno considera o panorama muito mais difícil diante dos deputados, entre os quais o governismo não possui a maioria que mantém entre os senadores.

Além disso, as mudanças realizadas no projeto original visavam a atrair os votos da oposição em ambas as instâncias, sobretudo a diminuição da alíquota de impostos às pessoas físicas, medida que gerou ainda mais controvérsia com o movimento estudantil, mas que foi celebrada pela Concertação.

Com a aprovação encaminhada, o governo estima que os ajustes no projeto original, realizados durante os quatro meses de negociação, aumentaram em US$ 500 mil a perspectiva de aumento da arrecadação. Segundo o ministro da Fazenda, Felipe Larraín, os cofres públicos deverão receber em 2013 aproximadamente US$ 1,2 milhão (R$ 2,4 bilhões) a mais do que recebem hoje, e o valor adicional seria destinado totalmente para a reforma educacional.

Reforma educacional

O projeto de reforma educacional, proposto em abril pelo ministro da Educação, Harald Beyer, consiste em um pacote de sete medidas dedicadas principalmente a melhorar o acesso ao crédito educacional a estudantes do ensino superior e do ensino médio, além de reforçar o sistema de financiamento municipal dos estabelecimentos terceirizados do ensino fundamental.

Uma das medidas mais importantes prevê a criação de um fundo estatal que entregará e administrará os CAEs (créditos com aval do estado, principal programa estatal de bolsas de estudos¸ exclusivo dos estudantes universitários), o que hoje é realizado por bancos privados.

O projeto também prevê uma taxa fixa de juros de 2% ao ano para todos os programas de bolsas governo e um sistema de acesso aos mesmos que considerará critérios socioeconômicos, o que aumentaria as chances dos estudantes de famílias de baixa renda, além de estipular que a cobrança das bolsas reformadas só começará quando o estudante já formado ingressar no mercado de trabalho.

Segundo a Confech (Confederação dos Estudantes do Chile), a reforma demonstra falta de interesse do governo em solucionar a crise educacional do país e visa ganhar tempo. A porta-voz da entidade Camila Vallejo disse que “as propostas de Beyer visam a dar uma sobrevida de um par de anos a um sistema que continuará endividando as famílias e entregando formação insuficiente aos estudantes”.

Além disso, Vallejo destaca que nenhuma das medidas apresentadas pelo ministro ataca o problema do lucro nas instituições de ensino, proibido constitucionalmente e denunciado reiteradamente pela Confech, que reclama também da impunidade em que se encontram os casos mais conhecidos, como os da Universidade do Mar e da Universidade do Desenvolvimento.

Segundo o analista político Patrício Navia, da Universidade Diego Portales, a reforma educacional “mostrou que o governo reconhece nesta a última chance de recuperar algo de credibilidade de Piñera na reta final de seu mandato”, lembrando que as últimas pesquisas demonstram que sua popularidade varia entre 27% e 35%. Porém, Navia também faz um alerta, pois “a aposta do governo é a de diminuir a sensação de endividamento das famílias, e ainda que isso ocorra, pois é um efeito que está por provar-se, deveria demorar pelo menos dois anos para ser percebido pelas pessoas, e o presidente não tem nem metade disso de mandato pela frente”.

Reações divergentes

Em mensagem difundida ontem à noite, em cadeia nacional de rádio e televisão, Piñera agradeceu à oposição pelo apoio entregue ao projeto, afirmando que “o Chile sempre avança mais quando nós chilenos estamos unidos, e muitas vezes retrocede quando estamos divididos”.

O otimismo do mandatário não faz eco entre os líderes do movimento estudantil chileno, cuja reação indignada, por outro lado, estava muito mais enfocada na atitude da Concertação, que segundo os estudantes, traiu os anseios da sociedade chilena por uma mudança profunda no sistema. Segundo Vallejo, “a Concertação votou contra os seus próprios eleitores, votou contra aqueles que ainda acreditavam nela, viraram as costas para o país em troca de migalhas, que não trarão mudanças sociais significativas”.

A indignação com a postura da Concertação gerou rupturas internas ainda mais radicais. Na noite de ontem, um grupo de militantes da juventude do Partido Socialista invadiu a sede da legenda, no centro de Santiago, em protesto pelo apoio do bloco ao projeto governista. Uma das faixas colocadas pelos jovens em uma das varandas do edifício perguntava: “O que diria Salvador Allende?”, em alusão ao presidente socialista que governou o Chile entre 1970 e 1973, cuja filha, a senadora Isabel Allende, foi responsável por um dos poucos votos contrários ao projeto.

A reforma tributária também foi alvo de críticas, sobretudo de economistas, como Óscar Landerretche, chefe do Departamento de Economia da Universidade do Chile. Segundo o acadêmico, os ajustes beneficiam as pessoas de maior renda e são regressivas do ponto de vista da redistribuição de renda. “São medidas que beneficiarão gente como o presidente e o ministro da Fazenda (Felipe Larraín), beneficiará a mim, por exemplo, mas não traz nenhuma vantagem para os empregados que trabalham na minha casa”, explicou Landerretche.

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