Lugo reconhece erros, mas diz que resistir ao impeachment teria sido pior

O ex-presidente paraguaio acredita que a maior vitória de seu governo foi ter conseguido durar quase quatro anos em meio à falta de apoio no congresso e ameaças constantes de desestabilização

Os paraguaios saíram às ruas para defender o governo de Lugo, mas temiam repressão policial. Memória da violência é recente (Foto: Marcello Casal Jr./ABr)

São Paulo – “Se tivesse resistido, hoje em dia estaria isolado”, disse ontem (2) o ex-presidente Fernando Lugo sobre sua relativa passividade ante a decisão do congresso paraguaio em destitui-lo do poder.

Ao sofrer o impeachment-relâmpago, no último 22 de junho, o então mandatário resolveu acatar o veredicto dos parlamentares e, sem alardes, deixar o Palácio de López. Acredita que agiu bem. “Quem perde hoje, pode ganhar amanhã”, reflete. “Imaginem se eu tivesse mandado os senadores para cadeia e colocado tanques de guerra nas ruas? São situações que a democracia latino-americana já não pode tolerar.”

Durante conversa com a veículos da mídia progressista brasileira num hotel de São Paulo, Fernando Lugo afirmou que, ao contrário do que veicularam os meios de comunicação tradicionais, os paraguaios sim saíram de suas casas para defender o governo caído. “Foram mais de 40 protestos pelo território nacional”, contabilizou, ressaltando que em toda sua trajetória de lutas sociais nunca assistiu a mais de 15 mobilizações simultâneas no Paraguai. “Mas foram manifestações pacíficas.”

Violência

Fernando Lugo debita essa passividade ao histórico de violência contra os movimentos sociais no país. Entre os episódios mais recentes, o ex-presidente enumera as mesmas 17 mortes ocorridas na localidade de Curuguaty poucos dias antes de sua deposição – conflito que foi utilizado para justificar o julgamento político do mandatário e expulsá-lo do poder. Mas não foi apenas o massacre de Curuguaty que, segundo Lugo, pesou no imaginário da população.

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“Ainda temos muito fresco na memória os acontecimentos do Março Paraguaio de 1999, quando oito jovens foram assassinados por francoatiradores”, lembra, ressaltando que os políticos que articularam o impeachment estavam esperando mais violência e mais mortes: assim, se aproveitariam da situação para fortalecer seus argumentos sobre a instabilidade social gerada pelo governo Lugo.

“Me acusaram pela crescente insegurança pública no Paraguai, quando fomos os que mais prendemos narcotraficantes e promovemos uma queda na delinquência”, argumenta o ex-presidente. “Até a matança de Curuguaty, havíamos realizado 139 desocupações de terra sem derramar uma gota de sangue, sem violência, seguindo um protocolo de diálogo.”

Bom menino

As denúncias realizadas pelo congresso – que ainda incluem nepotismo – fazem Fernando Lugo acreditar que o impeachment-relâmpago não foi uma questão de lógica, mas de costura política. “Tentaram me derrubar 23 vezes, mas não tinham os votos necessários. Conseguiram apenas na 24ª.” E o golpe parlamentar veio mesmo sem que o governo do Frente Guasú tenha ferido os interesses da elite paraguaia ou das grandes empresas multinacionais que atuam no país.

“Não tomei nenhuma medida socialista, nem sequer de esquerda, absolutamente nada”, argumenta. “Aceitamos as regras do jogo: tínhamos a inflação sob controle, reservas internacionais duas vezes maiores que a dívida externa e o maior índice de crescimento econômico do continente.” Por isso, Fernando Lugo lamenta que seus esforços por adequar-se ao sistema tenham sido em vão.

E tem uma teoria sobre isso: para as classes dominantes paraguaias, acredita, o problema é o que viria depois de seu governo, ou seja, a continuidade do processo social desencadeado pelo presidente. “Eu não fiz nada e, pessoalmente, não era tão importante. Fui um bom menino”, reconhece. “Mas o que poderia vir depois de mim incomodava sobremaneira. Certas medidas que tomamos não lhes dava garantia total de que continuariam espoliando as riquezas paraguaias.”

Autoctrítica

O ex-presidente reconheceu alguns erros. O maior deles, que acabou por transformar discursivamente em autoelogio, foi não ter cedido às chantagens e à corrupção típicas dos partidos tradicionais. Um deles, aliás, era aliado do Frente Guasú: o Partido Liberal, agremiação do então vice-presidente Federico Franco, que após o golpe parlamentar assumiu o poder. “Era uma aliança estranha”, admitiu. “Desde o começo sabíamos que haveria divergências em questões como a reforma agrária e a distribuição de cargos.”

Fernando Lugo conta que muita gente o aconselhou a ceder às pressões dos liberais por postos na administração e verbas públicas. ‘Você tem de ser mais inteligente’, diziam, tem de lhes dar o que querem: que importa cinco ou dez milhões de dólares? “Sim, podia ter feito isso, e talvez ainda estivesse na presidência. Pode ser que tenha sido tolo, mas preferi deixar o poder a fazer essas coisas”, comentou. “Sempre falei que a primeira mudança no Paraguai tem de começar pela forma de fazer política no pais.”

Não deu certo – também porque, além de alianças equivocadas, o ex-presidente assume que não conseguiu formar uma base consistente no parlamento ou emplacar uma presidência forte no congresso. Para piorar, os grupos e organizações sociais que respaldavam seu governo não estavam devidamente articulados entre si. “Não havia sustento político à minha administração”, admite. “Eu era um cavaleiro solitário. Por isso, digo que nosso maior êxito foi permanecer quase quatro anos no poder, apesar da ameaça constante.”