‘Demos asilo a Assange porque não recebemos garantias’, diz embaixador equatoriano no Brasil

Em entrevista ao portal Sul 21, Horacio Sevilla-Borja também falou sobre as pressões do Reino Unido e a expectativa de que tudo se resolva pelo diálogo

Diplomata diz que decisão equatoriana obedeceu o direito internacional e foi precedido por muitas consultas (Foto: Germano Corrêa/MRE)

O embaixador do Equador no Brasil, Horacio Sevilla-Borja, diz que seu país ainda aguarda que o Reino Unido conceda salvo conduto para que Julian Assange possa sair de Londres. Em entrevista ao Sul 21, concedida por telefone, o diplomata explica as razões que levaram o governo equatoriano a conceder asilo diplomático ao fundador do Wikileaks e crítica as ameaças do governo britânico, que insinuou entrar na representação equatoriana para prender o ativista.

Sevilla-Borja diz que o Equador fez contato com todos os países direta ou indiretamente envolvidos no caso, inclusive os Estados Unidos, e assegura que não recebeu garantias de que Julian Assange teria seus direitos preservados e não seria “extraditado a um terceiro país”. Na entrevista, o embaixador também comenta o interesse do Equador em fazer parte do Mercosul e a relação do presidente Rafael Correa com a imprensa tradicional do país.

Como o senhor avalia a reação do Reino Unido à concessão de asilo pelo Equador a Julian Assange?

Vemos com bastante preocupação, porque o Reino Unido não tem cumprido as obrigações que possui em conformidade com o direito internacional. Uma vez que o Equador concedeu asilo a Assange, de acordo com as normas do Direito internacional, o que deve vir em seguida é a concessão do salvo conduto por parte da Inglaterra. Isso não aconteceu e esperamos que, diante das conversações entre os dois países, o Reino Unido cumpra com suas obrigações internacionais e conceda salvo-conduto a Julian Assange.

Por que o Equador decidiu conceder asilo ao fundador do Wikileaks?

O Equador é um membro responsável da comunidade internacional. Somos um país que respeita o Direito internacional e que atua com muita responsabilidade no concerto das nações. A concessão do asilo político é uma obrigação internacional para o Equador, pelo grande compromisso que o país tem com o respeito e a promoção dos direitos humanos. Se não tivéssemos concedido o asilo, os direitos e as garantias fundamentais de Julian Assange poderiam ser violados. O Equador acredita que as condições e circunstâncias de Assange estão dentro das normas contempladas por todos os instrumentos internacionais que regulam o asilo político. É um caso típico no qual cabe essa medida. O asilo não se concede a alguém que comete delitos comuns. Se o Equador concedeu asilo a Assange, é porque considera que ele sofre uma perseguição política.

O senhor acredita que os Estados Unidos têm interesse em processar e deter Julian Assange?

Fizemos uma série de considerações e de contatos antes de tomar essa decisão. Estudamos muito bem o tema, não foi uma decisão precipitada. Levamos quase 60 dias para analisar com muita profundidade o caso em relação às normas internacionais. O Equador conversou com outros países envolvidos, como o Reino Unido, a Suécia, a União Europeia, a Austrália e, claro, os Estados Unidos. Queríamos obter as garantias necessárias de que os direitos de Julian Assange seriam respeitados e de que ele não correria o risco de ser extraditado a um terceiro país. O Equador não teve essas garantias e isso foi um dos fatores que levou o país à decisão de conceder o asilo político.

O Equador acredita na possibilidade de o Reino Unido cumprir com a ameaça de invadir a embaixada do país em Londres para prender Assange?

Esse foi o detonante explosivo do caso. Antes mesmo de o Equador anunciar a decisão de conceder o asilo, o escritório da Presidência da República recebeu uma nota oficial da Embaixada do Reino Unido em Quito na qual se dizia que, se o Equador não permitisse a extradição de Assange, o Reino Unido, em conformidade com sua legislação interna, poderia entrar na nossa Embaixada para prendê-lo. O Equador rechaça essa possibilidade da maneira mais frontal. É uma violação completa. Entrar à força em uma representação estrangeira é algo proibido pelo Direito internacional. É uma violação de todas as normas que existem sobre o asilo político e sobre a proteção e a inviolabilidade das representações estrangeiras.

Como o Equador pretende mobilizar a comunidade internacional para apoiá-lo diante das pressões da Inglaterra?

Já contamos com o apoio dos países amigos, tanto no nível da Unasul quanto na Alba (no último dia 24, a OEA aprovou em consenso resolução de apoio ao Equador no caso Assange). Todos os países irmãos da região apoiam a posição do Equador e rechaçam a possibilidade de o Reino Unido entrar à força na nossa embaixada. Houve uma reunião de ministros das Relações Exteriores da Unasul e percebemos um grande respaldo à posição do Equador.

Sobre o Mercosul, como estão os esforços para que o Equador integre o bloco?

Já faz algum tempo que o Equador é membro associado do Mercosul. Durante a cúpula de chefes de Estado que ocorreu na Argentina, os titulares pediram que o Equador ingresse no Mercosul na qualidade de membro pleno. Recebemos essa solicitação com muito entusiasmo e estamos fazendo as negociações técnicas para verificar a viabilidade de ingressarmos no Mercosul. Há muito interesse, mas precisamos resolver uma série de fatores técnicos.

Setores políticos, em sua maioria voltados mais à direita, costumam dizer que o Mercosul não funciona. O senhor avalia que o bloco é um bom instrumento para promover a união política e econômica da América do Sul?

A única possibilidade que os países da América Latina possuem de ter uma presença forte no complexo cenário internacional é com base na união. Não podemos satisfazer nossas aspirações individualmente. Precisamos atuar em conjunto e é por isso que os chefes de Estado apostam de maneira entusiasmada na unidade da América Latina. Nos últimos anos demos muitos passos positivos nessa direção com a criação da Unasul e da CELAC. Adotamos uma série de instrumentos para criar uma nova arquitetura financeira que permita que o continente possa operar melhor nessa complexa época de crise.

Durante muito tempo a Venezuela tentou ingressar no Mercosul, mas sempre enfrentou resistência no Senado paraguaio. O senhor acredita que o governo, para muitos golpista, de Federico Franco pode se opor à entrada do Equador no bloco?

Esperamos que o Paraguai retorne ao ambiente democrático do qual se afastou e que, após as eleições de 2013, seja um sócio confiável e democrático da comunidade latino-americana. Aguardamos que o Paraguai passe a atuar de forma responsável na região e ratifique as convergências democráticas no continente.

Gostaria que o senhor comentasse a relação do presidente Rafael Correa com a mídia tradicional do Equador. Há bastante tensionamento entre o governo e os grandes meios de comunicação do país?

Não é nenhuma novidade que os grandes meios de comunicação respondem por seus interesses empresariais. Não é só no Equador que a grande imprensa age assim. O Equador respeita a liberdade de imprensa e de informação, mas isso não quer dizer que devemos cruzar os braços quando abusam dessa liberdade para cometer crimes. No caso do Equador, um veículo de comunicação (El Universo) fez acusações mentirosas e gravíssimas contra o presidente, acusando-o de ter cometido crime de lesa-humanidade. Mentiram que o presidente havia ordenado um ataque contra um hospital para matar civis. O presidente pediu que o jornal corrigisse a informação, o que não foi feito. Portanto, o presidente foi à Justiça e obteve ganho de causa. Uma coisa é apoiar a liberdade de imprensa, e isso o Equador faz. Outra coisa é permitir que se minta e se cometa crimes, abusando dessa liberdade.

Leia também

Últimas notícias