Com Venezuela, Mercosul terá 270 milhões de habitantes e PIB de US$ 2,8 trilhões

São Paulo – O Mercosul ganha oficialmente nesta terça-feira (31) seu quinto membro. É a primeira vez em sua história de 21 anos que o bloco aceita um novo integrante. […]

São Paulo – O Mercosul ganha oficialmente nesta terça-feira (31) seu quinto membro. É a primeira vez em sua história de 21 anos que o bloco aceita um novo integrante. Com a entrada da Venezuela, estarão sob o mesmo teto as três maiores economias da América do Sul – que, além de robustas, são complementares. No total, os cinco membros vão somar um produto interno bruto (PIB) de US$ 2,8 trilhões.

O comércio sempre foi a principal motivação para que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai trabalhassem para viabilizar a união aduaneira. O próprio nome do Mercosul, sigla para Mercado Comum do Sul, confirma a vocação. A ideia dos quatro presidentes neoliberais que criaram o bloco era estabelecer, no futuro, uma área de livre comércio regional. Se esse objetivo ainda não saiu do papel, o intercâmbio de bens e serviços cresceu e transformou-se em realidade.

Quando do nascimento do Mercosul, em 1991, a corrente comercial entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai somava magros US$ 2,3 bilhões. Em 2011, chegou a US$ 27,8 bilhões – um aumento de 1.200%. Agora, a Venezuela abre para o Mercosul um mercado carente de todo tipo de bens de consumo, desde alimentos até eletrônicos, além de uma abundante produção petrolífera: cerca de 2,7 milhões de barris por dia. Em 2010, o país importou de todo o mundo mercadorias no valor de US$ 38 bilhões, tendo o Brasil entre seus cinco maiores parceiros, e vendeu ao exterior US$ 65 bilhões. A venda de petróleo e derivados corresponde a aproximadamente 95% desse valor.

“A Venezuela tem pouca indústria, então para nós é interessante, é mais um mercado que vai se abrindo”, acredita André Reis da Silva, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Some-se a isso uma crise financeira global e uma tarifa externa comum e está feito o novo Mercosul, que não trará benefícios apenas às economias mais industrializadas do bloco.

“Os venezuelanos podem integrar suas cadeias produtivas para construir indústrias complementares às já instaladas na Argentina e Brasil”, prevê o jornalista Gilberto Maringoni, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e colaborador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). “O país pode desenvolver uma fabricação importante de autopeças ou periféricos de computador, por exemplo.”

Negócios

Entre Brasil e Venezuela, as trocas comerciais alcançaram US$ 4,5 bilhões em 2011, o que, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior tupiniquim, colocou os venezuelanos como 12º maior comprador de produtos brasileiros. Entre os dez ítens mais vendidos para a Venezuela estão bois vivos e carnes congeladas, açúcar, pneus e peças para fabricação de tratores. Enquanto isso, as compramos do país vizinho basicamente derivados de petróleo, ligas metálicas, ureia, enxofre e energia elétrica.

Num momento em que o governo de Dilma Rousseff enfrenta dificuldades em garantir o crescimento da economia, que devido à recessão internacional vem se ancorando na expansão do mercado interno, a abertura de uma nova fronteira com 28 milhões de habitantes não é de se jogar fora. E se a classe média venezuelana trocar Miami pela Zona Franca de Manaus, tanto melhor para o empresariado brasileiro.

A partir de agora, a Venezuela tem quatro anos para adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Esta semana, o presidente Hugo Chávez prometeu rapidez para “recuperar o tempo perdido” com a longa espera – o país pede para ser incorporado ao bloco desde 2001. O protocolo de adesão prevê a criação de um grupo de trabalho que vai estabelecer um cronograma com os produtos que serão incluídos na TEC e quais serão as exceções. O Mercosul permite que alguns produtos recebam tarifação diferenciada para evitar concorrência predatória entre as empresas dos países-membros.

O professor André Reis da Silva analisa que desde a redemocratização do continente, na década de 1980, Brasil, Venezuela e Argentina passaram a formar os principais eixos de integração comercial da região. Nos governos Chávez e Kirchner, argentinos e venezuelanos complementaram-se economicamente e em vários momentos os petrodólares de Caracas socorreram uma Casa Rosada em dificuldades financeiras após a moratória de 2001.

Entre Lula e Chávez também as relações foram boas, e entre Brasil e Argentina a corrente de comércio saltou de US$ 7 bilhões para US$ 39 bilhões entre 2001 e 2011. Para o analista da UFRGS, a entrada dos venezuelanos no Mercosul abre caminho para aprofundar a integração regional já existente e atrair novos sócios.

Novo foco

O professor Nildo Ouriques, do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), considera que a entrada da Venezuela é fruto de uma mudança no papel que o bloco desempenha para os países-membros. Nascido na transição à democracia e em meio a uma onda de acordos de livre-comércio internacionais, o Mercosul sofreu uma transformação, na visão dele, com a assunção de governos com afinidade econômica e social.

“Passa de uma peça de resistência ao neoliberalismo a uma construção da utopia completa da integração latino-americana”, afirma. Ouriques acredita que a Venezuela pode ajudar a impulsionar a integração militar, um afinamento das posições diplomáticas e a criação de empresas “gran-nacionais”, ou seja, controladas por vários países e com capital misto. “A democracia no Mercosul também ganha porque a Venezuela traz uma nova concepção de constitucionalismo jurídico e um novo patamar de democracia, superando a concepção de democracia liberal”.

A análise é compartilhada pelo jornalista Gilberto Maringoni, para quem o Mercosul deixou de ser o que era nos anos 1990. “Passou a ser uma aliança entre Estados com projetos comuns de cooperação e desenvolvimento”, avalia. “Mais de 70 agências estatais brasileiras atuam em projetos instalados nos países do bloco, entre elas o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa).”

Maringoni acredita que o Mercosul é um entidade sólida, apesar das constantes disputas comerciais nas que se envolvem os países-membros. A Argentina, por exemplo, elevou a 600 o número de produtos imunes à TEC. O Brasil respondeu sobretaxando algumas exportações argentinas. No que vai de 2012, o intercâmbio comercial entre as duas maiores economias do bloco caiu em relação ao mesmo período do ano passado. As vendas brasileiras ao Uruguai também foi reduzida. “Existem disputas entre Brasil e Argentina, entre Argentina e Uruguai, mas as guerras comerciais são naturais entre os países de todo o mundo”, diz.