Estrada que cortará terras protegidas no Peru afetará indígenas do Brasil

Moradores de município amazônico afirmam que rodovia acabará com 'ilhamento involuntário'

Comunidade indígena que vive isolada na fronteira do Acre com o Peru pode ser dizimada com nova estrada (Foto: Funai)

São Paulo – O Congresso peruano poderá aprovar a construção da estrada Purus-Iñapari, que cortará três áreas protegidas do Parque Nacional Alto Purus. Moradores dessa região, organizados em torno do conselho paroquial local, afirmam que sofrem pelo isolamento e pedem pela construção da rodovia. Entretanto, entidades indígenas peruanas, a organização internacional que defende os direitos dos índios Survival International fazem campanha contra e alertam que ela colocará em risco de vida povos isolados na Amazônia peruana.

A construção fere a legislação do país, mas se os congressistas declararem que se trata de “necessidade nacional”, ela poderá ser levada adiante. A estrada ligará o município de Puerto Esperanza, na província de Ucayali, à cidade de Iñapari, na província de Madre de Dios, margeando a fronteira com o Brasil. Atualmente, a ligação de Puerto Esperanza com o resto do Peru depende exclusivamente de voos até Iñapari.

A região da fronteira do Peru com o Acre tem assistido a diversas violações aos direitos dos indígenas, por conta da exploração de madeira e do narcotráfico. Para a brasileira Fundação Nacional do Índio (Funai), a construção da rodovia Purus-Iñapari só iria agravar a situação. Em entrevista à BBC Brasil, há duas semanas, a coordenadora da Funai em Rio Branco, Maria Evanízia dos Santos, teria dito que haverá conflitos violentos com povos indígenas e que é possível um genocídio.

De acordo com a ativista Rebecca Spooner, da Survival International, organização que levou a questão ao âmbito internacional, “há vários povos isolados que vivem na área, tanto no Brasil, quanto no Peru, que frequentemente cruzam a fronteira – eles não têm ciência dos limites geográficos entre países”, disse Rebecca.

A rodovia poderá atrair madeireiros à região. Exploração ilegal (Foto: Divulgação/Survival)

Ela teme, entre outras consequências, que o contato com estranhos faça os índios que vivem em isolamento contrairem doenças contra as quais não desenvolveram imunidade. “A construção vai afetá-los negativamente, não só por conta da estrada em si, mas porque ela atrairá imigrantes ilegais, madeireiros ilegais, o que é sempre o caso, com qualquer estrada, sobretudo no Peru, que não consegue combater a extração criminosa de madeira”, acrescentou.

Rebecca afirma que a construção da rodovia é um interesse do governo do Peru. “A construção definiria mais claramente a fronteira com o Brasil e facilitaria o controle. As pessoas que advogam pela estrada afirmam que ela impediria a constante invasão de brasileiros em suas terras”, contou.

As entidades Federación de Comunidades Nativas de Purús (Feconapu) e a Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP) fizeram pedido ao Congresso do país de arquivamento do plano da construção. Na sexta-feira passada (25), as direções das entidades se reuniram com a congressista Verónika Mendoza, que encaminhou à Comissão de Transporte da Casa o projeto que declara a estrada necessidade nacional, mas os resultados da reunião ainda não foram divulgados. Verónika, em todo caso, acredita que a rodovia não afetará povos isolados e que é possível conter a exploração de madeira.

Procurado pela reportagem, o padre de Puerto Esperanza, Miguel Piovesan, não pôde responder, por estar incomunicável em regiões da Amazônia peruana. Contudo, o encarregado pelo Conselho Paroquial de Purus, José Manuel, afirmou que a situação em que se vive na região é cruel, por conta da falta de acesso. “Dependemos somente de um avião para entrar ou para sair desta ‘prisão verde’ deste parque mal desenhado, que nos impede qualquer avanço e desenvolvimento”, disse.

Ele afirmou que a construção da rodovia é pedido da população, do prefeito de Puerto Esperanza, da Frente Social da cidade e do bispo da região e que somente quatro dirigentes indígenas são contra a construção. “O absurdo que vivemos é que há muito interesse em cuidar da floresta e nenhum em cuidar das pessoas que aqui vivem”, afirmou Manuel. Para ele, trata-se de um “ilhamento involuntário”. Puerto Esperanza carece de sistemas de saúde e de educação eficazes.

A ativista Rebecca afirmou que 80% da população de Puerto Esperanza é indígena, e que é possível presumir que boa parte da cidade é contrária à construção. “Há muitas pessoas que defendem uma melhoria no transporte, com mais aviões fazendo o trajeto. Para o desenvolvimento, você não precisa necessariamente de estrada. É o que vemos em muitas cidades amazônicas, que são acessíveis somente por avião ou barco.”

Para ela, trata-se de um conceito equivocado para definir o que seja progresso. A mensagem de Piovesan, disse, é de que as pessoas precisam progredir, precisam se juntar à sociedade de consumo. “Entretanto, muita gente indígena não quer estar conectada com o resto do Peru e querem felizmente caçar, pastorear e manter a agricultura em pequena escala, vivendo o que seus ancestrais viviam, ou algo que não signifique ter um carro e dirigir até Iñapari todo dia.”

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