Centrais sindicais portuguesas dividem-se sobre concertação social diante da crise

Acordo assinado prevê redução do tempo de férias, menos feriados e mais banco de horas. Parte dos sindicalistas vê avanço, parte acusa 'volta do feudalismo'

UGT esteve junto da CGTP nos protestos em 2010, mas participou da negociação de pacote econômico com governo social-democrata (Foto: © Albert Gea/Reuters)

São Paulo – Assinado nesta quarta-feira (18) em Lisboa, o acordo entre governo, entidades empresariais e a central sindical UGT surgiu sob polêmica e críticas pesadas. Para outra central portuguesa, a CGTP, trata-se do “maior atentado aos direitos dos trabalhadores e um retrocesso social sem precedente nas relações de trabalho em Portugal” e “a maior declaração de guerra feita aos trabalhadores depois da Revolução de Abril (de 1974)”. A entidade fala ainda em volta aos tempos do feudalismo.

O líder do Partido Socialista no Parlamento, Carlos Zorrinho, declarou que o partido valoriza a concertação social (como foi chamado o acordo), mas lamentou não poder “felicitar o governo pelo resultado que atingiu”, segundo o jornal português Público.

Para o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, o país viveu um dia histórico, entre outros motivos porque as partes souberam unir-se para superar as “dificuldades tremendas” e ajudar Portugal a se reerguer. Segundo ele, o acordo foi “mais inovador e audaz” do que poderia esperar a chamada troika (formada pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).

Com a taxa de desemprego na casa de 13% e queda no Produto Interno Bruto (PIB) – os resultados ruins devem se repetir este ano –, o país europeu busca alternativas para aumentar sua competitividade, pressionado por um plano de recuperação bancado pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A “bola da vez” foi o mercado de trabalho: o acordo prevê períodos menores de férias, bancos de horas mais extensos e menos feriados. O único item que o governo não conseguiu emplacar foi o aumento, em meia hora, da jornada diária de trabalho. Para as empresas, também ficará mais barato demitir.

“É um compromisso que coloca o Estado e o dinheiro dos nossos impostos ao serviços dos grandes grupos econômicos e financeiros e fragiliza a segurança social, ao forçá-la a financiar as empresas para baixar salários, generalizar a precariedade e, em consequência, mandar os trabalhadores para o desemprego”, acusou a CGTP. O secretário-geral da confederação, Manuel Carvalho da Silva, avalia que os interesses do Estado “são para servir as estratégias das empresas e não para cumprir o Estado social”. Ele disse que a entidade “não dará tréguas”, já convocando uma manifestação para 11 de fevereiro.

“Para a UGT este acordo significa aceitar a necessidade de reformas estruturais que apostam nos trabalhadores e na melhoria das suas qualificações e em novos processos, tecnologia e inovação. Este acordo tem que significar o fim da pressão para a desregulação trabalhista e social, que a nada conduz”, rebateu a outra central. Também não pode ignorar, sustenta a entidade, “o  papel fundamental que assumem os acordos individuais e a negociação coletiva e não o ‘posso, quero e mando’ dos empregadores, que muitos pretenderiam”.

Mas um dos fundadores da UGT, o ex-secretário-geral Torres Couto, declarou que a central pode ter assinado seu “atestado de óbito”, se não houver outras contrapartidas para os trabalhadores. 

Pelo acordo, o limite do banco de horas por ano aumenta de 200 para 250 horas extras, em caso de negociação coletiva. Se a negociação for individual, o total chega a 150 horas por trabalhador. O período mínimo de férias cai de 25 para 22 dias. O trabalho aos sábado e feriados deixa de dar direito a uma folga extra, mantendo o adicional extra, mas com a remuneração caindo de 50% para 25%. O número de feriados obrigatórios também será reduzido. No caso das demissões, será eliminada a obrigação de recolocação do trabalhador em posto compatível, tanto no caso de dispensa por extinção do posto de trabalho como no caso de dispensa por inadaptação.

Mesmo os mais otimistas entre os participantes do encontro guardam dúvidas sobre a capacidade das medidas ter a eficácia pretendida. O cenário ainda é de dificuldades, como se admite no próprio acordo da concertação: “O Governo e os parceiros sociais estão conscientes de que 2012 vai ser um ano recessivo, que causará uma contração da atividade econômica e um aumento do nível de emprego”. Mas as partes estão criando as bases para a retomada do crescimento, “de forma a aumentar o nível de emprego e melhorar as condições de vida e de trabalho”.

 

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