Solução ‘à la Argentina’ é descartada no caso grego

Integrante da União Europeia, Grécia não pode adotar desvalorização da moeda para conseguir obter recursos para saldar sua dívida, como fizeram os argentinos na crise de 2001

O primeiro-ministro, George Papandreou, sofreu uma saraivada de críticas quando divulgou a intenção de submeter ao escrutínio da população a proposta oferecida por líderes europeus (Foto: © Yiorgos Karahalis/Reuters)

São Paulo – A solução adotada pela Argentina após a crise política, econômica e social de 2001 não é viável no caso da Grécia, nação mais assolada pelos problemas para pagar a dívida soberana que afetam a União Europeia e os Estados Unidos. Embora os casos guardem semelhanças, os gregos têm uma grande diferença, para o bem e para o mal: pertencem a um bloco de nações que mantém uma política monetária comum.

Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor-presidente do Centro Celso Furtado, lembra que uma das chaves da Argentina para deixar a crise foi promover a desvalorização de sua moeda. Sem poder obter crédito no exterior, o país tinha como saída para pagar a dívida o aumento de seu superávit comercial – saldo positivo entre exportações menos importações, trazendo mais recursos para o país. Isso ampliou o caixa do Estado, que viu crescer a receita de impostos à medida que a economia se aquecia.

Para isso, o peso mais desvalorizado e fraco internacionalmente foi o caminho adotado – e até hoje não revertido. No último dia de 2001, o dólar valia 1,6 peso. Pouco depois, subia a 2,10, até atingir a casa de 3 pesos em março de 2002. No segundo semestre, a cotação esteve sempre acima de 3,50 pesos, e em 2003, quando Néstor Kirchner assumiu a presidência, esteve um pouco mais baixo, entre 2,80 e 3,00.

Durante o mandato de Cristina de Fernández Kirchner, foi promovida uma nova desvalorização, a pedido dos setores exportadores, em especial dos industriais, e hoje um dólar vale 4,28 pesos. “Com isso conseguiu sair de maneira razoavelmente bem sucedida de um quadro que se desenhava ainda mais difícil”, avalia Prado.

No caso da Grécia, isto não é viável porque a política monetária do país é definida pelo Banco Central Europeu, que não vai desvalorizar o euro em prol de uma única nação em um bloco composto por 27 Estados. O professor da UFRJ acredita que, aos gregos, resta uma solução: “Manter a economia desaquecida para garantir uma queda dos preços internos e dos salários.” Isso é motivo suficiente para explicar por que a receita é extremamente impopular entre os habitantes do país europeu.

Renegociação

Outro diferencial importante no caso argentino foi a renegociação da dívida durante o governo de Kirchner. A privatização de praticamente todas as empresas estatais durante o período de governo de Carlos Menem (de 1989 a 1996) era um dos fatores que minavam a arrecadação. Foi preciso assumir que o país não tinha caixa para arcar com o débito e que precisava de condições diferentes de pagamento. Com o aumento das exportações e das receitas do Estado, foi possível pagar, em dois anos, a maior parte do montante da dívida. No auge da crise, em 2002, a dívida externa argentina correspondia a 150,9% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar muito similar ao da Grécia de 2011. 

De certo modo, a Grécia buscou esse caminho ao renegociar sua dívida no pacote fechado no final de outubro. A União Europeia condicionou a liberação de 8 bilhões de euros à aceitação, pelo Parlamento do país, de uma série de medidas que preveem um forte corte de gastos ao longo dos próximos anos, o que resultará em redução da proteção social aos cidadãos. O primeiro-ministro, George Papandreou, sofreu uma saraivada de críticas quando divulgou a intenção de submeter ao escrutínio da população a aceitação do que fora apresentado pelos líderes do bloco. O entrave político levou ao anúncio de sua saída do cargo.

“É impressionante. Parece que estamos vendo o mesmo filme”, afirma Felisa Miceli, ex-ministra da Economia argentina, ao comparar o quadro grego com o de seu país. Em Buenos Aires, a atual diretora do Centro de Estudos Econômicos e Monitoramento das Políticas Públicas (Cemop) pontuou acreditar que a Grécia terá, em algum momento, de declarar a moratória de toda sua dívida – o acordo atual prevê perdão de metade do montante.

“O povo da Grécia reclama nas ruas, mas os governos aplicam políticas de ajuste, de desespero, da barbárie capitalista. As pessoas ficam sem proteção”, critica. Felisa acrescenta: “A Europa tem a vantagem de que parte de um piso muito mais alto (socialmente) que o que se tem em nossos países, mas as pessoas se dão conta de que o futuro planejado pelos governos é horrível, é de exclusão.” No sábado (5), a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, afirmou que é preciso se preparar para uma década de recessão na Europa.

Acertos e desacertos

Para Felisa Miceli, a Argentina acertou ao apostar no desendividamento baseado na obtenção de superávit, o que levou ao crescimento econômico e à redução, ainda que gradativa, dos problemas sociais. Em 2010, a dívida da Argentina correspondia a 37,2% do PIB. O desemprego foi de 21,5% em maio de 2002 a 7,3% no segundo trimestre deste ano. Entre 2003 e 2010, a economia cresceu sempre acima de 6,8%, à exceção de 2009, ano em que o mundo se viu afetado pela primeira parte da crise financeira.

A Grécia, segundo as estimativas, terá caminho inverso nos anos seguintes à renegociação de seus débitos. As projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que o crescimento econômico da União Europeia ficará sempre abaixo de 2%, ao menos até 2013, limite das projeções disponíveis. Em paralelo, as despesas dos governos da região estarão sempre acima das receitas durante boa parte desta década, em uma queda gradativa da distância entre gastos e arrecadação, até o momento em que esta supere aquela.

“É certo que a Grécia precisa promover um ajuste fiscal”, diz Lucas Vasconcelos, assessor técnico da Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Mas adotar o impacto fiscal no nível sugerido vai fazer o PIB crescer pouco, ou seja, a relação dívida-PIB tende a crescer. Isso tem um impacto muito negativo.”

Euro ou não euro

O problema na comparação com a Argentina é que a Grécia não conta com uma instituição financeira pública em condições de ajudá-la. O papel do Banco Central Europeu (BCE) tem sido profundamente analisado – e criticado – em tempos de crise, e passou a ser visto como um dos símbolos da integração incompleta do continente. O BCE define a taxa de juros da região, mas não imprime dinheiro em momentos como o atual (o que permitiria movimentar mais a economia e desvalorizar o euro em relação a outras moedas) nem ajuda Estados endividados.

Vicenç Navarro, economista e professor da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, na Espanha, considera que esta é a saída para que a soberania dos gregos – e, por extensão, dos europeus – não se veja em risco na conjuntura atual. Sem a implementação de mudanças nessa direção no papel do Banco Central, e sem a criação de um Tesouro comum europeu, avalia, os custos para que as economias mais frágeis permaneçam no bloco são muito altos.

Ele critica a adoção de medidas ortodoxas, como as impostas no fim de outubro aos gregos. “Recordemos que a Argentina deixou a paridade com o dólar. Quando o Fundo Monetário Internacional advertiu que seria uma catástrofe, cresceu 6% ao ano, o que lhe permitiu reduzir o desemprego de uma maneira muito notável, assim como reduzir a dívida pública”, afirmou em entrevista na última semana à rádio Voz de La Galicia.

O problema, novamente, reside na União Europeia. Os principais líderes do bloco resistem a adotar qualquer medida que não seja ortodoxa – como as comumente ditadas pelo FMI e pelos economistas liberais da região. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, chegou a sugerir que a Grécia tinha a opção de aceitar o pacote ou deixar a zona do euro.

Neste caso, a renegociação da dívida cairia por terra, bem como o repasse de 8 bilhões de euros. Seria preciso pensar em uma nova moeda e em buscar soluções sem estar ancorada a um bloco que lhe garante mercado e verbas. “A saída da zona do euro seria problemática para a Grécia. Não é uma opção simples. Haveria a retomada do nível anterior do endividamento e um quadro de inflação”, avalia Prado, da UFRJ.

 

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