Berlusconi confirma renúncia e encerra uma era na política italiana

Quem por mais tempo chefiou governos na Itália em seis décadas sobreviveu a escândalos sexuais até com menores, de suborno e de corrupção. Mas não à crise econômica

Problemas judiciais podem fazer Berlusconi descuprir promessa de abandonar a política para manter imunidade parlamentar (Foto: © Remo Casilli/Reuters)

São Paulo – Silvio Berlusconi, o homem mais rico da Itália, não é mais o primeiro-ministro do país. A renúncia era esperada desde o meio da semana e foi confirmada na noite deste sábado (12). O anúncio encerra seu terceiro período no cargo, desde 2008 – antes, havia ocupado o posto de 2001 a 2006 e por alguns meses entre 1994 e 1995. Como ele promete não concorrer mais em eleições ao Parlamento, a saída marca o fim de uma era na política italiana.  Desde a Segunda Guerra Mundial, ele foi a figura que por mais tempo chefiou governos no país, marcado por instabilidades políticas.

A renúncia foi prometida para depois da aprovação da chamada Lei de Austeridade, concluída neste sábado, um pacote de medidas recessivas com ênfase no corte de despesas públicas. Isso porque, durante a semana, o governo chefiado por Berlusconi não conseguiu alcançar o apoio da maioria das cadeiras da Câmara dos Deputados na votação do orçamento para 2012. A matéria foi aprovada porque houve abstenção em massa dos opositores e dissidentes.

O conjunto de ações é encarado como uma forma de assegurar a capacidade do Estado italiano de honrar compromissos financeiros já assumidos. O problema é que isso deve produzir efeitos trágicos na já combalida economia italiana que, mesmo assim, é a terceira maior da zona do euro atrás apenas de Alemanha e França.

Atualmente, a dívida pública do país atinge 120% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas no país no período de um ano. Situação semelhante viveram nações europeias como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. Os governos de todas elas adotaram medidas semelhantes, com aumento de impostos e perda de direitos sociais, apostando em anos ou até mais de uma década de recessão para, só depois, voltar a crescer.

Após a votação, Berlusconi disse ter ficado “sentido” por vaias recebidas ao final da votação na Câmara dos Deputados. “Foi algo que me doeu profundamente”, afirmou, ao lado de lideranças de seu partido, Povo da Liberdade (PdL) antes de se encaminhar ao Palácio de Quirinale, sede da Presidência da República. A renúncia foi apresentada formalmente ao presidente italiano, Giorgio Napolitano.

Apesar de dizer-se orgulhoso de sua gestão, Berlusconi deixou o Palácio Quirinale por uma entrada lateral sob vaias e aos gritos de “palhaço”.

Futuro

O ex-comissário da União Europeia Mario Monti é o nome mais cotado para assumir o cargo. Após a aprovação de um pacote em moldes cobrados por vizinhos da zona do euro, a opção por um economista ortodoxo reconhecido internacionalmente seria uma forma de assegurar a confiança externa de que as medidas de restrição fiscal, aprovadas neste sábado pelo Parlamento, serão de fato cumpridas.

Monti tem apoio do maior partido de oposição (PD) e de partidos de centro. Não foi confirmada a adesão do PdL, partido de Berlusconi.

Trajetória

Aos 75 anos, “Il Cavaliere”, como é conhecido, é dono do principal conglomerado privado de comunicação do país, com três redes de rádio e TV. Durante seu governo, o controle sobre os conteúdos noticiados incluiu ainda a rede pública – a Rai – com uma série de denúncias de restrições à liberdade de imprensa por parte de profissionais desses veículos.

O grupo empresarial ainda detém negócios em outras áreas, como construção civil, por exemplo. Segundo a revista norte-americana Forbes, a fortuna do magnata é calculada em US$ 9 bilhões (R$ 14,9 bilhões).

Em dezembro de 1993, Berlusconi engajou-se na criação do Forza Italia, um partido articulado para a disputa da eleição de março de 1994. A coalizão de centro-direita, que tinha o empresário como líder, durou sete meses e foi necessária a convocação de novo pleito. Outra vitória viria a ocorrer apenas em 2001, em uma gestão que durou por cinco anos. O período de 2006 a 2008 foi um intervalo, durante o qual deu lugar ao governo de centro-esquerda de Romano Prodi.

Em 2008, o Forza Itália fundiu-se ao Povo da Liberdade (PdL), e Berlusconi recuperou o cargo de primeiro-ministro, mantido pelos últimos três anos. Denúncias de corrupção, fraudes e suborno de juízes povoaram jornais em seus três períodos de governo. Ele chegou a receber condenações judiciais, mas conseguiu suspender seus efeitos com recursos ou brechas legais.

Diversos escândalos sexuais marcaram a passagem de Berlusconi pelo cargo. Foram festas com garotas de programa – apelidados de Bonga-Bonga e copiados de convescotes do líder Líbio morto em outubro, Muammar Khadafi – a relações com uma imigrante ilegal menor de idade, passando por inúmeros casos extraconjugais. Mesmo assim, nada abalou o apoio que detinha no Parlamento como a crise econômica.

A recessão e a instabilidade internacional que aflige diferentes países desenvolvidos que mostrou a incapacidade do governo de centro-direita em oferecer respostas efetivas. Com isso, selou-se o fim do período. Não está claro, porém, que a renúncia marque o fim da carreira política de Berlusconi.

Ele até anunciou que não seria mais candidato nas próximas eleições, mas analistas italianos acreditam que é justamente por ter pendências na Justiça que ele irá almejar manter-se como membro do Legislativo, condição que lhe confere imunidade parlamentar. Seu mandato atual como deputado vai até 2013.

 

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