Sem avanço na educação gratuita, estudantes chilenos deixam negociação com Piñera

São Paulo – Representantes de estudantes chilenos abandonaram a mesa de negociação com o governo de Sebastián Piñera devido a divergências sobre a gratuidade da educação superior. Logo na segunda […]

São Paulo – Representantes de estudantes chilenos abandonaram a mesa de negociação com o governo de Sebastián Piñera devido a divergências sobre a gratuidade da educação superior. Logo na segunda reunião, alunos e professores manifestaram que o ministro da Educação, Felipe Bulnes, passou a ignorar as demandas populares e colocou o diálogo “em ponto morto”.

“Nos deparamos com uma porta na cara. Nos forçaram a nos retirarmos uma vez que havia a postura do Executivo de pretender seguir subsidiando o mesmo sistema que questionamos desde o início do movimento, há cinco meses”, explicou Camila Vallejo, presidenta da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile (Fech). 

Durante o encontro de quarta-feira (5), Bulnes apontou que não aceitava que a educação fosse um serviço gratuito para todos, indicando que o governo concordaria em conceder bolsas para os 40% mais pobres do Chile, uma proposta que já estava colocada havia meses. “Não acreditamos que a política educacional correta seja dar gratuidade também aos ricos. Não é correto que os pobres terminam por subsidiar a educação dos ricos, e isto está marcando uma diferença fundamental na postura que eles (os estudantes) sustentam versus a postura que sustenta o governo”, afirmou o ministro, que, após o fracasso das conversas, informou que vai convocar um “painel de especialistas” para chegar a uma proposta que será enviada ao Congresso.

A versão sobre a gratuidade foi rapidamente desmentido pelos alunos. Camila Vallejo explicou que há acordo quanto à necessidade de que os ricos paguem, e que aquilo que se deseja é que se faça uma reforma tributária para que as classes altas ajudem no financiamento da educação para os setores baixos e médios. “Cabe ao governo ceder. São eles que não têm a aprovação cidadã suficiente”, ironizou, em referência às pesquisas que mostram que a maior parte da população chilena está a favor das mudanças propostas pelos alunos, que vêm realizando as maiores marchas desde a redemocratização do país, há duas décadas.

Nesta quinta-feira (6), uma nova concentração nas ruas de Santiago foi duramente reprimida. De acordo com os alunos, desde as primeiras horas da manhã os grupos que se formavam para uma nova marcha foram dispersados por policiais com uso de gás lacrimogêneo e bombas chamadas de efeito moral.

Outro sinal negativo havia sido enviado no domingo (2), quando o presidente Piñera anunciou o envio ao Congresso de um projeto de lei que endurece a pena a condenados por alguns tipos de delitos do Código Penal. Entre eles, a ocupação de colégios e universidades, uma medida que foi criticada pelos representantes do movimento. Antes disso, ele havia lançado mão de um decreto do ditador Augusto Pinochet que permite a repressão de reuniões públicas feitas sem a prévia autorização do Poder Executivo, uma atitude criticada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). “Há que buscar o diálogo, mas a autoridade, com suas posições, não facilita em nada. Lamentamos muito”, disse Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores, a principal instituição docente chilena. “Não sei o que pretendem, se vão optar por reprimir e dividir o movimento.”

Com isso, a aposta dos representantes de alunos e professores é promover pressão sobre o presidente. Nesta sexta-feira (7) e neste sábado (8) será realizado em todo o país um plebiscito extraoficial a respeito das mudanças na educação. Poderão votar todos os chilenos com mais de 14 anos a respeito de quatro questões que envolvem a gratuidade da educação e o lucro obtido por empresários do setor. 

O sistema montado por Pinochet toma como diretrizes da Escola de Chicago, um dos berços do ideário neoliberal. A ideia era fomentar escolas privadas por meio de subsídios estatais para aumentar a competição, o que levaria os colégios públicos a trabalharem para melhorar a qualidade. Décadas depois, os estudantes entendem que se criou uma diferença enorme de nível e que os incentivos governamentais têm servido unicamente para ampliar a rentabilidade das instituições privadas.

“Frente a um governo que não pensa em mudar os direitos de sua classe, a classe política e empresarial, a responsabilidade de criar uma educação gratuita é de todos. É dos pais trabalhadores, das mães donas de casa, dos avós e dos estudantes”, afirmou Alfredo Vielma, porta-voz da Associação Coordenadora dos Estudantes Secundários.