ONU aprova sanções ‘contraproducentes’ ao Irã, diz analista

Professor entende que quarto pacote de restrições irá isolar o país e levar ao efeito inverso ao desejado pelos Estados Unidos, que esperam enfraquecer Ahmadinejad

Apenas a Turquia se absteve na votação de sanções ao Irã. Brasil e Turquia ficaram contra, mas foram vencidos pelos outros doze membros (Foto: Devra Berkowitz. ONU)

São Paulo – O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou nesta quarta-feira (12) um novo pacote de sanções contra o Irã. Como esperado, os Estados Unidos conseguiram os votos de outros onze países para punir o país asiático por seu programa de enriquecimento de urânio.

A resolução, que teve voto negativo de Brasil e Turquia – e a abstenção do Líbano –, prevê restrições a bancos iranianos no exterior, amplia o embargo no setor de armas e cria entraves à atuação de 18 empresas ligadas ao Estado. Seus efeitos, porém, tendem a ser pouco efetivos, na visão de Pio Penna Filho, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

O pacote, costurado nos últimos meses pelo Departamento de Estado chefiado por Hillary Clinton, tem alguns desdobramentos no cenário político mundial. Um deles é a confirmação de que a Casa Branca estava disposta a impor de qualquer maneira as sanções ao governo de Mahmoud Ahmadinejad e, para isso, consegue impor todo seu peso.

O acordo assinado entre Brasil, Turquia e Irã no fim de maio previa que os iranianos fornecessem todo tipo de informação sobre seu programa nuclear. As medidas foram costuradas pelo presidente Lula a partir de pontos apresentados pelos Estados Unidos e a nação asiática concordou com o cumprimento de tudo o que foi exigido.

Após a assinatura do acordo, no entanto, os Estados Unidos afirmaram que as garantias não eram suficientes para afastar o suposto temor de que o Irã queira produzir armamentos nucleares. No dia seguinte ao anúncio, Hillary Clinton apresentou um rascunho das sanções a serem impostas ao Irã.

Para isso, contaram com o apoio de outros membros permanentes alinhados, caso de Grã Bretanha e França, e ganharam o suporte de Rússia e de China. No caso russo, sabe-se que a Casa Branca ofereceu garantias de que os negócios com aquele país não serão afetados.

As demais costuras levantaram suspeitas em parte da comunidade internacional. O ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, admitindo que teria de falar com uma franqueza que não é regra na delicada política internacional, lamentou a postura adotada pelas potências.

“Estou extremamente preocupado com a maneira como está sendo negociada essa resolução”afirmou o chanceler na última segunda-feira, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura. “Não é uma questão que diz respeito apenas ao Irã, que diz respeito ao desarmamento e à não proliferação. É uma questão que diz respeito à própria credibilidade do Conselho de Segurança. Por que essa negociação levou meses sendo negociada entre os membros permanentes e depois há uma correria para aceitar?”, cogita.

Amorim sustenta que ocorreu uma negociação entre os países do Conselho, o que significa que “alguma vantagem os outros membros permanentes levaram”. Ele não quis detalhar se tinha suspeitas, mas lembrou que interesses privados são atendidos em negociações do gênero entre governos.

Irã e o mundo

A possibilidade de mudança da relação do Irã com o mundo é outro desdobramento das resoluções. Nas últimas semanas, o governo de Mahmoud Ahmadinejad vem lembrando que não haverá outra chance para o diálogo.

O acordo firmado com Brasil e Turquia foi imediatamente cancelado, o que significa que o Irã vai manter o enriquecimento de urânio para fins pacíficos, em especial em pesquisas na área de saúde. Ahmadinejad rejeitou as sanções aprovadas pela ONU. “Essas resoluções não têm valor… É como um lenço usado que deveria ser jogado na lata de lixo”, disse.

Por isso, Penna Filho entende que as sanções são completamente contraproducentes. No campo interno, os Estados Unidos não conseguem seu objetivo de enfraquecer Ahmadinejad. Pelo contrário, o presidente pode adotar um discurso nacionalista para ganhar apoio e deixar a oposição local enfraquecida. E os bloqueios políticos e econômicos, historicamente, afetam muito mais a populações do que a governos.

“Externamente, isso significa um isolamento do Irã”, pondera, em entrevista à Rede Brasil Atual. “Estão sinalizando que não há negociação com os iranianos, há só imposição, colocar contra a parede. O Irã vai retomar de forma mais livre o programa nuclear. Vai limitar a alteração da Agência Internacional de Energia Atômica, o país não precisa mais prestar nenhum tipo de informação”, completa.

Israel

As sanções mostram também a dubiedade da posição dos Estados Unidos. Enquanto se opõe ao programa nuclear do Irã, a Casa Branca dá todo tipo de proteção necessária para que Israel continue a negar-se a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Em poucas palavras, isso significa que os israelenses não precisam prestar contas à comunidade internacional sobre esse assunto.

O apoio estadunidense é fundamental para que Israel não sofra sanções em momentos como o vivido nas últimas duas semanas. O país do Oriente Médio bloqueia há quatro anos a Faixa de Gaza e atacou no fim de maio uma embarcação que levava ajuda humanitária à população palestina afetada por este embargo. O saldo foi de nove mortes.

A Assembleia das Nações Unidas aprovou o envio de uma missão com finalidade de investigar o episódio, mas os Estados Unidos votaram contra. O gabinete de Benjamin Netanyahu, com a certeza de que conta com apoio da Casa Branca, anunciou na última segunda-feira (7) que não aceita qualquer apuração feita por estrangeiros. As declarações foram dadas no mesmo dia em que um barco de tripulação palestina foi atacado, com a morte de mais quatro pessoas.

No Conselho de Segurança da ONU, no qual os membros permanentes contam com poder de veto, os Estados Unidos garantem que nada será imposto a Israel. Tal prerrogativa levanta uma antiga discussão sobre a necessidade de reformar o conselho, mais importante órgão de administração global de Estados e de seus problemas.

O professor Pio Penna entende que a discussão é delicada. De um lado, pode-se entender que o aumento no número de membros permanentes trará uma diversidade tão grande de posições que o conselho se torna inoperante, ingovernável. De outro, as sanções contra o Irã expõem que há um problema em manter o poder mundial tão concentrado. “A questão é qual a legitimidade disso em um cenário mundial transformado, com novos atores que não estão sendo ouvidos, cujas opiniões não têm força”, argumenta.