Para analistas, entrada da Venezuela é sopro de vitalidade no Mercosul

Acadêmicos entendem que oposição paraguaia não terá força para barrar ingresso venezuelano e apontam que aliança é com o país, e não com Hugo Chávez

Os presidentes do Mercosul e os chefes de Estado convidados para o encontro do começo de dezembro em Montevidéu, Uruguai (Foto: Ricardo Stuckert. Presidência)

Antigo alvo de críticas de setores da esquerda e da direita, o Mercosul ganha uma nova chance com a futura entrada da Venezuela – aprovado esta semana pelo Senado do Brasil, o protocolo de adesão ainda depende do aval do Congresso paraguaio.

Desde sua fundação, na década passada, o bloco sofre com assimetrias que não foram corrigidas com o passar do tempo. Nos últimos anos, o aumento mundial da força brasileira e a crise argentina, que certamente não se ateve aos episódios de 2001-02, trataram de tornar ainda mais claras as discrepâncias dentro do bloco, para desespero das frágeis economias de Uruguai e Paraguai, basicamente exportadores de produtos primários dentro do bloco.

Agora, a entrada da Venezuela mexe não apenas nos ânimos, mas na dinâmica interna do Mercosul. É provável que, até o ingresso definitivo, já não seja Lula o presidente do Brasil. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, caso controle suas declarações, poderá ser um peso importante ao lado da Argentina, grande apoiadora do novo membro.
Chávez sempre teve boa relação com o casal Kirchner, dependente da economia e do suporte do parceiro sul-americano na tarefa de tentar recolocar a Argentina nos trilhos.

Sonia de Camargo, professora emérita da PUC do Rio de Janeiro, avalia que a Venezuela é a primeira ingressante da nova fase do Mercosul. “Não há possibilidade, diante da globalização mundial em todas as esferas, de que os países não se integrem, não formem comunidades em suas regiões. Todos os outros países estão às portas do Mercosul e a ampliação é inevitável”, afirma.

Mas, para caminhar nos moldes da União Europeia, faltam muitos passos – se é que a intenção é algum dia chegar a um bloco do gênero. As instituições supranacionais, por exemplo, não funcionam a contento. O Parlamento do Mercosul tem funcionamento esporádico, poder apenas consultivo e os integrantes não são eleitos por voto popular: atualmente, são deputados e senadores escolhidos internamente nos respectivos parlamentos para que representem os países. O Chile, economia forte e de excelente relação com o Brasil, não tem interesse em unir-se ao bloco porque prefere seguir sua política de liberdade para assinar dezenas de acordos de livre comércio ao redor do mundo.

Ainda assim, a entrada da Venezuela pode mudar o foco das conversas. Os governos Lula e Hugo Chávez gozam de boa relação, mas a integração entre as duas nações dá-se especialmente no caráter de infraestrutura, sem aprofundamento de laços sociais e culturais, exceção feita às zonas de fronteira. A Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), bloco inspirado pelo venezuelano e que, de certo modo, reúne a esquerda do continente, caminha muito mais rapidamente neste sentido.

“Se o Brasil precisa de dois parceiros na América do Sul, esses parceiros são Venezuela e Argentina. Acho que o governo Chávez tem um montante de recursos e uma necessidade de importação que fazem com que vá injetar um pouco de ânimo no Mercosul”, afirma Paulo Vizentini, professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Mudanças de governo

O grande desafio de Hugo Chávez será evitar declarações que possam ser vistas como provocações pelos setores conservadores dos países-membro. Não há dúvida de que a demora pelo Senado brasileiro em aprovar o protocolo de adesão da Venezuela deveu-se à resistência de parlamentares de direita ao líder vizinho.

O relator do caso na Comissão de Relações Exteriores, Tasso Jereissati (PSDB-CE), não escondeu que teme que a troca de governo no Brasil mude também a coalizão de forças no Mercosul. “Como o Presidente Chávez tem demonstrado pouca consideração a acordos e contratos, e costuma pautar suas relações internacionais entre amigos e inimigos, as empresas, investidores e o próprio governo brasileiro poderão encontrar, no futuro, situações difíceis e complicadas”, escreve em seu relatório como justificativa para rechaçar a aprovação.

Marcos Verlaine, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), avalia que a oposição brasileira – e parte da base aliada – teve péssima atuação no caso. “A discussão no Senado foi muito truncada por conta de preconceitos ideológicos. Para quem acompanhou os debates, ficou claro isso. Na Comissão de Relações Exteriores e no plenário houve uma posição dos setores de direita que era a manifestação explícita de um confronto ideológico”, avalia.

Por outro lado, houve quem se manifestasse pelo pragmatismo. Ainda que o tema não tenha grande relevo para o eleitor brasileiro em geral, a integração Brasil-Venezuela é importante para Roraima. O senador Mozarildo Cavalcanti, eleito pelo estado limítrofe, viu-se obrigado a votar a favor do ingresso venezuelano. O parlamentar do PTB destacou ter certeza de que Chávez vai provocar problemas, mas não teve saída se não favorecer um acordo que pode trazer inúmeras oportunidades econômicas para o Brasil.

Paulo Vizentini considera que não é preciso dar atenção às falas dos senadores durante essa discussão, voltada unicamente ao embate ideológico e à exposição aos eleitores. “A integração vai criar um fluxo maior em direção ao sul que, mesmo com a troca de governos, vai se manter. Uma obra, por exemplo, vai ficar, independentemente da mudança”, afirma.

Durante o processo de tramitação no Senado, tucanos, democratas e integrantes de outros partidos utilizaram o argumento de que a Venezuela não cumpre as exigências da cláusula democrática do Mercosul. Após a aprovação, não foram poucos os parlamentares que consideram que o ingresso venezuelano significa o isolamento do bloco, que atualmente avalia a assinatura de um acordo comercial com a União Europeia.

“O que se está pensando é em termos de Venezuela, e não de presidente. Hoje, a Venezuela é um país democrático. Não há nenhuma razão política pela qual não poderia ser aceito”, avalia Sonia de Camargo.

Paraguai

Se encontrou dificuldade no Brasil, o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul pode sofrer novos obstáculos no Paraguai, único país que ainda não aprovou a medida.
O projeto foi retirado de pauta pelo presidente Fernando Lugo em meio às pressões internas quando estouraram denúncias contra a vida pessoal do ex-bispo. Se há forças conservadoras no Congresso brasileiro, no paraguaio elas são ainda mais abundantes. Basta lembrar que o partido viveu uma das mais longas ditaduras sul-americanas (Alfredo Stroessner, 1954-89), à qual não se seguiu uma grande consolidação democrática.

O Partido Colorado, que perdeu a presidência depois de 70 anos exatamente para Lugo, ainda controla a maioria das cadeiras do Congresso, cujo presidente, Miguel Carrizosa, apressou-se em dizer que haverá muita resistência. “Nos desculpem os irmãos venezuelanos, mas enquanto Chávez se mantenha nessa atitude intervencionista, não vamos dar o visto para que a Venezuela entre no Mercosul”, afirmou.

O ministro de Relações Exteriores, Hector Lacognata, informou esta semana que o protocolo de entrada da Venezuela no bloco não será reapresentado antes de março do próximo ano.

Mas, para todos os analistas, o Paraguai não poderá resistir às pressões econômicas. Os brasiguaios, produtores brasileiros de soja que têm ampla influência na política local, podem entender que a ampliação do Mercosul é importante. E sempre há a possibilidade de que Hugo Chávez libere polpudos recursos ao país como forma de reforçar a importância do ato.

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