Morales garante dois terços do Parlamento e fica livre de negociações

Com maioria de dois terços na nova Assembleia Plurinacional, presidente fala em construção de Estado socialista na Bolívia

O presidente Evo Morales comemora a vitória em discurso na sacada do Palácio Quemado, no centro de La Paz (Foto: Gonzalo Jallasi. Agência Boliviana de Informação)

O presidente da Bolívia, Evo Morales, escreveu novamente seu nome em inéditas páginas do país (quase) sempre convulsionado por crises políticas. Ganhador da votação de domingo, Morales foi o primeiro boliviano a garantir a reeleição democraticamente e o primeiro a melhorar seu percentual de votação (53% na primeira, contra ao menos 60% na nova rodada).

Além disso, caso a apuração confirme o que as pesquisas de boca de urna têm mostrado até agora, o governo terá a tão sonhada maioria qualificada na Assembleia Plurinacional, que vai substituir o Congresso. As sondagens até aqui indicam que o Movimento ao Socialismo (MAS), partido oficialista, garantiu 25 de 36 vagas no Senado, quase dobrando o tamanho da bancada atual. Entre os deputados, o número é incerto, mas é esperada uma vitória mais tranquila de Morales.

Com isso, o presidente desfaz o principal nó de seu primeiro mandato. O governo sempre teve dificuldades em garantir vitórias no Parlamento, especialmente naquelas em que precisava de maioria qualificada. Os analistas bolivianos, mesmo os que notadamente são de oposição a Morales, admitem se tratar de uma vitória estrondosa e agora advertem que cabe optar por governar com o povo ou tomar caminhos autoritários – uma espécie de reconhecimento de que não haverá oposição capaz de fazer frente ao governo.

Evo Morales indicou nesta segunda-feira (7) que seguirá o primeiro caminho, afirmando que o povo pode por fim construir um Estado socialista na Bolívia. Em entrevista coletiva, o presidente não descartou uma nova reeleição em 2015 e afirmou que começa agora a preparar a estratégia governista para as eleições locais de abril do próximo ano.

O triunfo de domingo deve garantir a aprovação de medidas importantes para alterar a nova Constituição em pontos que o governo esperava melhorar e indicando magistrados afins ao projeto atual para as principais cortes do país, que a partir de agora terão os integrantes indicados pela Assembleia e aprovados pela população.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, recebeu com entusiasmo os resultados eleitorais na Bolívia. O grande aliado de Morales considera que a reeleição é uma vitória de todo o projeto bolivariano.

Surpresas

Além da vitória esmagadora nos departamentos do altiplano, como La Paz e Oruro, Morales surpreendeu em outras regiões do país, como Cochabamba, Chuquisaca e Tarija. Esta última integra a chamada Meia Lua, zona de forte oposição ao governo e que vinha se transformando em um reduto anti-Morales.

Para Atílio Borón, cientista político argentino, o vencedor das eleições transforma-se no mais poderoso presidente da história da Bolívia. Em artigo para o jornal Página12, o professor faz uma pergunta: “O que há detrás dessa impressionante máquina de ganhar eleições, indestrutível apesar do desgaste de quatro anos de gestão, os obstáculos interpostos pela Corte Nacional Eleitoral, a hostilidade dos Estados Unidos, campanhas de desabastecimento, tentativas de golpes de Estado, ameaças separatistas e planos de magnicídio?”

O próprio Borón responde: planos de assistência social para crianças e idosos, erradicação do analfabetismo, melhoria na saúde pública com a ajuda de Venezuela e Cuba, reforma agrária e nacionalização dos hidrocarbonetos.

O próximo mandato, no entanto, coloca pela frente inúmeros desafios. O governo vem tentando colocar em andamento iniciativas industriais para que a Bolívia diminua sua incrível dependência de importados, que vão de carros a insumos básicos, produtos de higiene e materiais de escritório.

Outra dificuldade é melhorar a produção dos hidrocarbonetos, garantindo transferência de tecnologia e a ampliação do mercado consumidor internacional, hoje praticamente restrito a Brasil, Argentina e Venezuela.

Relação internacional

A relação com outros países, por sinal, é fundamental para o segundo governo de Morales. Como ele mesmo pondera, a principal questão é a negociação com o Chile por uma saída soberana da Bolívia ao mar. As conversas durante a gestão de Michele Bachelet caminharam bem, mas a possível vitória do conservador Sebastián Piñera nas eleições do país vizinho podem interromper as tratativas.

Além disso, o Peru tem ação em andamento na Corte Internacional de Justiça de Haia por um território que disputa com o Chile. A briga judicial, somada aos problemas entre o peruano Alan García e Evo Morales, é mais um fator de entrave àquele que deve ser o principal tema da agenda internacional do governo boliviano.

Durante a entrevista desta segunda, Morales afirmou que tem apenas divergências ideológicas com o governo do Peru, mas não problemas, ao mesmo tempo em que chamou García de “menino mimado dos Estados Unidos”.

Histórico

Essa não é a segunda eleição vencida por Morales. De agosto de 2008 para cá, o presidente venceu o referendo revogatório de mandato, o mesmo em que seu adversário nas eleições de domingo, Manfred Reyes Villa, perdeu o cargo de governador de Cochabamba.

Em dezembro do ano passado, o governo conseguiu a aprovação popular para que seja implantada a nova Constituição. A partir de agora, diversos povos indígenas esperam garantir a autonomia de governo e de Justiça prevista na Carta Magna.

Com informações da Agência Boliviana de Informação e da Ansa

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