Estado paramilitar continua existindo na Colômbia, diz pesquisador

William Ortiz Jimenez destaca, na segunda parte da entrevista à Rede Brasil Atual, em Medellín, que paramilitares ameaçam professores e alunos de universidade

Uma das muitas paredes da Universidade Nacional que mostram protestos contra a discriminação e contra a violência (Foto: RedeBrasilAtual)

MEDELLÍN – Jovens jogam futebol, outros leem, debatem temas do país, cartazes anunciam discussões de diversas correntes políticas, muros pintados com frases que remontam à história colombiana. Para quem olha do lado de fora, a unidade de Medellín da Universidade Nacional da Colômbia desfruta de um ambiente democrático. Mas William Ortiz Jiménez, professor da Escola de Ciências Políticas, trata de desfazer as aparências: estudantes são financiados por grupos paramilitares para espionar o local com ameaça a outros alunos e até mesmo a docentes.

Na segunda parte da entrevista à Rede Brasil Atual em uma das maiores cidades colombianas, o coordenador do Grupo de Estudos em Política e Guerra da Unal aponta que a violência está retornando aos níveis pré-governo Uribe, o que aponta a falha do Plano Colômbia, projeto da gestão de George W. Bush pelo qual os Estados Unidos concedem verbas para o setor de segurança em troca de compromissos assumidos do lado colombiano.

Com doutorado pela Universidade de Granada (Espanha) sobre as relações entre o narcotráfico, os “paras”, as guerrilhas e o Estado, o pesquisador destaca que muitos dos reinseridos voltaram às armas.

Há uma relação entre o aumento recente da violência e a não-desmobilização de grupos paramilitares?
A situação dos paramilitares na Colômbia é um caso longo e que levaria tempo, mas poderia resumir assim: foram aprovados por decreto de 1988 que legaliza esse sistema. Daí em diante, todos os governos sabem que existem os paramilitares e os utilizam como frente para combater a guerrilha.

Ocorre que os paramilitares escaparam das mãos do governo ao entrar em parceria com o narcotráfico, que passa a dar apoio e praticamente assume o poder econômico. A base dos paras é quase igual à do narcotráfico.

A partir de 1968, ninguém pensava que um pequeno grupo de paramilitares iria criar uma estrutura sólida. Há 15 ou 20 anos, a estrutura do Estado é basicamente paramilitar.

O “para-Estado”…
Neste momento, mudou. A Colômbia era um país muito liberal, com uma tradição de esquerda. Tivemos laços muito fortes com Cuba. Os paramilitares têm controle econômico, territorial, e dominaram quase todos os municípios. Eles mesmos confessaram que tinham 35% dos congressistas, ou seja, manejavam o destino político. Essa situação se fez muito mais complexa quando os paramilitares estavam muito sólidos e avançaram forte sobre a oposição.

O acordo feito com o governo deu a eles uma base de perdão e esquecimento. Os líderes extraditados para os Estados Unidos vão ter penas menores e não precisam confessar os delitos. Isso vai gerar impunidade na questão dos direitos humanos da Colômbia. Eles não voltarão, ficarão por lá.

E há grupos que estão rearmados. Agora se chamam Águias Negras. Possivelmente são mais de dez mil, todos reinseridos, que voltaram às armas. E voltou a insegurança ao país. Em nenhum momento se realizou um investimento social para que essa gente não voltasse às armas, para solucionar o conflito de raiz. Temos paramilitares em todos os setores.

Aqui na universidade há grupos paramilitares e de esquerda que se enfrentam. Há ameaças contra alunos, contra professores, contra todos.

Dentro da universidade?
Aqui há jovens que são apoiados economicamente por paramilitares, que entram para fazer estudos ou espionagem. É muito difícil superar isto quando eles têm uma estrutura. Hoje em dia o país está tão polarizado que mesmo o governo deu a entender que quem não está com o governo está com as Farc. Isso é um perigo porque estamos neste momento marcados por essa conotação dada pelo governo.

Em Medellín, que nos últimos quatro anos viveu uma situação mais tranquila, ressurgiram as quadrilhas. Há muito enfrentamento, muitos mortos. São novos grupos que vão aparecendo em territórios de forma a gerar um conflito.

O para-Estado segue existindo, então?
Sim, porque o narcotráfico não acabou. E o narcotráfico é o para-Estado que tem como braço armado os paramilitares. Na Colômbia, apresentaram provas – e os Estados Unidos também mostraram – de que não caiu o consumo de cocaína no país. Pelo contrário, aumentou. Ou seja, o Plano Colômbia não é solução para a situação.

Se o Plano Colômbia é tão eficiente quanto dizem, por que aumentou o consumo de coca? A questão é: quem são os donos desses cultivos? E há um imposto pago pelos camponeses para a guerrilha, de acordo com os quilos de droga vendidos aos narcotraficantes. A guerrilha também mudou sua função ideológica e atua como um para-Estado que, digamos, não é narcotraficante, mas se beneficia de toda a produção. E grande parte das armas eles conseguem pelo imposto que cobram. Voltamos à situação de quando começou esse governo.

A Colômbia tem reconhecidamente uma das situações mais dramáticas em relação aos refugiados e aos deslocados. Como está essa situação atualmente?
Temos cerca de quatro milhões de deslocados, sendo o segundo país depois de Uganda. Sem ter uma guerra, pois o que temos é um conflito interno. Isso significa quase 10% da população colombiana, com 90% camponeses que deixaram suas terras pressionados. Grande parte da população camponesa provém da zona do Norpacífico (Pacífico Norte), ou seja, da fronteira com o Panamá. É uma zona rica em produção bananeira e que serve para a produção de óleo.

Os paramilitares tiraram os camponeses de lá e roubaram os títulos das terras. Essas terras não voltam a eles e, portanto, a situação é muito complicada. Os paramilitares são os que obtêm todos os benefícios. Hoje eles têm o poder político para se eleger quando quiserem, compraram o apoio da população dessa área. Essa, que era uma zona de tradição de esquerda, se “endireitizou”.

Ortiz Jimenez critica governo colombiano (Foto: João Peres/Rede Brasil Atual)

Na questão das guerrilhas, qual a melhor saída?
Enquanto o governo insiste que na Colômbia não há um conflito, mas grupos terroristas, não há forma de negociação política. Porque com terroristas não vai negociar. Se reconhecem que há um conflito, chegamos a uma mediação. A única saída é reconhecer a guerrilha como um ator político e que então consigam acordos para recuperar o diálogo. Mas o governo atual não dialoga com a guerrilha, o que acelerou o conflito. A guerrilha entrou em um estado de repouso esperando ver o que ocorre, está na retaguarda.

Sem dúvidas, há um desprestígio da guerrilha na comunidade internacional. Poucos países apoiam. Apesar disso, se reconhece que ela conseguiu manter pressionado o governo e chegou a certos reconhecimentos e a transformações no Estado colombiano.

E teve papel dentro da esquerda. Em certos momentos, teve participação em grupos políticos, o que já não ocorre. Essa é a única via.

Em vez de solucionar o conflito pelo diálogo, o governo quer o caminho militar. Há neste momento muito mais jovens que querem entrar nas guerrilhas pela questão da pressão do Exército e dos paramilitares. A guerrilha também se converteu em empresária da guerra. Há um pagamento, como um trabalhador, de salário. Estão sempre no limite de passar de um bando ao outro.

Muitos guerrilheiros passaram para o lado dos paramilitares em um momento. E muitos paras se tornam guerrilheiros porque se sentem pressionados pelos líderes. Já se está no ponto de perder toda fundamentação ideológica e política.

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