‘Colômbia será Israel da América Latina’, afirma professor

Em entrevista à Rede Brasil Atual em Medellín, William Ortiz Jiménez reclama que o povo jamais foi consultado sobre bases dos Estados Unidos no país

Jiménez acredita que, após acordo do governo Uribe com a Casa Branca, Colômbia terá Estado ainda mais vigiado (Foto: Roosevelt Pinheiro/Agência Brasil)

Medelin – A Colômbia está isolada na América Latina e permite aos Estados Unidos praticar um neocolonialismo na região. Em uma sala da Universidade Nacional da Colômbia (Unal), em Medellín, o professor William Ortiz Jiménez pondera que a maneira como o governo de Álvaro Uribe conduziu as negociações com Barack Obama geram temor na região e que os colombianos perderão o comércio com Venezuela e Equador, dois dos principais parceiros.

Uma comissão a mando de Uribe está em Washington preparando os detalhes do acordo, que deve ser assinado no fim de semana. Na primeira parte da entrevista para a Rede Brasil Atual, o docente da Escola de Ciências Políticas da Unal coordenador do Grupo de Estudos em Política e Guerra destaca que o chanceler Celso Amorim tem razão ao criticar a atitude da Colômbia.

RBA – O que o senhor pensa sobre as bases dos Estados Unidos na Colômbia?
Acho que há dois pontos. Uma é a expectativa que gera dentro do país e outra é o que gera no exterior.

Entrevista

William Ortiz Jiménez

professor da Escola de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia (Unal)

Com respeito à primeira, creio que o povo colombiano não estava preparado para receber essa notícia de que a base de Manta, no Equador, viria para a Colômbia. Em nenhum momento fomos avisados ou consultados previamente sobre o que seria feito. Havia uma série de rumores a respeito, mas o governo fez um acordo por baixo dos panos e, agora, são sete bases que os Estados Unidos pretendem instalar aqui.

Possivelmente, isso vai trazer ao cenário interno uma série de tensões regionais porque teremos um Estado totalmente panóptico e vigiado, controlado pelos Estados Unidos.

No âmbito do comércio internacional, a Colômbia segue sendo um país muito competitivo para a região, especialmente em relação a Equador e Venezuela. Por isso eles tinham uma grande expectativa em relação a isso e, de fato, haverá duas bases nas fronteiras com esses países. O argumento do Estado colombiano é de que não vai provocar um choque com esses países, mas isso não se pode dizer.

Creio que a Colômbia vai se converter, passo a passo, numa espécie de Israel na América Latina porque isso vai trazer uma série de conflitos e provocações que não sabemos no que vai culminar.

RBA – Nas últimas semanas tivemos uma tensão bastante forte entre Colômbia e Venezuela. Em algum momento podem chegar a um enfrentamento militar?

Ortiz Jimenez critica governo colombiano (Foto: João Peres/Rede Brasil Atual)

Ao menos enquanto persista o atual governo, ou enquanto este governo queira prolongar seu mandato, creio que sempre estaremos nessa tensão de que chegue a acontecer algo. Mas caso (Uribe) não seja reeleito o presidente, haverá mais oportunidade de entrar em diálogo com o governo venezuelano e chegar a uma resolução.

Não creio que se chegue a uma estância na qual haja um enfrentamento direto, mas possivelmente o governo venezuelano pode apoiar grupos que queiram desestabilizar o país. Penso que não se dará de maneira direta, mas usarão outros meios para essa situação.

RBA – Além das bases, há um rancor prévio entre Chávez e Uribe. Há algo por trás disso?

“São bastante parecidos os dois governos da forma em que vieram usurpando o poder, mas há um choque. Chávez tem uma visão de socialismo bastante radical, dos anos 60, com muito controle e perda na questão dos direitos humanos. E aqui na Colômbia é um governo muito de direita, autoritário também, que controla, que vigia, que exerce um controle sobre os sindicatos e limita as liberdades neste momento” – William Ortiz Jiménez

O que está por trás disso é que tanto Chávez quanto Uribe querem prolongar-se no poder. Chávez mudou a Constituição para reeleger-se e nós agora estamos vivendo o mesmo. A situação é que o presidente, devido à série de questionamentos que se fizeram em nível internacional, e à série de julgamentos pendentes pela invasão ao território equatoriano, quer prolongar-se no poder para evitar essa situação.

E também porque quer aprovar o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos para que eles possam fazer tudo o que queiram neste país para benefício próprio.

São bastante parecidos os dois governos da forma em que vieram usurpando o poder, mas há um choque. Chávez tem uma visão de socialismo bastante radical, dos anos 60, com muito controle e perda na questão dos direitos humanos. E aqui na Colômbia é um governo muito de direita, autoritário também, que controla, que vigia, que exerce um controle sobre os sindicatos e limita as liberdades neste momento.

RBA – No caso do Brasil, qual pode ser o impacto dessas bases dos Estados Unidos na Colômbia?

O impacto é que, de todas as maneiras, qualquer país que tenha como vizinho um país como o nosso, nas condições atuais, sempre estará temeroso. Todos os países da região estão temerosos, exceto o Peru, que considera esse um feito histórico para a região com mais benefícios do que mal-estar.

Tem razão o ministro de Relações Exteriores do Brasil (Celso Amorim) quando diz que as armas de origem venezuelana usadas pela guerrilha eram uma coisa mínima se comparadas ao tema das bases. São coisas de muita transcendência e que garantem aos Estados Unidos o direito de neocolonialismo na América Latina.

Quando pensávamos que a América do Sul ia nas mesmas vias, de liberdades, mudanças e democracia, vimos que este país saiu dessa ordem. Muitos consideram que nós somos os párias da América Latina.

RBA – Quanto isso vai custar para a Colômbia na região?

Primeiro há os custos econômicos. A Venezuela é o segundo comprador da Colômbia e o Equador não vai mal. E é um comércio muito favorável, porque são países fronteiriços, um gasto mínimo (de transporte). Vai criar muito desemprego, mais problemas sociais do que já temos. Há a perda de identidades de regiões fronteiriças porque vão começar a entender-se como inimigos.

“Os custos políticos serão assumidos pelo governo posteriormente. Pelas perdas econômicas, vai haver perdas dos industriais, dos comerciantes. E também porque não é tão fácil estabelecer relações comerciais com outros países, não é uma coisa imediata” – William Ortiz Jiménez

Os custos políticos serão assumidos pelo governo posteriormente. Pelas perdas econômicas, vai haver perdas dos industriais, dos comerciantes. E também porque não é tão fácil estabelecer relações comerciais com outros países, não é uma coisa imediata. Na América Central, por exemplo, os vizinhos não são tão ricos quanto Venezuela e Equador.

Outro problema é a marginalidade que pode sofrer o país em relação à América Latina, que já não seja convocado para reuniões. Já se escutam vozes para que seja retirado da Unasul e também possivelmente para que a Comunidade Andina de Nações ofereça pressão sobre a Colômbia.

É o país da América Latina mais isolado neste momento. O único sócio que vai restar é os Estados Unidos.

RBA – A cúpula desta semana da Unasul ratifica o fato de ser um país isolado?

Já se propôs que se faça uma segunda cúpula, na Argentina, exclusivamente para que Álvaro Uribe explique o que vai acontecer com as bases, qual sua pretensão, como são os acordos e porque não se deu a conhecer. Se ele tivesse explicado anteriormente, toda a situação não seria assim. Mas a maneira de fazer o acordo e depois dar explicação não é muito cordial para os outros países.

Continua.