Especial Bolívia: sem mar há 130 anos
Mais do que uma briga histórica, a saída para mar é uma questão de soberania nacional para os bolivianos que reivindicam seu quinhão de terra até o Pacífico
Publicado 20/07/2009 - 17h07
Copacabana – A Bolívia não é banhada ao longo de seu território por nenhum oceano, mas na Capitania dos Portos às margens do Lago Titicaca a inscrição “O mar é nosso por direito e recuperá-lo é nosso dever” revela mais do que uma questão histórica para o país que perdeu sua saída para o mar na Guerra do Pacífico contra o Chile entre 1879 e 1893.
O sub-oficial da Capitania de Copacabana, Victor Aranibar Mancilla, disse à Rede Brasil Atual: “temos saída para o mar sim, a Hidrovia Paraguai-Paraná, ali perto de Corumbá.”
No entanto só é viável chegar ao mar por rios navegáveis que passam por outros países. Mancilla explica que o problema é latente na consciência de todo e qualquer boliviano e que continuará assim até que tenha solução.
“O pior de tudo é que perdemos nosso mar injustamente para o Chile. O país vizinho não declarou guerra, simplesmente entrou em nosso território e nos surpreendeu”, afirma.
Em maio deste ano arquitetos chilenos pensaram em uma possível ‘solução’ para a questão: um túnel de 150 quilômetros que correria da fronteira do Chile ao Peru desembocando em uma ilha artificial no Pacífico construída com a própria terra retirada do túnel.
Segundo a proposta o túnel e a ilha seriam território boliviano e as águas em volta, internacionais. A Bolívia ainda não se pronunciou oficialmente.
Mancilla diz que a proposta “é só mais uma entre tantas outras feitas pelos chilenos” e que o ideal seria um trecho de terra que interligue seu país ao Pacífico. “Não estamos cobrando nada do Chile, mas reivindicando um pedaço de terra que nos pertence e retirado de nós injustamente”, desabafa.
Bolívia mantém sua Marinha no Lago Titicaca com aproximadamente 170 embarcações. Na Nova Constituição, promulgada em outubro de 2008, o tema é abordado. “É objetivo nacional da Bolívia recuperar sua saída ao mar” e “o Chile deve estar disponível para dar saída ao mar à Bolívia”, diz o texto.
O presidente Evo Morales ainda insinuou que poderá levar sua reivindicação à corte de Haia caso o Chile não atenda suas exigências.
Em La Paz, o Museu do Litoral Boliviano é prova da importancia da questão para o país. O local conserva pinturas e recriações das passagens históricas e objetos dos atores que protagonizaram a guerra contra o Chile. No site Bolivia.com há um especial de 2006 sobre a chamada Guerra do Pacífico sob o título “Sem mar há 127 anos”.
A Marinha no Titicaca
Marinha Boliviana mantém sua frota de embarcações no lago navegável mais alto do mundo, 3800 metros acima do nível do mar, com profundidade média de 360 metros e 8.562 km².
O serviço militar na Bolívia é obrigatório para homens e dura um ano. Quem escolhe a Marinha estuda aproximadamente nove meses em La Paz e faz os treinos práticos durante três meses no Lago Titicaca, a partir do porto de Copacabana ou de Tiquina. Por isso é comum ver jovens marinheiros uniformizados em La Paz. É o caso de Ronald Jimenez, 19 anos. “Mal posso esperar a hora de ir treinar no Titicaca”, diz.
A jornalista Paula Sacchetta acompanha um grupo formado por pesquisadores, professores, estudantes e militantes políticos brasileiros interessados em melhor compreender o processo de transformação por que passa a Bolívia e fará uma série de matérias especialmente para a Rede Brasil Atual reportando os acontecimentos no país de Evo Morales.