Movimento em Buenos Aires tenta reaver terreno de horta comunitária

Duas semanas depois do despejo, integrante explica para a Rede Brasil Atual que no lugar havia mais de cem espécies vegetais e eram oferecidas oficinas de alimentação saudável

Depois do despejo, os integrantes da Huerta Orgázmika têm plantado e semeado em espaços públicos de Buenos Aires (Foto: divulgação)

Caballito é o bairro mais densamente povoado de Buenos Aires. Entre as ruas e as casas, havia um projeto comunitário que envolvia dezenas de pessoas e dava assistência a outras tantas. A Huerta Orgázmika (Horta Orgásmica, brincadeira com Horta Orgânica) foi criada em meio às movimentações populares de 2001-02 na Argentina que, entre outras coisas, derrubaram o presidente Fernando de La Rúa.

Em uma assembleia, os moradores do bairro decidiram ocupar o terreno que, dois anos antes, havia sido cedido pelo governo federal ao Governo da Cidade de Buenos Aires para a construção de uma praça. Vendo que o projeto não ia adiante, os moradores começaram a cultivar por conta própria alimentos e construíram um forno para que os mais pobres pudessem fazer pães e ter uma renda. “Antes que se iniciasse a horta, havia apenas entulho e lixo”, lembra Patricio Lehrner, integrante do movimento, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Anos depois, 500 metros quadrados de cultivos, um forno de barro e dezenas de histórias foram atropelados pelos tratores enviados pelo Governo da Cidade de Buenos Aires. Com auxílio de policiais federais e sem nenhuma ordem judicial, o terreno foi varrido na madrugada de 18 de maio com o argumento de que havia reclamações de falta de higiene no local. Para Patricio Lehrner, a ação é completamente ilegal porque o terreno já estava de volta ao controle federal.

Antes disso, o Governo da Cidade de Buenos Aires já havia emitido uma ordem de despejo. Os advogados da horta pediram uma confirmação, sem a qual a ação não poderia ser levada adiante. Havia também uma decisão judicial de que não existia delito de usurpação no uso do terreno, contam os integrantes do movimento.

Agora, a tentativa é de evitar que o governo de Maurício Macri leve adiante o plano de cimentar o local com uma “medida de não-inovação”, basicamente um regulamento que impede que o local seja alterado até o fim das investigações.

Correria e protestos

Os integrantes da horta também entraram com denúncias contra os policiais e agentes da UCEP (Unidade de Controle do Espaço Público), segundo Lehrner uma força parapolicial criada por Maurício Macri em 2008 e que “foram os primeiros a bater no dia da desocupação”.  O despejo começou às quatro da madrugada, o que por si só constitui-se em uma violação da lei, uma vez que neste horário nenhum fiscal da Justiça poderia acompanhar o ato, prerrogativa obrigatória.

No dia seguinte, os moradores do bairro foram ao Centro de Gestão e Participação (CGP) número 6, em última instância o responsável pelas medidas. “O diálogo foi cortado pelo diretor do CGP, Marcelo Lambrich, umas três semanas antes do ocorrido. Ele disse que estavam muito ocupados com outros temas, mas que não nos preocupássemos porque voltaríamos a conversar em algumas semanas e não haveria despejo nem nada”, lembra Lehrner.

Com cartazes e panfletos nas mãos, os manifestantes protestavam em frente à CGP até que um deles resolveu pichar uma parede como forma de protesto. A Polícia Federal desencadeou uma repressão que terminou com 22 detidos. Durante a perseguição, os agentes entraram no Centro Cultural La Sala, onde ficavam alguns dos integrantes da horta, e prenderam todos que estavam lá dentro, inclusive uma grávida. Agora, os detidos respondem por resistência à autoridade, vandalismo e dano à propriedade.

Para Lehrner, o governo de Macri não quer gente nas ruas: “não porque se preocupe com as necessidades dos cidadãos, mas porque, para ele, é sujeira que precisa limpar, ou pelo menos jogar para fora dos limites da cidade”.

Uma vizinha da horta registrou algumas das cenas de repressão. Ayelen Arruzzo contou que buscou uma resposta do governo de Macri. Recebeu, via Twitter, uma resposta de Gabriela Michetti, vice-chefe do Governo da Cidade de Buenos Aires e agora candidata a deputada nacional. Em poucas palavras, a política dizia “como se pode conceber uma ‘horta orgânica’ em uma praça pública com bacias, vasos sanitários e desordem”.

Para Ayelen, a justificativa não é válida. “Pelo que sei, dentro das bacias havia plantas. E se é pelo perigo da dengue, a poucas quadras dali temos o Parque Centenário, com um grande lago artificial onde, estou certa, criam-se muitos mosquitos vetores”, afirma e acrescenta que “a horta era um espaço comunitário e evidentemente tudo que implique comunidade e cultura não coincide com seu governo e deve ser arrasado”.

Nestas duas semanas que se seguiram aos fatos, os ativistas têm lutado para que o projeto não deixe de existir. “Com o tempo, tudo foi mudando, foi deixando de ser tão importante a função de produzir alimentos. Transformou-se em um espaço de aprendizado, de experimentação, de desenvolvimento de ecossistemas, interação com o natural e realização semanal de ciclos de cinema, aulas de ioga, capoeira, oficinas de alimentação, comidas comunitárias”, afirma.

Os últimos dias têm sido corridos – Lehrner respondeu às perguntas da reportagem depois de uma noite sem dormir em que ficou apenas respondendo as mensagens de apoio. Ele espera que tenha sido a última pois, “na verdade, preferimos estar tranquilos em um espaço verde do que tantas horas entre computadores e advogados”.

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