Trabalhador ganha R$ 0,40 por saco de laranja

Leia reportagem especial feita pela CUT-SP

O jornalista Alexandre Gamon, da CUT-SP, acompanhou audiência na Vara do Trabalho em Matão sobre o trabalhadores que prestam serviço em laranjais. Leia abaixo o texto publicado originalmente no site da Central ou já direto para a publicação.

A parte deste latifúndio que lhe cabe: o trabalho escravo

A realidade imposta a milhares de trabalhadores rurais nas colheitas de laranja do Estado de São Paulo são as intensas e degradantes jornadas de trabalho.

Por Alexandre Gamon

No dia 5 de março fui à cidade de Matão, localizada a 303 km de São Paulo, acompanhar uma audiência na Vara do Trabalho. Na ocasião, as quatro maiores indústrias de suco de laranja do mundo, entre elas a Cutrale, foram indiciadas pelo Ministério Público do Trabalho por entender que estas indústrias seriam as responsáveis pela contratação dos trabalhadores que atuam nas plantações. Porém, as milionárias do suco rebatem as acusações e repassam as responsabilidades para os fazendeiros.

Desde 1994, os fazendeiros contratam empresas que terceirizam o trabalho de colheita no campo para, assim, evitar vínculos empregatícios. Os fazendeiros, por sua vez, alegam não ter condições de registrar esses trabalhadores e arcar com o custo dos salários no período de entressafra. Devido a este impasse, o resultado é a precarização da mão-de-obra, a total falta de seguridade social e a exclusão de mais 200 mil coletores de laranja.

Às 8h da manhã de sexta-feira cheguei à sede da FERAESP (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo), em Araraquara.

Logo nas primeiras horas de atendimento, o prédio recebia trabalhadores rurais do corte de cana e, principalmente, da colheita de laranja, em sua maioria desempregados que necessitavam de orientações jurídicas e trabalhistas.

Enquanto aguardava o Presidente da Feraesp para uma entrevista, comecei a conversar com um coletor de laranja que sentava ao meu lado. Ex-cortador de cana, o homem de olhar tímido e expressão sofrida, marcada pelo tempo e a desgastante jornada nas plantações, reclamava agora da falta de trabalho nas fazendas de laranja devido a entressafra. Momento, este, em que milhares de trabalhadores chegam a ficar até seis meses sem produzir e receber.

Este trabalhador, que não quis se identificar com medo de perder as poucas oportunidades de emprego informal que ainda resta no plantio, desabafou. Ele estava indignado com a situação vivida por ele na última semana, quando, devido à pequena quantidade de laranjas na plantação e a baixa remuneração paga pelos fazendeiros, recebeu apenas R$ 7,00 por uma jornada diária de trabalho de 12h. Para almoçar na cidade de Araraquara, em um restaurante popular, gastei o dobro do que este trabalhador recebeu por um dia inteiro de colheita.

Ao lado dele, estava sentado outro trabalhador que, ao ouvir nossa conversa, retrucou: “Não dá para viver com o que eles nos pagam. Percebo que o saco de laranja não tem mais 27 kg, ele está maior, deve estar pesando uns 30 kg, e a gente continua ganhando a mesma coisa”.

Nas regiões produtoras do Estado de São Paulo, o trabalhador recebe do fazendeiro, em média, R$ 0,40 por saco de fruta. Na safra de 2007, as indústrias do suco atingiram o recorde em exportação e receberam mais de 2 bilhões de dólares.

Turmeiro

A falta de responsabilidade trabalhista sobre os coletores de laranja possibilita o surgimento de mais um personagem que explora a mão de obra dos rurais. Trata-se do “turmeiro”, uma espécie de agenciador que reúne grupos de homens e mulheres para trabalhar nas lavouras.

O grande problema é que o turmeiro, que habitualmente se utiliza de anúncios em rádio e falsas promessas de ganhos, não tem responsabilidade empregatícia alguma para com esses trabalhadores, além de receber uma porcentagem pela produtividade individual de cada rural. Por conta desta situação, os coletores de laranja são obrigados a trabalhar em exaustivas jornadas sobre pressão, sem descanso, horário de almoço, material de segurança e instalações sanitárias.

Precarização

Em fevereiro de 2009, a trabalhadora rural, Zélia Souza Santos, 40, atuava sem registro na colheita de laranja, na cidade de Prata, em São Paulo. Como estava em situação informal, não recebeu sequer o devido material de segurança para exercer a atividade.

Enquanto subia no pé de laranja, sentiu uma forte dor em sua perna. Zélia, que não utilizava perneira, havia sido picada por uma cascavel. Naquele momento, os trabalhadores se mobilizaram e pararam um ônibus que transportava outros rurais.  Rapidamente foi levada ao Hospital da Unesp, em Botucatu.

Durante seu tratamento, a trabalhadora recebeu seis parcelas de quinhentos reais, pagos pelo fazendeiro como forma de assistência. Porém, essa atitude, de tentativa de reparação de erro, não trouxe de volta a mulher ativa que existia.

Zélia, mãe de quatro filhos, sofre com dores por todo o corpo. Ela é obrigada a buscar semanalmente medicamentos para amenizar suas insuportáveis dores de cabeça e dificuldade de concentração. Mas, a dor maior, segundo essa trabalhadora, é a de não poder ajudar seu marido na lavoura, pois, além de não possuir mais a vitalidade para atuar no campo, ainda está traumatizada com o ocorrido.      

Golpes

Em 1994, as indústrias do suco deixaram de contratar os coletores de laranja que trabalhavam em terrenos de terceiros. Para continuar com a produção acelerada a um baixo custo, criaram mecanismos, como as falsas cooperativas para burlar a fiscalização trabalhista.

Segundo o presidente da Feraesp, Elio Neves, essas pseudo cooperativas, conhecidas como “coopergatos”, são organizadas por “testas de ferro” das indústrias, que terceirizam o serviço de colheita e repassam automaticamente a responsabilidade sobre o empregado rural aos donos da terra.

Diante das inúmeras fiscalizações do Ministério Público do Trabalho, as cooperativas diminuíram suas atuações e deram espaços para o surgimento de outra modalidade criminosa, conhecida como condomínios, que são empresas fantasmas composta por alguns proprietários de terras, que prestam serviço de colheita para diversas fazendas em todo o Estado de São Paulo.

MPT

O Ministério Público do Trabalho realizou fiscalização e pesquisa junto à Justiça do Trabalho durante três anos. Segundo o Procurador do Trabalho, Cássio Calvilani Dalla-Déa, em todo este período, ficou evidenciada a responsabilidade trabalhista das indústrias do suco com o trabalhador da colheita, pois elas são donas da laranja e possuem todo o gerenciamento da cadeia produtiva. “São eles que determinam o momento da colheita, a quantidade e o tipo de produção. Isto tudo leva a um absoluto controle e uma responsabilização que vem por conseqüência”, afirma o procurador.

Durante a audiência em Matão, a juíza, Denise Santos Sales de Lima, demonstrou intenção em julgar procedente a ação movida pelo Ministério Público do Trabalho, pois considerou que as provas juntadas pelo MPT são de conhecimento público e difícil de serem contestadas.

O Secretário de Meio Ambiente da CUT/SP, Aparecido Bispo, ficou satisfeito com o posicionamento da juíza. Ele acredita que foi uma demonstração de que o poder público está tomando consciência da problemática vivida pelos trabalhadores da laranja. “Eu acredito que essa audiência tenha sido um primeiro passo para a vitória dos trabalhadores, que são diariamente explorados no campo, sem o mínimo de dignidade.

Nós, da CUT, continuaremos lutando e acompanhando os desdobramentos deste caso, para que, mais uma vez, a impunidade não impere em nosso país”, conclui.

Os sete promotores de diferentes regiões do Estado pediram o encerramento da intermediação da colheita e o pagamento de indenização por parte das indústrias por danos morais coletivo no valor total de 400 milhões de reais. O julgamento da ação está marcado para o dia 30 de abril.

Fonte: CUT/SP