Os últimos resistentes

Nos EUA, bastião do capitalismo, começam a surgir novas leis que legitimam práticas limitantes da mobilização dos trabalhadores

São Paulo – A doutrina do choque, termo cunhado pela ativista canadense Naomi Klein para designar a filosofia das mudanças impostas pelo capitalismo ao longo dos anos, reapareceu no estado norte-americano de Wisconsin. Ali, o governador Scott Walker (republicano) conseguiu aprovar um projeto que veta negociações trabalhistas no setor público, além de aumentar contribuições para pensões e seguro de saúde.

A iniciativa, que ameaça se espalhar pelo país, tem provocado protestos que, como observa o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, já não se restringem a Wisconsin nem ao funcionalismo. “Já está se espalhando, tem movimentação em quase todos os estados”, diz ele. “Na verdade, é uma batalha importante.”

Uma batalha importante em um momento em que a economia tenta se recuperar. Com a desvalorização do dólar, houve um impulso das exportações, mas o efeito sobre o mercado de trabalho tende a ser pequeno. “O mercado privado está criando pouquíssimo emprego”, lembra Belluzzo. A taxa oficial de desemprego norte-americana está na faixa de 9% (já esteve em 10%), ante 6% no Brasil – a volta aos níveis de 5% do pré-crise parece distante. O economista observa que, com a precarização, a taxa nos Estados Unidos pode chegar a 18%.

O pretexto para essa nova ofensiva conservadora é controlar os gastos públicos. Tal justificativa é contestada pelo professor norte-americano Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia em 2008. “O ataque contra os sindicatos não tem relação alguma com o pressuposto. Esses sindicatos já demonstraram sua disposição de fazer concessões econômicas importantes (uma oferta que o governador rechaçou)”, observou Krugman em artigo publicado no jornal The New York Times em 24 de fevereiro.

O que está em jogo, então, é uma disputa de poder. O objetivo, diz o economista, é “aproveitar a crise fiscal para destruir o último contrapeso importante frente o poder político das empresas e dos ricos”. Aí entra a doutrina do choque evocada por Krugman, que cita a intervenção do ex-presidente George Bush no Iraque. “Como muitos leitores recordarão, os resultados foram espetaculares (no mau sentido). Em vez de centrar-se nos problemas urgentes de uma economia e uma sociedade arrasadas, que de imediato se precipitariam a uma mortífera guerra civil, os nomeados por Bush estavam obcecados em impor uma visão ideológica conservadora.”

Belluzzo vê relação entre a queda dos salários e da taxa de sindicalização. “Os salários nos Estados Unidos estão caindo sistematicamente há uns 20 anos. A classe média está sentindo uma forte compressão. As empresas estão se mudando para a China e destruindo postos de trabalho”, afirma o economista.

Outro dado é a política antissindical iniciada na era do chamado neoliberalismo. Desde o New Deal (governo Roosevelt) até os anos 1960/70, as taxas de sindicalização eram maiores. Nos anos Reagan (Estados Unidos) e Tatcher (Inglaterra), com as economias já internacionalizadas, começaram os ataques à organização sindical. As entidades representativas do setor público são, de certa forma, o último bastião de resistência. 

E a resistência parece estar na rua.