Humala precisa de nome para acalmar o mercado. Que tal Palocci?

No Peru de 2011, como no Brasil de 2002, economistas e partes da imprensa apostam no fim do mundo. A experiência mostra que é melhor se acalmar para não perder a linha

Humala, que contratou assessores ligados ao PT durante a campanha, ainda precisa de um conselho derradeiro vindo deste lado da fronteira: nomear Palocci e acalmar o mercado (Fotos: : ©Janine Costa/Reuters e Antônio Cruz. Agência Brasil)

São Paulo – A notícia de que a Bolsa de Valores de Lima reagiu com histeria à eleição de Ollanta Humala para a presidência do Peru faz lembrar o Brasil de há nove anos. Parece até que, de tanto querer associar sua imagem à de Luiz Inácio Lula da Silva, Humala “herdou” do ex-presidente o alvoroço do mercado, a entidade invisível capaz de manchar reputações e desestabilizar governos.

“Peço calma ao país”, afirmou o presidente eleito horas após sua vitória – e frente a uma queda de 12% no pregão limenho. Durante a campanha, ele divulgou o “Compromisso com o Povo Peruano”, um documento tal e qual a “Carta ao povo brasileiro” firmada por Lula em 2002. Trata-se da afirmação explícita de que a estabilidade econômica, o que inclui o respeito aos contratos e ao setor privado, será mantida na mesma linha. O peruano, como o brasileiro, assegurou a autonomia do Banco Central e a livre iniciativa de estrangeiros no país.

É insuficiente. O mercado tem variáveis complexas, mas os sintomas são os mesmos de uma criança mimada. Choro, ou quedas bruscas, sinal de contrariedade. Sorrisos, ou altas empolgantes, sinal de aceitação. A imprensa mundial, boa em traduzir pueris sentimentos, apressou-se em alertar Humala: nomeie a equipe econômica. 

Não bastaram os gestos dados na segunda-feira (6) pelo presidente, que montou uma equipe de transição farta em integrantes do governo de Alejandro Toledo e em respeitados economistas, como Kurt Burneo, ex-vice-ministro de Economia, e Óscar Dancourt, ex-presidente do Banco Central. Se o remédio local não amaina o nervosismo do mercado, Rede Brasil Atual toma a liberdade, muy respeitosamente, de sugerir um nome.

Palocci para o Ministério da Economia peruano

É um daqueles episódios em que ninguém sai perdendo. Humala acalma o mercado. Dilma Rousseff justifica a saída recém-anunciada do ministro-chefe da Casa Civil, acalma a oposição e parte de sua base aliada, alvoroçadas (ou se fazendo de) com as especulações em torno da vida financeira do político.

Em 2002, Antonio Palocci, então coordenador-geral da equipe de transição de Lula, foi nomeado ministro da Fazenda. Antes, durante a campanha, coube ao político de Ribeirão Preto acalmar o mercado, que dava os mesmos sinais de histeria vistos com a vitória de Humala. O dólar havia batido a marca de R$ 4, também impulsionado por problemas internos do governo de Fernando Henrique Cardoso, e o risco-país ultrapassou os dois mil pontos – para mais, confira as tabelas.  

“Em função de saber que o Brasil está na UTI, eu coloquei um médico para ser ministro da Fazenda e para coordenar a equipe de transição”, brincou Lula em 11 de dezembro daquele ano, ao anunciar Palocci. No dia seguinte, viria a confirmação de Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB, como presidente do Banco Central.

10/200201/200312/2010
DólarR$ 4 R$ 3,53 R$ 1,66 
Juros25% ao ano 25,5% a.a. 10,75% a.a. 

 

Reação tardia

No Brasil, a definição da vitória de Lula se deu muitas semanas antes da votação em si, o que antecipou o roer de unhas do mercado. O auge foi visto no começo de outubro, com uma quinzena de antecedência em relação às urnas. Lula passou, então, a se reunir com empresários, banqueiros, industriais e outros representantes do mercado. O quadro foi esfriando lentamente, e já no começo do ano o risco-país estava em 1.383 pontos, quase mil a menos que no pico.

O quadro eleitoral peruano, no entanto, foi de total equilíbrio, e a dúvida sobre quem sairia eleito só se dissipou após a contagem dos votos. Como os sinais do mercado vieram depois, a resposta de Humala terá de ser mais rápida, mas não menos cautelosa. O conselho de Lula foi dado em dezembro de 2002: “Não queriam nem que eu festejasse a minha vitória. Se eu ceder a pressões para indicar ministros, eu passarei o governo todo cedendo a pressões.”

Burneo, da equipe de Humala, também lamenta que não tenha sido respeitado o momento de celebração da vitória, com uma imediata exigência pela montagem do ministério. “A questão não é acalmar os investidores. Creio que os adversários querem ter nomes para passar pelo moedor de carne, ou seja, fazer uma campanha para desacreditá-los”.

O barulho dos derrotados

O papel da oposição, de fato, não deve ser menosprezado. Keiko Fujimori, a oponente, tentou o tempo todo atribuir a Humala proximidade com o venezuelano Hugo Chávez – e, por consequência, a uma pré-concebida imagem de desordem, autoritarismo e atuação contra o capital privado. 

Inflação (IPCA)Meta (em %)Real (em %)
 2001 (FHC)2-6 7,67
 2002 (FHC)1,5-5,5 12,53
 2003 (Lula)1,5-6,5 9,3 
 20043-8 7,6 
 20052-7 5,69 
 20092,5-6,5 4,31 
 20102,5-6,5 5,91 

Em 2002, José Serra, o mesmo candidato derrotado por Dilma Rousseff em 2010, afirmava ao jornal Folha de S. Paulo que Lula transformaria o Brasil na Venezuela. “A ambiguidade do PT, de acender uma vela para Deus e outra para o Diabo, uma para o PSTU e outra o FMI, configura uma ambiguidade que tem consequências na economia. A Venezuela teve um processo eleitoral em que se prometia um sonho, uma proposta em alguns pontos parecida com a do PT”, afirmava o político, que no ano passado também apostou no alarmismo quando viu a derrota se consolidar. 

Somava-se ao coro naquele ano o então presidente, que tentava atribuir exclusivamente ao favoritismo de Lula a alta do dólar, fruto de conjuntura internacional e de contratos cotados na moeda estrangeira que estavam por vencer. “Para piorar, ai meu Deus, deixe ficar como está, que não está tão mal assim”, bradava FHC, em um raro momento de louvação divina.

Os oito anos seguintes trataram de lhe tirar a razão.

Em tempo: a Bolsa de Valores de Lima se recuperou nesta terça, com alta de quase 7%. Eles tinham ouvido a sugestão de Palocci integrar o governo peruano?

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