Egito: os custos da revolta

População sai às ruas no Egito para exigir saída de Mubarak (Suhaib Salem/Reuters) Uma das causas da revolta popular – parece que sem retorno – no Egito é o preço […]

População sai às ruas no Egito para exigir saída de Mubarak (Suhaib Salem/Reuters)

Uma das causas da revolta popular – parece que sem retorno – no Egito é o preço internacional das commodities agrícolas. O Egito é grande importador de alimentos, que têm de ser vendidos a preço subsidiado por causa da pobreza aguda de grande parte da população (50%). O preço do petróleo também aumentou nos últimos tempos, e o Egito é exportador de petróleo e dono de uma das grandes reservas de gás do mundo. Mas isso parece não compensar as coisas.

De alguma forma o aumento dos preços do petróleo e derivados não beneficia a população. Bem, uma das causas disso é que o aumento no preço do petróleo, junto com a especulação financeira, sobretudo a partir do mercado de futuros das commodities, é uma das principais causas do aumento do preço dos alimentos, por causa dos insumos e do preço dos transportes. E o Egito é grande importador de alimentos… e por aí vai a ciranda viciada.

O fato é que os efeitos nefastos da ciranda financeira em torno da produção de alimentos chegou ao Egito, deflagrando uma bomba retardada – o descontentamento da população, sobretudo os jovens, em cujas fileiras grassa o desemprego – que era contida apenas pela tradicional repressão exercida pela polícia e pela polícia política do regime implantado por Mubarak a partir de 1981.

Alguns anos antes, Anuar el Sadat, que foi assassinado, já dera grande virada na política egípcia, afastando-se da hoje finada União Soviética e aproximando-se dos EUA. Mubarak só aprofundou esse caminho aberto. Mas isso também tem um custo. Para os EUA, de 2,2 bilhões de dólares em ajuda por ano, fora a cooperação militar. Para o Egito, o custo foi a dependência cada vez maior não só dos EUA, mas do que vem junto: a poderosa ideologia do império dos mercados, e do ducado dos seus arautos.

Não faz muito um dos relatórios do FMI apontou o Egito como um dos países líderes em matéria de modernização da economia. Nós sabemos o que isso significa. Por exemplo: uma lei de 2005 cortou os impostos sobre corporações pela metade, de 40 % para 20%. Cantou-se em prosa e verso que isso fez, no ano seguinte, duplicar a arrecadação. Por outro lado, sem prosa nem verso dá para pensar, então, em quanto era sonegado antes. Isso equivaleu, digamos, a uma “anistia para o futuro”.

Agora que a revolta explodiu, e que os dias de Mubarak no governo parecem contados – mesmo que sejam ainda longos – já se começa a estimar os novos preços e custos do processo. Claro, há um custo em vidas que é inestimável. Mas há outros custos também.

A revolta egípcia (a da Tunísia era pequeninha para esse mundo mercadeiro) esfriou a sopa no término do convescote das finanças mundiais em Davos. Deu um gosto amargo ao encerramento do encontro. Não só isso. Subitamente preocupadas, as ações sofreram uma baixa generalizada nas bolsas norte-americanas.

De quebra, os dirigentes do G-8 que receberam alegremente Mubarak (junto com outros mandatários, é verdade, entre eles o então presidente Lula) subitamente descobriram que ele era o ditador de um regime brutal, e puseram-se a pedir uma “transição ordenada”. Pedir? Quem sabe, mandar, para evitar o pior do seu ponto de vista, ou seja, que passe a existir no Egito, de fato, uma soberania popular, mesmo que mitigada.

Outros custos vieram à tona. Leio da página da Al Jazeera (artigo de Danny Schechster, “The hidden roots of Egypt’s despair”) que a CMA, uma empresa de consultoria que opera no mercado OTC (Over-the counter trade of financial instruments) recentemente, tinha aumentado a avaliação do custo da prevenção de uma bancarrota egípcia quanto à sua “dívida soberana” (pública) para 375 pontos, acima até da do Iraque.

Em tempo: esse mercado financeiro tem vários patamares. No primeiro, negociam-se títulos dos tesouros, por exemplo. No segundo, negociam-se os títulos desses títulos, e suas apólices de seguro; no terceiro, negociam-se os títulos dos títulos dos títulos, e as apólices das apólices. Mas tudo isso se dá através de operações de bolsas de valores. No quarto patamar, porém, onde a espiral chega ao delírio (para mim), os compradores e vendedores negociam diretamente entre si, sem passar por corretores, bolsas e outras instituições do ramo.

A isso se chama “o quarto mercado”, e por ele passam zilhões de várias moedas sem que nenhum órgão fiscalizador tenha acesso direto, pelo menos de antemão, ao que está sendo negociado, como e por quanto. É para esse mercado que existem instituições sólidas como a CMA.

Logo abaixo, vinha o comentário de Eric Fine, um manager de portfolio, de Nova York, que trabalha para a Van Eck Associates Corp. Dizia ele, sobre os acontecimentos no Egito: “Se isso for uma revolução, o preço de risco para o Egito [no quarto mercado] poderia subir mais ainda; mas se ela fracassar, o preço de risco cairá para 300 pontos, provavelmente 250”.

Que bom, não?

 

 

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